quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A Ação popular no contencioso administrativo
1-Conceito
Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e as fundações defensoras dos interesses em causa, tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos (artigo 9º do CPTA).[i] Esta figura consiste numa ação judicial que surge como expressão do direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 52º/3 C.R.P). No entendimento do Senhor Professor Paulo Otero, a ação popular distingue-se das demais modalidades de ações pela amplitude que o CPTA lhe atribui, nos critérios que configuram a legitimidade para a respectiva propositura.[ii]

2-Contexto Histórico
De acordo com o modelo francês, o contencioso administrativo era de natureza tipicamente objetiva: destinava-se à mera verificação da legalidade do acto administrativo. Assim, nem a Administração, nem o particular eram considerados como partes. A sua presença perante o Tribunal destinava-se apenas à colaboração com este para prossecução da legalidade e do interesse público. Desta forma, não era reconhecida qualquer relação de conteúdo substantivo que permitisse actuar para a defesa de direitos ou interesses próprios, não se admitindo a existência de uma relação jurídica entre eles.
Na corrente da conceção clássica do Direito Administrativo, o particular não era um sujeito, mas sim um “administrado”, cuja posição no processo não se traduzia numa posição verdadeiramente material por se ver representado pelo Ministério Público. Ora, a qualidade de parte no contencioso era negada pelo dogma administrativo preocupado com os privilégios autoritários.”[iii]
Com isto, apesar da Constituição de 1976 ter autonomizado o papel do indivíduo nas relações administrativas e, mais adiante, com a reforma de 1984/1985 ter incrementado várias medidas no sentido da transformação do contencioso administrativo num processo de partes, existiam ainda disposições limitativas de intervenção processual.
Não só o particular tinha o estatuto de parte negado na doutrina clássica, como a Administração via a sua posição reduzida a mero auxiliar do Tribunal na tarefa de estabelecimento da legalidade e do interesse público. Tais laços entre a Administração e a Justiça foram cortados, de facto, pela Constituição de 1976, que integrou o Contencioso Administrativo no Poder Judicial .
Posteriormente, a Lei 93/95, de 31 de Agosto, implementou o imperativo constitucional que reconheceu a ação popular como um direito fundamental, conducente ao necessário desenvolvimento legislativo a respeito.
Atualmente, assumindo o sistema uma posição subjetivista, é claro o principio da igualdade efectiva das partes (artigo 6º do CPTA) atinente à legitimidade processual dos particulares e da Administração. Respectivamente, quanto aos primeiros, está em causa a afirmação da lesão de um direito, e no respeitante aos segundos, a defesa da legalidade e do interesse público.
Enquanto que, de acordo com os parâmetros clássicos, era a legitimidade que constituía o critério de acesso ao juiz, legitimidade essa que era determinada de acordo com o interesse ( directo, pessoal e legítimo)[iv]; no novo regime jurídico estabelecido pelo CPTA, os cânones de determinação da legitimidade decorrem da alegação da posição controvertida (artigos 9º e seguintes). Ora, a razão que fundamenta a legitimidade, está na posição dos sujeitos e na alegação de direitos e deveres recíprocos na relação jurídica substantiva. 
Nesta medida, como refere Vasco Pereira da Silva, para a determinação de posições substantivas de vantagem no âmbito da relação jurídica administrativa, “basta a alegação plausível, pelo autor, da titularidade da posição jurídica subjetiva respectiva, pois, saber se ele é ou não titular do direito é algo que pertence ao fundo da causa.”[v] Nesta corrente de pensamento, o autor considera que não se justifica a distinção clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos. O autor defende que todas as posições substantivas de vantagem dos privados perante a Administração devem ser entendidas como direitos subjectivos.
Atendendo à distinção feita por  Teixeira de Sousa,- “os interesses difusos só são delimitáveis em função das necessidades concretamente satisfeitas aos membros de uma coletividade: como esses interesses se desdobram numa dimensão individual e numa dimensão supra-individual, não há interesses difusos que não satisfaçam efectivamente uma necessidade de todos e de cada um dos membros de uma coletividade”[vi]-, ajuda-nos a obter uma melhor compreensão quanto ao entendimento, supra referido, de Vasco Pereira da Silva, visto que, o fenómeno de extensão da legitimidade, por via da ação popular, reflete a Teoria da  Norma Proteção, que visa a titularidade de um direito subjectivo em relação à Administração sempre que de uma norma jurídica se extraia, para além da satisfação do interesse público, a proteção dos interesses dos particulares, resultando daí, uma vantagem objectiva ou um mero benefício de facto decorrente de um direito fundamental. 

Helena Lopes Semedo, nro 22215.







[i] In, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte.
[ii] PAULO OTERO, A  Ação Popular: configuração e valor no atual Direito português , p.871 e 872
[iii] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Diva da Psicanalise, Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo,  ob. Cit p.256.

[v] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Diva da Psicanalise, Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo,  ob. Cit p.263.


[vi] TEIXEIRA DE SOUSA, A legitimidade popular na tutela dos interesses difusos,p.32

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