A
Ação popular no contencioso administrativo
1-Conceito
Independentemente de ter interesse pessoal na demanda,
qualquer pessoa, bem como as associações e as fundações defensoras dos
interesses em causa, tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos
na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e
bens constitucionalmente protegidos (artigo 9º do CPTA).[i]
Esta figura consiste numa ação judicial que surge como expressão do direito
fundamental de acesso aos tribunais (artigo 52º/3 C.R.P). No entendimento do
Senhor Professor Paulo Otero, a ação popular distingue-se das demais
modalidades de ações pela amplitude que o CPTA lhe atribui, nos critérios que
configuram a legitimidade para a respectiva propositura.[ii]
2-Contexto
Histórico
De acordo com o modelo francês, o contencioso administrativo era de
natureza tipicamente objetiva: destinava-se à
mera verificação da legalidade do acto administrativo. Assim, nem a
Administração, nem o particular eram considerados como partes. A sua presença
perante o Tribunal destinava-se apenas à colaboração com este para prossecução
da legalidade e do interesse público. Desta forma, não era reconhecida qualquer
relação de conteúdo substantivo que permitisse actuar para a defesa de direitos
ou interesses próprios, não se admitindo a existência de uma relação jurídica
entre eles.
Na corrente da conceção clássica do Direito
Administrativo, o particular não era um sujeito, mas sim um “administrado”,
cuja posição no processo não se traduzia numa posição verdadeiramente material
por se ver representado pelo Ministério Público. Ora, a qualidade de parte no
contencioso era negada pelo dogma administrativo preocupado com os “privilégios autoritários.”[iii]
Com isto, apesar da Constituição de 1976 ter autonomizado o papel do indivíduo nas relações administrativas e, mais adiante, com a reforma de 1984/1985 ter incrementado várias medidas no sentido da transformação do contencioso administrativo num processo de partes, existiam ainda disposições limitativas de intervenção processual.
Com isto, apesar da Constituição de 1976 ter autonomizado o papel do indivíduo nas relações administrativas e, mais adiante, com a reforma de 1984/1985 ter incrementado várias medidas no sentido da transformação do contencioso administrativo num processo de partes, existiam ainda disposições limitativas de intervenção processual.
Não só o particular tinha o estatuto de parte negado na
doutrina clássica, como a Administração via a sua posição
reduzida a mero auxiliar do Tribunal na tarefa de estabelecimento da legalidade
e do interesse público. Tais laços entre a Administração e a Justiça foram
cortados, de facto, pela Constituição de 1976, que integrou o Contencioso
Administrativo no Poder Judicial .
Posteriormente, a Lei 93/95, de 31 de Agosto, implementou
o imperativo constitucional que reconheceu a ação popular como um direito
fundamental, conducente ao necessário desenvolvimento legislativo a respeito.
Atualmente, assumindo o sistema uma posição subjetivista,
é claro o principio da igualdade efectiva das partes (artigo 6º do CPTA)
atinente à legitimidade processual dos particulares e da Administração.
Respectivamente, quanto aos primeiros, está em causa a afirmação da lesão de um
direito, e no respeitante aos segundos, a defesa da legalidade e do interesse
público.
Enquanto que, de acordo com os parâmetros clássicos, era
a legitimidade que constituía o critério de acesso ao juiz, legitimidade essa
que era determinada de acordo com o interesse ( directo, pessoal e legítimo)[iv];
no novo regime jurídico estabelecido pelo CPTA, os cânones de determinação da
legitimidade decorrem da alegação da posição controvertida (artigos 9º e
seguintes). Ora, a razão que fundamenta a legitimidade, está na posição dos
sujeitos e na alegação de direitos e deveres recíprocos na relação jurídica
substantiva.
Nesta medida, como refere Vasco Pereira da Silva, para a determinação de posições substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa, “basta a alegação plausível, pelo autor, da titularidade da posição jurídica subjetiva respectiva, pois, saber se ele é ou não titular do direito é algo que pertence ao fundo da causa.”[v] Nesta corrente de pensamento, o autor considera que não se justifica a distinção clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos. O autor defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos.
Nesta medida, como refere Vasco Pereira da Silva, para a determinação de posições substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa, “basta a alegação plausível, pelo autor, da titularidade da posição jurídica subjetiva respectiva, pois, saber se ele é ou não titular do direito é algo que pertence ao fundo da causa.”[v] Nesta corrente de pensamento, o autor considera que não se justifica a distinção clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos. O autor defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos.
Atendendo à distinção feita por Teixeira de Sousa,- “os interesses
difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente
satisfeitas aos membros de uma coletividade: como esses interesses se desdobram
numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses
difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um
dos membros de uma coletividade”[vi]-,
ajuda-nos a obter uma melhor compreensão quanto ao entendimento, supra
referido, de Vasco Pereira da Silva,
visto que, o fenómeno de extensão da legitimidade, por via da ação popular,
reflete a Teoria da Norma Proteção, que visa a titularidade
de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que de uma norma
jurídica se extraia, para além da satisfação do interesse público, a proteção
dos interesses dos particulares, resultando daí, uma vantagem objectiva ou um
mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental.
Helena Lopes Semedo, nro 22215.
[iii] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Diva da
Psicanalise, Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, ob. Cit p.256.
[v] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Diva da
Psicanalise, Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, ob. Cit p.263.
[vi] TEIXEIRA DE SOUSA, A legitimidade
popular na tutela dos interesses difusos,p.32
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