terça-feira, 1 de novembro de 2016

A Posição dos Contra-interessados

A Posição dos Contra-interessados


Administração Pública no exercício das suas funções como autoridade competente estabelece relações ditas “multipolares” uma vez que estas decisões afectam não só os seus destinatários como também terceiros, e como será de esperar essas decisões nem sempre satisfazem todos aqueles que são afectados por elas, a título de exemplo temos o caso do Acórdão 1018/15 do Supremo Tribunal Administrativo.
Neste acórdão vemos que um dos participantes tenta impugnar a decisão da Administração Pública a respeito do vencedor de um concurso Público no qual a ré ficou em 4º lugar, como tal interpõe acção de impugnação do ato administrativo que deu a decisão ao dito concurso, acção esta prevista os artigos 50º e seguintes do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.
No dito acórdão uma das questões prementes dizia a respeito ao conceito dos contra-interessados na acção, onde por via do artigo 57º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) são tidos como aqueles “...a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado…”. Ou seja surgem todo um conjunto de posições jurídicas de um conjunto de indivíduos[1] que passam a integrar com o destinatário da decisão, e com a Administração Pública uma relação jurídica dita “multipolar”.

Mário Aroso de Almeida vai mais longe e considera que “o universo dos contra-interessados é mais amplo, estendendo-se a todos aqueles que por terem visto ou poderem vir a ver a respectiva situação jurídica defendida pelo ato administrativo praticado ou a praticar, têm direito de não serem deixados à margem do processo”. Deste modo, o Autor considera que, o que está em causa não é a titularidade de um interesse contraposto ao do autor na acção, mas sim o de assegurar que o processo não corra à revelia de pessoas que podem vir a ser prejudicadas ou beneficiadas5.
Há-que então apurar as razões que levaram o legislador a criar um regime de protecção tão forte para um conjunto de indivíduos. O Professor Paulo Otero aponta, antes de mais, para a existência de um litisconsórcio Necessário Passivo que é estabelecido entre a Administração Pública[2], o autor da ação[3] e o contra-interessado propriamente dito[4]. Trata-se de um Litisconsórcio “passivo” na medida em que os pedidos são formulados contra todas as partes, e “necessário” pois a sua preterição constitui excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa por via do artigo 89º nº4 alínea e do CPTA. Cabe ao autor a indicação dos contra-interessados tendo este que fazer um levantamento aquando da formulação da petição inicial dos potenciais afectados pela sua acção sob pena de ilegitimidade passiva, sancionada com a rejeição da peça processual, artigo 89º nº4 alínea e do CPTA.

Também nos podemos guiar por fundamentos de foro subjectivistas, como sublinha o Professor Paulo Otero em conjunção com os artigos 20º e 268º da Constituição (doravante CRP): a defesa de interesses próprios. A primeira linha de fundamentação para a intervenção dos contra-interessados funda-se na prossecução dos seus próprios interesses em contraposição aos do autor da acção, umas vez que os contra-interessados, tal como o autor, são titulares de uma posição jurídica substantiva o que lhes confere acesso a uma “tutela jurisdicional efectiva” garantida constitucionalmente pelo artigo 20º da CRP e se alia evidentemente à existência de meios constitucionais para formarem uma defesa desses direitos e interesses que são violados/lesados[5].

Para Paulo Otero este princípio de tutela jurisdicional efectiva garante ao contra-interessado a capacidade de impugnar os actos lesivos ao seu direito bem como o estatuto de titular de um direito contencioso[6].

A fundamentação subjectivista não termina aqui, uma vez que se entende que tal como o autor tem a possibilidade de impugnar o ato administrativo lesivo dos seus interesses e liberdades por meio de recurso administrativo, também se entende que o contra-interessado deve ter a oportunidade de se opor à lesão dos seus interesses e liberdades que embora opostos aos do autor também carecem de protecção pois  são equivalentes aos deste último[7]. Este fundamento consubstancia-se no princípio do contraditório e da igualdade das partes, onde sempre que for evidente que um ato administrativo lese direitos e liberdades protegidos dos cidadãos de acordo com as regras de um Estado de Direito deve ser dada oportunidade a esse lesado (o contra-interessado) de participar no processo e usar os meios à sua disposição para se proteger da agressão em causa. Como tal a este direito de acesso à justiça e de tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos alicerça-se no fundamento subjectivo da intervenção processual dos contra-interessados[8].

Também podemos falar de uma orientação objectivista[9] para fundamentar a posição dos contra interessados. No entendimento do Professor Mário Aroso de Almeida houve um esforço na objectivação do regime dos contra-interessados, por via do 68º nº2 CPTA uma vez que houve uma clara necessidade de delimitar os contra-interessados com o intuito de os proteger de acções administrativas através da sua citação. Isto fez-se atendendo às consequências da falta de citação para o processo: ilegitimidade passiva (analisada acima) por meio do artigo 89º nº4 alínea e CPTA bem como da inoponibilidade do caso julgado a um contra-interessado não citado como consta do artigo 155º do CPTA.

No que toca à ilegitimidade seria uma afronta aos direitos de acesso à justiça e de tutela jurisdicional efectiva se não lhe fosse assegurada a possibilidade de intervenção no processo que o poderia lesou ou alteraria a sua actual circunstância. Para além de que, no seguimento do segundo efeito gravoso, esses direitos não só serviriam para lhe abrir a porta para a sua defesa mas também para limitar a eficácia da decisão judicial que o prejudique.

Em suma a decisão judicial que tenha por alvo um sujeito que não foi parte no processo não produzirá efeitos em relação a esse individuo uma vez que este não teve oportunidade de opor ao processo e seria uma violação dos direitos acima mencionados.

Para sumarizar esta exposição ficamos com as seguintes ideias em relação à posição do contra-interessado no âmbito do contencioso administrativo: o contra-interessado tem uma posição equivalente à do autor da acção; os seus interesses estão assegurados por 2 pilares, um de primeira linha que apresenta aspectos subjectivistas, e outro na retaguarda para salvaguardar a sua posição do ponto de vista objectivista. À luz do exposto considero que a posição dos contra-interessados no seio do contencioso administrativo se encontra fortificada por vários pilares, quer constitucionais, quer jurisprudenciais e mesmo por via legal. 





[1] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1088.
[2] Acórdão STA recurso nº 35846 de 9 Março 1995
[3] Acórdão STA recurso nº 32026 de 23 Setembro 1993
[4] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, páginas 1078-1079
[5] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1080
[6] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1081
[7] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1082
[8] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1083
[9] OTERO, Paulo, ""Os contra-interessados em contencioso administrativo: fundamento, função e determinação do universo em recurso contencioso de acto final de procedimento concursal", Estudos em Homenagem ao Professor Rogério Soares, Coimbra Editora, 2002, página 1085 e  ALMEIDA, Mário Aroso de, "Manual de processo administrativo," 2º edição, Almedina, 2016 página 252

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