Pressupostos processuais: a distinção
entre legitimidade, interesse em agir e aceitação do ato
No âmbito dos
pressupostos processuais relativos às partes, poder-se-á afirmar que é
relevante fazer uma distinção entre a legitimidade, interesse processual ou
interesse em agir, bem como aceitação do ato e perceber se esta mesma aceitação
se insere no pressuposto processual do interesse em agir ou se corresponde a um
pressuposto processual autónomo.
É inegável que a
legitimidade processual corresponde a um pressuposto processual autónomo, que,
nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva,” do ponto de vista da teoria
do processo, constitui o elo de ligação entre a relação jurídica substancial e
a processual, destinando-se a trazer a juízo os titulares da relação material
controvertida, a fim de dar sentido útil às decisões dos tribunais”[1],
pelo que não há discussão e discordância doutrinal ou jurisprudencial nesta
matéria. Dentro da legitimidade das partes deve-se começar por separar-se a
legitimidade ativa da legitimidade passiva, sendo que a primeira diz respeito à
titularidade do direito de ação e a segunda remete para a entidade contra quem
se formula o pedido ou que seja prejudicada pela sua procedência.
Não obstante, a doutrina
processualista tem-se dividido ao longo da história no que diz respeito ao
alcance da legitimidade processual, pelo que alguns autores defendiam que a
mesma se traduzia na titularidade da relação jurídica, tal como foi identificada
na petição, e outros, que a titularidade deve ser a da verdadeira relação
jurídica, eventualmente aquela que fosse estabelecida pelo tribunal. Em
dezembro de 1995, aquando da revisão do CPC, o legislador optou por consagrar a
primeira tese, à luz do artigo 26º, nº3 do CPC. O artigo 9º do CPTA optou por
adotar essa mesma posição, ou seja, tanto no processo civil como no processo
administrativo consagrou-se o alcance da legitimidade processual como a
titularidade da relação jurídica, tal como foi invocada na petição pelo autor.
Da legitimidade
processual distingue-se o interesse processual ou interesse em agir como
pressuposto processual autónomo, sendo que o mesmo remete para a necessidade de
tutela jurisdicional, isto é, nas palavras do professor Vieira de Andrade,
exige-se a “verificação objetiva de um interesse real e atual”[2],
remetendo-se assim para a utilidade na procedência do pedido à luz do principio
da economicidade processual.
Ora, poder-se-á afirmar
que este pressuposto processual complementa a legitimidade ativa, no âmbito da
ação administrativa, pois além da titularidade da posição jurídica substantiva,
exige-se a idoneidade da tutela judicial para legitimar o recurso aos
tribunais, ou seja, há ausência deste pressuposto na circunstancia de falta de
uma necessidade efetiva de tutela judiciaria consequente da ausência de factos
objetivos que tornem necessário o recurso a esta via.
O artigo 39º consolidou
definitivamente a diferença entre legitimidade e interesse em agir, consagrando
expressamente o interesse processual como pressuposto autónomo. É no nº1 do
mesmo artigo que este principio assume maior relevância, desde já porque o seu
conteúdo remete para as ações meramente declarativas ou de simples apreciação
fundadas em situações de incerteza objetiva, ameaças de lesão, legitimadas pelo
receio da verificação no futuro de condutas lesivas adotadas pela administração
que surgem como possíveis consequências de avaliações incorretas das situações
jurídicas existentes. Por sua vez, o nº2 remete para ações preventivas
dirigidas à condenação à omissão de perturbações ilegais ainda não ocorridas,
dirigidas à imposição de deveres de abstenção e, portanto, à obtenção de uma
tutela inibitória, em situações de ameaça de agressões ilegítimas. No entender
do professor Mário Aroso de Almeida, apesar de o nº2 só referir os casos
particulares das ações de condenação à não emissão de atos administrativos,
deve-se entender que as previsões do nº1 também abrangem genericamente as
situações de condenação à abstenção de todo o tipo de condutas ilegais quando
se referem ao “fundado receio de que a administração possa vir a dotar uma
conduta lesiva”[3].
Assim, poder-se-á
concluir que a diferença entre estes dois pressupostos processuais reside no
facto da legitimidade aferir-se em relação à parte que é titular da relação
material controvertida, sendo que no interesse processual não se discute a titularidade
do direito, mas sim a necessidade efetiva de tutela judiciária, ou seja, de factos
objetivos que tornem necessário o recurso à via judicial. Desta forma, o titular do direito, tem que
preencher o pressuposto da legitimidade, bem como demonstrar a idoneidade do
recurso à via judicial. O interesse em
agir surge assim como pressuposto processual que visa impedir a instauração de ações
inúteis à luz da economia processual.
Por último, mas não de
menor relevância, ficou a análise da “aceitação do ato” como pressuposto
processual no contencioso administrativo. Aqui se levanta a questão se
efetivamente se trata de um pressuposto processual autónomo ou se estamos
perante o âmbito do interesse processual.
Ora, à luz do artigo 56º
do CPTA, a impugnação de atos administrativos só é admitida, nos casos em que
quem o quer impugnar não o tenha aceitado expressa ou tacitamente, depois de
praticado.
Na opinião do professor
Mário Aroso de Almeida, trata-se de um pressuposto processual especifico, de conteúdo
negativo e especial que surge em matéria de impugnações de atos
administrativos, sendo que para as mesmas ser admitidas é necessário que o
autor não tenha praticado, de modo espontâneo e sem reserva, um ato incompatível
com a vontade de impugnar. Daqui resulta que se o particular interessado
aceitar um ato administrativo, exclui-se a possibilidade de ele o impugnar
judicialmente com fundamento na sua anulabilidade, pelo que só releva a aceitação
do ato anulável e não de ato nulo. O professor Aroso de Almeida também faz a
distinção entre a aceitação do ato e a renuncia ao direito de impugnação,
afirmando que aquele se traduz num mero ato jurídico e não numa declaração
negocial[4].
Ora, perante a aceitação voluntária
do resultado, há assim uma atitude do particular de conformação com os efeitos desfavoráveis
do ato. Nesta medida, a aceitação do ato deve ser vista como um pressuposto processual
autónomo que se distingue da ilegitimidade e da falta de interesse em agir, com
vista a evitar situações de “venire contra factum proprium” e,
concomitantemente, abuso do direito de ação.
Por outro lado, o Professor
Vasco Pereira da Silva, associa o interesse processual à aceitação do ato administrativo,
previsto no artigo 56º do CPTA. A aceitação do ato administrativo surge
regulada ao lado das questões de legitimidade (artigo 55º do CPTA), sendo que
tal se explica tendo em conta os “traumas de infância difícil” do Contencioso
Administrativo, pois não se admitia a titularidade de direitos subjetivos
perante a Administração, pelo que a doutrina reconduzia a questão da aceitação
do ato ao mundo da legitimidade, por não se considerar que o interesse
processual formasse um pressuposto processual autónomo.
Na perspetiva dos professores
Vasco Pereira da Silva[5]
e Vieira de Andrade, há efetivamente que fazer uma separação entre a aceitação
do ato e o pressuposto da legitimidade. Porém, na opinião do primeiro, não há vantagens
em autonomizar a aceitação do ato como pressuposto autónomo, parecendo-lhe mais
adequado reconduzir a questão para o interesse em agir em termos semelhantes ao
processo civil.
No entanto, a aceitação do ato, não impede,
como refere o professor Vasco Pereira da Silva, que, estando a correr os prazos
de impugnação, o particular venha a revogar a sua decisão, pelo que a aceitação
e ulterior revogação deve ser vista à luz do interesse processual. Assim, a
aceitação e posterior revogação da mesma não pode bloquear a possibilidade de
agir em juízo, sob pena de violação do artigo 268º, nº 4 da Constituição da
República Portuguesa.
Em jeito de conclusão, e
tendo em conta os artigos 39º, 55º e 56º do CPTA, poder-se-á afirmar que, hodiernamente,
a distinção entre legitimidade processual e interesse em agir é claramente
assumida pelo contencioso administrativo, bem como a diferenciação entre a
legitimidade e a aceitação do ato. Contudo, a autonomização da aceitação do ato
como pressuposto processual não é unânime, sendo que me parece mais plausível a
tese do professor Vieira de Andrade que afirma a aceitação do ato como pressuposto
processual autónomo negativo e especial.
Bruno Martins
Pires
4º ano, Subturma
9
Aluno nº24442
[1] VASCO
PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª
Edição, Almedina, 2009, Lisboa.
[2] VIEIRA
DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (lições), 9ª Edição, Almedina, 2007.
[3] MÁRIO
AROSO DE ALMEIDA, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, 4ª
edição, 2005.
[4] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, manual de processo
administrativo, 2º edição, Almedina, 2016
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso
Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ª Edição, Almedina, 2009, Lisboa.
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