Os contrainteressados no processo administrativo
Ao analisar esta temática pretendo
focar-me apenas nos contrainteressados, artigo 57º Código do Procedimento dos
Tribunais Administrativos (ora em diante CPTA), em si mesmo, não me
intrometendo no tema do “interesse processual”, não por preguiça, mas por saber
que este será um dos temas mais abordados pelos meus colegas, pelo que opto por
não fazer uma pesquisa intensa sobre ele. Como é óbvio estudá-lo-ei uma vez que
estas matérias se interpenetram mas não pretendo desenvolver aqui o tema, nem
divergências doutrinárias, nem o próprio conceito em si, referindo apenas que o
conceito de “interesse processual” que adoto é o geral do artigo 39º CPTA, ou
seja, quem invoque uma utilidade ou vantagem imediata, que não seja meramente
hipotética. Interesse em agir divide-se, segundo o artigo 55º, nº1, al.a), em
interesse direto, se tem uma vantagem ou uma utilidade em determinada ação, por
outras palavras, se detém um interesse atual
e efetivo na ação, e interesse
pessoal, se a ação é para quem a propõe, por outras palavras, se retira da ação
uma utilidade pessoal.[1]
Como se sabe, a evolução do
Contencioso Administrativo para além de problemática como o Professor Doutor
Vasco Pereira da Silva nos relembra, foi também uma evolução longa. Longa e de
progressiva influência, conseguindo sempre alargar o seu campo de incidência.
Com o alargamento de tarefas que
esta disciplina deteve a seu cargo, chegou-se hoje a uma impossibilidade de
manter as tradicionais relações bilaterais, ou seja, as simples relações que se
estabeleciam com a administração e um dos administrados. Estamos hoje perante
uma Administração Infra-estrutural[2],com
um âmbito multilateral de atuação, e de relações multilaterais que afetam
diversos indivíduos, pois para prosseguir o interesse público esta acabará por
tomar decisões que agradem a uns e desagradem a outros.
Perante
esta nova situação surge a questão de saber se, estes “terceiros”[3],uma
vez que também são implicados pelo alcance da decisão, deverão ou não ser desde
início chamados a juízo. Já não se está perante um problema de alargamento da
sua legitimidade mas sim se este será obrigado, ou pelo menos se deverá ser
notificado para intervir num processo iniciado por outro interessado.
Antes de me focar nesta questão,
convém procurar uma definição de contrainteressados, figura essa que se
encontra no artigo 57º e 68º nº2 CPTA. O Professor Doutor Vieira de Andrade na
sua obra “Justiça Administrativa”,[4]
explica que ao lado das partes principais num litígio, pode surgir, como partes
acessórias, desde que sejam partes interessadas. Contrainteressados são uma
figura muito relevante, é a figura com manifestação processual mais forte das
relações multipolares do Direito Administrativo, e segundo este Professor,
serão contrainteressados os que tenham interesse direto e pessoal em que não se
dê provimento à ação. Este Professor
divide ainda contrainteressados e cointeressados, sendo que estes segundos se
distinguem por se referirem aos interessados em que não se dê provimento ao pedido do autor.
Para o Professor Doutor Mário Arouso
de Almeida, o teor literal dos artigos 57º e 68º nº2, dispõem que
contrainteressados serão indivíduos a quem a procedência da ação pode
prejudicar ou que têm interesse na
manutenção da situação contra a qual se insurge o autor. Pessoalmente prefiro a
distinção que o Professor Doutor Vieira de Andrade faz entre cointeressados e
contrainteressados, pois os primeiros serão aqueles que detêm um interesse
equivalente ao autor e os segundos aqueles que têm interesse na manutenção da
situação contra a qual o autor se insurge.
Refere o Professor Doutor Paulo
Otero na sua análise sobre o tema[5],
que contrainteressados são aqueles a quem o provimento da ação possa diretamente
prejudicar. A intervenção processual destes sujeitos acaba por ser um ónus do
proponente da ação, sendo que a falta de citação de um contrainteressado gera
ilegitimidade. Pode, porém, esta falta ser regularizada pelo Tribunal.
Porquê a necessidade de citação
destes contrainteressados, que formarão um litisconsórcio necessário unitário?
Primeiramente devido a razões subjetivistas, o contrainteressado terá que ser
chamado porque por e simplesmente ser um interessado e, por esse motivo, é-lhes
devido o direito fundamental de acesso à justiça, artigo 20º da Constituição da
República Portuguesa (ora em diante CRP), e o direito a uma tutela
jurisdicional efetiva dos administrados, artigo 268º nº4 CRP, e ainda, o
direito ao contraditório para uma efetiva igualdade das partes, que não poderão
deixar de ser ouvidas uma vez que a futura decisão lhes poderá modificar a
situação jurídica em que se encontram., exigência feita pelo modelo
constitucional de Estado de Direito Democrático. Em segundo por razões objetivistas
de efeito útil da sentença, daí que o litisconsórcio tenha que ser necessário,
mas também deva ser unitário, a decisão que do processo decorra deverá ter os
mesmos efeitos para todas as partes e só poderá abranger todas as partes que
nele participem. Um sujeito só poderá ser realmente afetado pela decisão do
Tribunal se nele pôde ser parte e nele pôde exercer o contraditório, logo, a
situação só poderá ser modificada se todos os afetados por ela, quer para o
bem, quer para o mal, tenham participado na ação. De outro modo, a decisão não
lhes poderá ser oponível. Por e simplesmente se não foi chamado ao processo
nunca poderá ser prejudicado pela decisão, a utilidade plena da sentença
depende do seu chamamento.[6]
Se por diversas vezes a expressão contrainteressados
não gera dúvidas[7], outras há em que a
questão é profundamente discutível e cuja resposta dependerá sempre do caso
concreto. Partindo do clássico exemplo de impugnação de ato de um procedimento
administrativo concursal, com vários candidatos:
A
B
C
à Impugna o ato
final do procedimento concursal
D
Perante uma situação como esta, A e
B serão obviamente considerados contrainteressados uma vez que C foi aprovado
mas não classificado em primeiro. Porém, em minha opinião também D deveria ser
considerado contrainteressado e, assim, notificado, pois este ónus que recai
sobre o autor da ação, enquanto o pode afetar a si, manchando a sua ação de
ilegitimidade passiva, a D não afeta em nada uma vez que este, considerando que
qualquer decisão que o Tribunal venha a proferir não afetará a sua esfera
jurídica, poderá sempre optar por não comparecer em juízo. Ou seja, D deveria
ser chamado à ação não tanto por ser um contrainteressado no verdadeiro sentido
do conceito, mas sim para que haja uma maior defesa do autor da ação que assim
vê a sua pretensão assegurada. Por outras palavras, nestes casos, em minha
opinião, deveria haver um cuidado extra na defesa da situação do autor. Caso
tivesse demando D, ótimo, em caso contrário, como D não seria um verdadeiro
contrainteressado o nosso autor não deveria ser prejudicado pela sua não
demanda. Assim, como futura advogada, se um cliente me questionasse se deveria
ou não demandar D eu responderia que sim, para o salvaguardar, e porque é
sabido que a posição de D não fica afetada com a sua notificação, podendo por e
simplesmente ignorá-la.
A
resposta já seria diferente se nos casos em que o concurso é impugnado, a
escolha não fosse feita por ordem de classificação, e sim houvesse a realização
de um novo concurso, com possibilidade de novas propostas feitas de acordo com
os novos critérios do concurso. Nesse caso, D, e todos os meros participantes,
mesmo que não tenham sido aprovados, deveriam ser notificados como
contrainteressados uma vez que com novo concurso poderiam ter mais hipóteses,
tanto a nível do próprio concurso como a nível geral, pois é diferente a
situação de um indivíduo que primeiramente não é aprovado e subsequentemente o
vem a ser, que poderá ter, por exemplo, mais publicidade sobre si mesmo o que
poderá chamar a atenção de possíveis interessados na sua contratação,
oportunidade essa que não surgiria se nem chegasse a ser aprovado.
Diferente
seria a situação de impugnação do concurso por este exigir determinados patamares
e, subsequentemente vêm a alterar-se esses requisitos para outros menos
exigentes sem o comunicar ao público. Neste caso poderia haver um E que não foi
aprovado por não preencher os tais requisitos. Aqui, não só os indivíduos que
foram aprovados seriam contrainteressados como também todos os participantes.
Acresce o problema ainda de que poderia haver imensos indivíduos que não teriam
sequer participado por acharem não ter capacidade para o fazer quando afinal
tinham. Este caso já extravasa a nossa questão de contrainteressados, mas em
minha opinião o que deveria ser feito era um novo concurso.
Assim,
são basicamente contrainteressados todos aqueles indivíduos para quem o ato
impugnado assuma a natureza de ato constitutivo de direitos ou interesses que
sejam legalmente protegidos e cuja modificação lhes faça poder perder os
direitos já adquiridos. São de considerar contrainteressados ainda, todos
aqueles que, tendo sido aprovados, poderão ver a sua graduação modificada pela
decisão do Tribunal a favor do autor da ação. Por último serão também
contrainteressados, mesmo que não tenham sido sequer aprovados, (ou seja, todos
os concorrentes), desde que sejam atingidos pelo fundamento do ato que o autor
pretende impugnar, por exemplo, se o autor da impugnação pretende anular o ato,
todos serão atingidos na sua esfera jurídica se o Tribunal considerar a ação
procedente.[8]
Trabalho realizado por:
Subturma 9, 4º ano
[1] ALMEIDA, Mario Arouso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª
Edição, Coimbra, Almedina, 2016.
[2] SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divâ da
Pscianálise, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009, p.282.
[3] O Professor Vasco Pereira da Silva
defende que estes indivíduos já não podem ser considerados terceiros na
verdadeira aceção da palavra, opinião sobre a qual não posso deixar de
concordar, uma vez que estes indivíduos não são estranhos ao processo, estes
indivíduos são verdadeiros interessados, quer porque tenham interesse na
manutenção da decisão, quer porque uma outra qualquer decisão proferida pelo
Tribunal lhes possa afetar a sua esfera jurídica, modificando a sua situação
presente.
[5] OTERO, Paulo, Os
contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função, e
determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento
concursal, in Estudos em Homenagem ao
Prof. Doutor Rogério Soares, Coimbra, 2001, pp’s 1073 e ss.
[6] OTERO, Paulo, Os
contra-interessados em contencioso administrativo… cit. p. 1086.
[7] Por exemplo, no caso de
comproprietários explanado, Ac. do STA de 11/05/2011, processo nº 07611/11.
[8] OTERO, Paulo, Os
contra-interessados em contencioso administrativo… cit. pp’s. 1098-1099.
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