A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
I.
O Ministério Público é hoje, um órgão
de justiça independente e autónomo, com estatuto próprio, Estatuto do
Ministério Público (EMP). Teve ao longo da história diversas funções, tendo
sido representante do rei, órgão dos tribunais mas dependente do Governo e
ainda magistrados independentes e autónomos.[1]
II.
Segundo o art. 51 do ETAF o Ministério Público desempenha três funções enquanto
magistratura autónoma do Estado. Tem como funções a representação do Estado,
por exemplo, a 2ª parte do nº1 do art. 11º do CPTA, defender a legalidade
democrática e ainda a função de promover a realização do interesse público.
Este
intervém no processo, segundo o art. 85º do CPTA, que dispõe no seu nº 2 que o
Ministério Público pode pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos
direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos de especial
relevância ou em algum dos casos do nº2 do art. 9º do CPTA. Segundo o nº 3 do
art. 85º CPTA, nos
processos impugnatórios, o Ministério Público pode invocar causas de invalidade
diversas das que tenham sido arguidas na petição inicial e solicitar a
realização de diligências instrutórias para a respetiva prova. O art. 9º do CPTA concede-lhe legitimidade
ativa para propor e intervir nos termos previstos na lei (art. 291º da CRP;
art. 3º e 5º do Estatuto do Ministério Público e art. 51 ETAF e, outro exemplo,
art. 16º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto sobre o direito de
participação procedimental e ação popular), em processos principais e
cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos
como a saúde pública, ambiente, urbanismo… assim como para promover a execução
das decisões que possam surgir desses processos.
III.
Pode intervir como parte principal ou acessória. Segundo nº1 do art 5º do EMP e
o nº 1 do art 62º CPTA, o
Ministério Público pode, no exercício da ação pública, assumir a posição de
parte principal quando propõe ações de defesa da
legalidade, impugna decisões administrativas ou normas regulamentares (al. b)
do nº1 do art 55º do CPTA) da Administração Pública. Intervém ainda em sede de
recurso das decisões proferidas em 1ª instância. Nos casos em que intervém como
parte acessória (nº4 do art. 5º e art.6º do EMP), o Ministério Público emite
pareces e interpõe recursos jurisdicionais em prol da defesa da legalidade
nomeadamente em matéria de custas ou questões em que estejam em causa
interesses ou valores que sejam da sua obrigação tutelar (nº 2 do art 9º, nº 1
do art 146º e nº 1 do art 155º do CPTA). Mesmo quando não é parte no
processo, o MP, como órgão de justiça, intervém sempre que estejam em causa
bens, interesses ou valores cuja defesa tem o particular poder/dever de
assegurar.[2]
IV. Como supra foi referido, o Ministério Público tem tripla função[3] no
contencioso administrativo:
A)
Segundo art 51º ETAF, nº 1 do art.219º da CRP
e art.1º do EMP, é o titular da ação pública do contencioso administrativo ou
seja, função de defesa da legalidade
democrática, al.b) do nº1 do art 55º CPTA e art 51º do ETAF. Este princípio
concretiza-se numa função garantística dos interesses e direitos legalmente
protegidos dos cidadãos perante a administração.[4] É
possível dizer-se que a defesa da legalidade democrática atribuída pela
Constituição deve ser entendida como um dever de fiscalização dos atos e
comportamentos das autoridades públicas e das entidades privadas com poderes
públicos, ancorando-se sempre nos princípios da juridicidade e legalidade, por
outra palavras, o interesse públicos que o Ministério Público prossegue é o
interesse público na repressão da violação destes princípios.[5]
B)
Função de representar o Estado como dispõe o art. 1º, a al.a) do nº1 do art
3º e art 4º e nº 1 do art 5º do EMP e o nº 1 do art. 291º da CRP, art. 51º ETAF e art
11º do CPTA, nas ações administrativas as
partes devem estar representadas por advogado (…) e o Estado pelo Ministério
Público. Sobre a questão de se o Ministério Público também representará as
Regiões Autónomas e as autarquias locais, parecem responder afirmativamente os
nº1 do art 3º e nº1 do art 5º do EMP, mas negativamente o ETAF e o CPTA. Dispõe
o art 5º que o Ministério
Público tem intervenção principal nos processos quando, al.b) representa as
Regiões Autónomas e as autarquias locais. Porém o nº2 deste mesmo artigo
estabelece que, em caso de representação
de região autónoma ou de autarquia local, a intervenção principal cessa quando
for constituído mandatário próprio. SÈRVULO CORREIA aoi debruçar-se sobre
esta questão conclui que apesar da representação do Estado ser obrigatória para
O ministério Público, no caso das autarquias locais e das Regiões autónomas, a respetiva representação
pode ser afastada por vontade dos seus órgãos desde logo pela simples
constituição de mandatário próprio como dispõe o nº2 do art 5 do EMP.[6]
C)
Tem ainda função de interveniente processual, por outras palavras, independentemente de ser autor ou
representante do Estado pode intervir nos processos, sempre no âmbito da defesa
do interesse público como dispõem os art. 1º do EMP, art 51º do ETAF e nº 1 do art.
62º, art. 85º, nº1 do art. 141º sobre a legitimidade de interpor recurso que
considere violadora de disposições ou princípios legais ou constitucionais e nº
1 do art. 155º todos do CPTA. No nº 1 do art. 62º verifica-se a hipótese em que
o autor não avança com a ação e o Ministério Público avança com ela (tem
legitimidade pela al. b) do nº1 do art 55º CPTA), em geral, em relação a
qualquer ação nos termos do nº3 art 85º o Ministério Público recebe cópia da
petição e assim este poderá pronunciar-se sobre o mérito da causa ou sobre
interesses públicos relevantes, pode identificar causas de invalidades diversas
das do autor ou solicitar a diligências instrutórias para a respetiva prova.
Funciona assim como uma espécie de auxiliar público. O Ministério Público,
hoje, é sempre citado para casos em que queira dar parecer (antigamente visto
prévio do Ministério Público), se lhe interessar diz de sua justiça no âmbito
da tutela da legalidade no âmbito dos direitos e interesses exemplicados no nº2
do art 9º CPTA e 51 do ETAF. Este parecer não é vinculante para o Tribunal.
Nesta terceira função verifica-se que o Ministério Público não é aqui nem autor
nem réu, funciona sim como um ajudante do Tribunal, como amicus curiae[7],
na medida em é um terceiro imparcial que visa contribuir para um melhor
funcionamento da aplicação do Direito.[8]
V. É de sublinhar que, tal como nos
demonstra o nº 2 do art 85º CPTA o Ministério Público tem o dever de
pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa de interesses e valores
constitucionalmente protegidos no âmbito do nº2 do art 9º CPTA. Ora, conclui-se
assim que, apesar de todas as funções supra
descritas, o Ministério Público não pode intervir para se pronunciar sobre
questões de legalidade processual, isto é, não pode suscitar regularizações das
petições iniciais, exceções, nulidades ou quaisquer outras questões de
semelhante natureza que não tenham sido questionadas. Assim, não pode
aconselhar por exemplo, a decisão de absolvição da instância, que não se
pronuncie sobre o mérito da causa e mesmo isto, só quando estejam preenchidos
os requisitos do nº 2 do art 85º CPTA.[9]
VI. A intervenção do Ministério Público
contribuirá sempre para a elucidação contraditória do conteúdo da controvérsia,
promovendo a concretização da legalidade substantiva e assegurando a paz
jurídica.[10]
BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Mario Arouso de, Manual de Processo Administrativo,
2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2016.
CORREIA, José Manuel Sérvulo, “A reforma
do contencioso administrativo e as funções do Ministério Público”, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues”, Coimbra,
Coimbra Editora, 2001, pp. 295-329
CORREIA, José Manuel Sérvulo, “A
representação das pessoas coletivas públicas na arbitragem administrativa”, in Separata de Estudos de Direito da Arbitragem
em Homenagem a Mário Raposo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015,
disponível em: http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Livros_2015/Correia__A_Representacao_das_Pessoas_Coletivas_Publicas_na_Arbitragem_Administrativa_2015.pdf
MOREIRA, Vital; CANOTILHO, José Joaquim
Gomes, Constituição da República
Portuguesa, Anotada, Vol.II- art.219º, Coimbra Editora, pp’s 599-607.
SILVA, Cláudia
Alexandra dos Santos “O Ministério Público no atual contencioso Administrativo
Português”, E-Pública, Revista
Electrónica de Direito Público, Número 7 de 2016, pág 165-183.
SILVA, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo no Divâ da Pscianálise, 2ª Edição, Coimbra, Almedina,
2009.
Sites Consultados:
COMENTÁRIO REALIZADO POR:
ANA ISABEL GOMES DOMINGOS
Nº24471
[1] Vital MOREIRA, José Joaquim
Gomes CANOTILHO, Constituição da
República Portuguesa, Anotada Vol.II- art.219º, Coimbra Editora, p. 601.
[2]O
Ministério Público,
disponível em http://www.ministeriopublico.pt/pagina/area-administrativa, consultado no dia 19/11/2016.
[3] Tem também uma quarta função de execução da ação penal, segundo o nº1
do art. 219º da CRP e art. 1º do EMP, mas que para o caso em concreto não é
chamada à colação uma vez que o comentário versa sobre o Ministério Público no
âmbito do contencioso Administrativo e respetiva intervenção.
[4] José Manuel
Sérvulo CORREIA, “ A reforma do contencioso administrativo e as funções do
Ministério Público”, in Estudos em
Homenagem a Cunha Rodrigues”, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 306.
[5] Cláudia Alexandra dos Santos
SILVA, “O Ministério Público no atual contencioso Administrativo Português”, E-Pública, Revista Electrónica de Direito
Público, Número 7 de 2016, p.171.
[6]
José Manuel Sérvulo, CORREIA, “A representação das pessoas coletivas públicas
na arbitragem administrativa”, in Separata
de Estudos de Direito da Arbitragem em Homenagem a Mário Raposo,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, disponível em: http://www.servulo.com/xms/files/publicacoes/Livros_2015/Correia__A_Representacao_das_Pessoas_Coletivas_Publicas_na_Arbitragem_Administrativa_2015.pdf
[7] Cláudia Alexandra dos Santos
SILVA, “O Ministério Público…, p.179.
[8] José Manuel Sérvulo CORREIA, A
reforma do… op.cit, p.309.
[9] Vasco
Pereira da SILVA, O
Contencioso Administrativo no Divâ da Pscianálise, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009,
p.352.
[10] José Manuel Sérvulo Correia, A
reforma do… op.cit, p.318
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