terça-feira, 1 de novembro de 2016

As funções do Ministério Público no Contencioso Administrativo




O Ministério Público é um órgão da função judicial, previsto na Constituição e na lei (no que toca ao contencioso administrativo a sua previsão basilar está no artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). É-lhe incumbida a representação do Estado e a defesa da legalidade democrática. A Constituição prevê, também, no seu artigo 219.º/1, a participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania e o exercício da ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Como órgão do sistema judicial português, o MP possui um Estatuto próprio – Lei nº 47/86, de 15 de Outubro. É um órgão composto por magistrados hierarquicamente subordinados – 219.º/4 da CRP – e que tem como órgão superior, a Procuradoria-Geral da República – 220.º/1 da CRP. 

Um dos domínios da defesa da legalidade democrática será o da fiscalização judicial do exercício do poder administrativo. Através do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público (EMP), é possível observar, nas suas variadas alíneas, que o MP prossegue, indiferentemente, a defesa de interesses públicos, ou privados, desde que protegidos pelo ordenamento: está em causa a defesa dos reais interesses das pessoas.

Como exemplos de preceitos legais nos quais o MP é protagonista temos: logo em primeiro lugar o artigo 9.º/2 do CPTA que concede ao MP uma legitimidade ativa geral para “propor e intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais.”
O artigo 55.º/1/b) do CPTA, que permite ao MP ter legitimidade ativa para impugnar atos administrativos; o artigo 62.º/1 do CPTA permite, aquando da desistência ou outra circunstância própria do autor, que o MP dê continuidade à instância, no exercício de ação pública, assumindo a posição de autor; o artigo 68.º/1/b) do CPTA permite que o MP tenha legitimidade para pedir a condenação à prática de um ato administrativo, quando estão em causa ofensas de direitos fundamentais, defesa de interesses públicos, ou os valores protegidos pelo artigo 9.º/2 do CPTA; o artigo 73.º/3 do CPTA dá legitimidade ao MP para que, quando estiver em causa a produção de efeitos de uma norma através de um ato administrativo de aplicação, possa suscitar a questão da ilegalidade da norma aplicada no âmbito do processo dirigido contra o ato de aplicação, pedindo a desaplicação da norma. O MP tem ainda o dever de pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade, bem como de decorrer das decisões de primeira instância que declarem a ilegalidade com força obrigatória geral – artigo 73.º/4 do CPTA. 

O artigo 77.º/1 do CPTA permite que o MP possa pedir ao tribunal administrativo competente que aprecie e verifique a existência de situações de ilegalidade por omissão das normas cuja adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação. O artigo 85.º do CPTA refere a intervenção do MP, salvo quando este figura como autor. Se estiverem em causa os valores defendidos pelo artigo 9.º/2 do CPTA, o MP pode pronunciar-se sobre o mérito da causa e nos processos impugnatórios pode invocar causas de invalidade diversas das que tenham sido arguidas na petição inicial e solicitar a realização de diligências instrutórias para a produção de prova. O artigo 141.º do CPTA, concede legitimidade ao MP para, quando houver uma decisão proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais, interpor recurso ordinário dessa decisão jurisdicional. O artigo 146.º/1 do CPTA permite que o MP, quando não se encontra no papel de recorrente ou recorrido, possa ser notificado pela secretaria do tribunal, para, em 10 dias, este se pronunciar sobre o mérito do recurso, em defesa dos direitos fundamentais do cidadão, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens defendidos pelo artigo 9.º/2 do CPTA. Por fim, os artigos 152.º/2 e 155.º do CPTA dão legitimidade para a interposição de recursos jurisdicionais de decisões ilegais, de recursos para uniformização de jurisprudência e de recursos de revisão.

Após a análise destes preceitos legais, a título meramente exemplificativo, é-nos possível observar as funções primordiais do Ministério Público no Contencioso Administrativo, assim como, o seu modus operandi. Em primeiro lugar podemos concluir que o modelo de intervenção do MP português no contencioso administrativo é consistente, nos planos orgânico e funcional, com as tarefas de garantia da legalidade objetiva, e também subjetiva, que, por imperativo constitucional e legal, à jurisdição cumpre prosseguir. É um modelo que que se mostra bastante vocacionado para garantir a prossecução, com imparcialidade, dos interesses gerais da coletividade. Como primeira função temos a representação do Estado – artigo 11.º/1 do CPTA, artigo 3.º/1/a) do EMP, nas ações administrativas, ou seja, um autêntico patrocínio judiciário. Em segundo lugar, através das ações públicas, o MP defende os interesses da coletividade, tendo em conta a legalidade democrática, e por último, como consequência destas duas primeiras funções, o MP promove a realização do interesse público (artigo 51.º do ETAF).

Bibliografia:
Almeida, José Manuel Ribeiro de, “Uma Teoria de Justiça” – Justificação do Ministério Público no contencioso administrativo, Lisboa, 2000;
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, 2016, Almedina.
      

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