A Posição dos Contra-interessados
Administração
Pública no exercício das suas funções como autoridade competente estabelece
relações ditas “multipolares” uma vez que estas decisões afectam não só os seus
destinatários como também terceiros, e como será de esperar essas decisões nem
sempre satisfazem todos aqueles que são afectados por elas, a título de exemplo
temos o caso do Acórdão 1018/15 do Supremo Tribunal Administrativo.
Neste acórdão vemos que um dos
participantes tenta impugnar a decisão da Administração Pública a respeito do
vencedor de um concurso Público no qual a ré ficou em 4º lugar, como tal
interpõe acção de impugnação do ato administrativo que deu a decisão ao dito
concurso, acção esta prevista os artigos 50º e seguintes do Código de Processo
dos Tribunais Administrativos.
No dito
acórdão uma das questões prementes dizia a respeito ao conceito dos contra-interessados na acção, onde por via do artigo 57º do Código de Processo dos Tribunais
Administrativos (doravante CPTA) são tidos como aqueles “...a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado…”.
Ou seja surgem todo um conjunto de
posições jurídicas de um conjunto de indivíduos[1]
que passam a integrar com o destinatário da decisão, e com a Administração
Pública uma relação jurídica dita “multipolar”.
Mário Aroso de
Almeida vai mais longe e considera que “o universo dos contra-interessados é
mais amplo, estendendo-se a todos aqueles que por terem visto ou poderem vir a
ver a respectiva situação jurídica defendida pelo ato administrativo praticado
ou a praticar, têm direito de não serem deixados à margem do processo”. Deste modo, o Autor considera que, o que está em causa
não é a titularidade de um interesse contraposto ao do autor na acção, mas sim o
de assegurar que o processo não corra à revelia de pessoas que podem vir a ser
prejudicadas ou beneficiadas5.
Há-que então
apurar as razões que levaram o legislador a criar um regime de protecção tão
forte para um conjunto de indivíduos. O Professor Paulo Otero aponta, antes de
mais, para a existência de um litisconsórcio Necessário Passivo que é
estabelecido entre a Administração Pública[2], o autor da ação[3] e o contra-interessado propriamente dito[4]. Trata-se de um Litisconsórcio “passivo” na
medida em que os pedidos são formulados contra todas as partes, e “necessário” pois
a sua preterição constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do
mérito da causa por via do artigo 89º nº4 alínea e do CPTA. Cabe ao autor a
indicação dos contra-interessados tendo este que fazer um levantamento aquando
da formulação da petição inicial dos potenciais afectados pela sua acção sob pena
de ilegitimidade passiva, sancionada com a rejeição da peça processual, artigo
89º nº4 alínea e do CPTA.
Também nos podemos guiar
por fundamentos de foro subjectivistas, como sublinha o Professor Paulo Otero em
conjunção com os artigos 20º e 268º da Constituição (doravante CRP): a defesa de interesses
próprios. A primeira linha de fundamentação para a intervenção dos contra-interessados funda-se na prossecução dos seus próprios interesses em
contraposição aos do autor da acção, umas vez que os contra-interessados, tal
como o autor, são titulares de uma posição jurídica substantiva o que lhes
confere acesso a uma “tutela jurisdicional efectiva” garantida
constitucionalmente pelo artigo 20º da CRP e se alia evidentemente à existência
de meios constitucionais para formarem uma defesa desses direitos e interesses que
são violados/lesados[5].
Para Paulo Otero este princípio de
tutela jurisdicional efectiva garante ao contra-interessado a capacidade de
impugnar os actos lesivos ao seu direito bem como o estatuto de titular de um
direito contencioso[6].
A fundamentação subjectivista não termina
aqui, uma vez que se entende que tal como o autor tem a possibilidade de
impugnar o ato administrativo lesivo dos seus interesses e liberdades por meio
de recurso administrativo, também se entende que o contra-interessado deve ter a
oportunidade de se opor à lesão dos seus interesses e liberdades que embora
opostos aos do autor também carecem de protecção pois são equivalentes aos deste último[7].
Este fundamento consubstancia-se no princípio do contraditório e da igualdade
das partes, onde sempre que for evidente que um ato administrativo lese
direitos e liberdades protegidos dos cidadãos de acordo com as regras de um
Estado de Direito deve ser dada oportunidade a esse lesado (o contra-interessado) de participar no processo e usar os meios à sua disposição
para se proteger da agressão em causa. Como tal a este direito de acesso à
justiça e de tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos
alicerça-se no fundamento subjectivo da intervenção processual dos contra-interessados[8].
Também podemos falar de uma orientação objectivista[9] para fundamentar a posição
dos contra interessados. No entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida
houve um esforço na objectivação do regime dos contra-interessados, por via do
68º nº2 CPTA uma vez que houve uma clara necessidade de delimitar os contra-interessados com o intuito de os proteger de acções administrativas
através da sua citação. Isto fez-se atendendo às consequências da falta de
citação para o processo: ilegitimidade passiva (analisada acima) por meio do
artigo 89º nº4 alínea e CPTA bem como da inoponibilidade do caso julgado a um contra-interessado não citado como consta do artigo 155º do CPTA.
No que toca à ilegitimidade seria uma
afronta aos direitos de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva se
não lhe fosse assegurada a possibilidade de intervenção no processo que o
poderia lesou ou alteraria a sua actual circunstância. Para além de que, no
seguimento do segundo efeito gravoso, esses direitos não só serviriam para lhe
abrir a porta para a sua defesa mas também para limitar a eficácia da decisão
judicial que o prejudique.
Em suma a decisão judicial que tenha por
alvo um sujeito que não foi parte no processo não produzirá efeitos em relação
a esse individuo uma vez que este não teve oportunidade de opor ao processo e
seria uma violação dos direitos acima mencionados.
Para sumarizar esta exposição ficamos
com as seguintes ideias em relação à posição do contra-interessado no âmbito do
contencioso administrativo: o contra-interessado tem uma posição equivalente à
do autor da acção; os seus interesses estão assegurados por 2 pilares, um de
primeira linha que apresenta aspectos subjectivistas, e outro na retaguarda para salvaguardar
a sua posição do ponto de vista objectivista. À luz do exposto considero que a
posição dos contra-interessados no seio do contencioso administrativo se encontra
fortificada por vários pilares, quer constitucionais, quer jurisprudenciais e
mesmo por via legal.
[1] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1088.
[2]
Acórdão STA recurso nº 35846 de 9 Março 1995
[3]
Acórdão STA recurso nº 32026 de 23 Setembro 1993
[4] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, páginas 1078-1079
[5] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1080
[6] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1081
[7] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1082
[8] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1083
[9] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1085 e ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de processo administrativo," 2º edição, Almedina, 2016 página 252
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