terça-feira, 1 de novembro de 2016

O Novo Sistema de Contagem do Prazo para a Impugnação do Acto Administrativo introduzido pela reforma de 2015 do C.P.T.A.


Em direito processual, os prazos são frequentemente encarados enquanto balizas rígidas para a actuação das partes, regras elementares com a função de certificar a segurança jurídica e o andamento da marcha processual. Como refere o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[1], é da maior importância que, em Contencioso Administrativo, seja assegurada uma certa margem especial de flexibilidade dos prazos de impugnação dos actos administrativos, com vista, principalmente, à protecção dos particulares, dada a sua posição externa à actuação da administração. E uma vez que a inobservância dos prazos legais de impugnação de actos administrativos constitui uma falta insuprível de um pressuposto processual, devem-se assegurar formas de o juiz poder, ao interpretar as normas relativas aos prazos, observar o dever de promoção do acesso à justiça, imposto pelo art. 7º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.).
O desafio do legislador em matéria de prazos de impugnação de actos administrativos reside, pois, na procura da solução que garanta o equilíbrio entre a protecção dos particulares, a promoção do acesso à justiça e a segurança jurídica que deve estar subjacente a um acto administrativo.
Como o título deste post indica, a reforma do C.P.T.A. de 2015, trazida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, não alterou a duração dos prazos em si, deixando o art. 58º do C.P.T.A. praticamente inalterado na sua vertente substantiva, continuando a impugnação dos actos administrativos nulos a não estar, regra geral, sujeita a qualquer prazo ( nº 1 art. 58º) , e a dos actos anuláveis a um prazo de um ano, se promovida pelo Ministério Público ( alínea a), nº 1 art. 58º) , e de três meses nos restantes casos ( alínea b), nº 1 art. 58º).
O que a reforma de 2015 trouxe de mais significativo para o regime da impugnação dos actos administrativos foi, efectivamente, a alteração do sistema de contagem dos prazos, e não dos prazos em si.
O legislador com o Decreto-Lei nº 214-G/2015 optou pelo abandono da aplicação do regime aplicável aos prazos para propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil ao regime da impugnação de actos administrativos, que estava prevista no antigo nº3 do art. 58º do C.P.T.A., optando pelo retorno à sistemática da antiga L.P.T.A., que mandava aplicar o regime do Código Civil, presente no seu art. 279º. Esta solução está agora consagrada no nº2 do art. 58º: “Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 59º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil”.
Com esta alteração, o legislador pretendeu atribuir ao prazo para a impugnação de actos administrativos, que não tem um regime meramente processual mas sim substantivo, um delimitado enquadramento técnico-jurídico. O prazo em questão não visa a prática de um acto processual no âmbito de um processo judicial em curso, visando por outro lado o exercício de um direito substantivo (o direito de acção), tratando-se portanto de  um prazo de caducidade. Por isto se justifica que a sua contagem tenha em linha de conta as regras do Código Civil, em detrimento do Código de Processo Civil.
Com efeito, a única consequência prática desta opção do legislador de voltar a aplicar o 279º do Código Civil, em detrimento do regime aplicável aos prazos para propositura de acções do Código de Processo Civil, é que as férias judiciais deixaram de suspender a contagem dos prazos, como dispõe o nº1 do art. 138º do Código de Processo Civil. Esta solução materializa-se, dado o caso, numa efectiva redução do prazo, consequência esta amplamente criticada pela doutrina.
            MARCO CALDEIRA[2] aponta a incoerência do legislador, que ao mesmo tempo que defende estar a romper com o antigo paradigma para assegurar “maior segurança”, está a pôr exactamente este valor em causa ao reduzir os prazos, ressalvando que a questão de as férias judiciais  suspenderem a contagem dos prazos para a impugnação de actos administrativos, que esteve em vigor desde 2004, não constituía um grande problema perante os tribunais administrativos, concluindo pela inexistência de “um problema concreto ou uma necessidade real de intervenção legislativa”. Também JOSÉ DUARTE COIMBRA denota[3] que a solução adoptada, ao invés de defender, é atentatória da segurança jurídica.
            No nosso entender, não se justifica que a busca pela coerência teórica do enquadramento técnico-jurídico dos prazos de validade para a impugnação de actos administrativos, se tenha sobreposto ao risco que representa para a segurança jurídica e mesmo para o acesso à justiça, as férias judiciais deixarem de suspender os prazos, em prejuízo dos titulares do direito de acção. Concluímos que, com esta opção legislativa, não foi bem conseguido o equilíbrio que se deve procurar entre a protecção dos particulares, a promoção do acesso à justiça e a segurança jurídica que deve estar subjacente a um acto administrativo.

Bibliografia
AMADO GOMES, Carla; NEVES, Fernanda; SERRÃO, Tiago, “O anteprojecto de revisão do CPTA e do ETAF em debate”, AAFDL, 2014;
AMADO GOMES, Carla; NEVES, Fernanda; SERRÃO, Tiago, “Comentários à revisão do ETAF e do CPTA”, AAFDL, 2016;
AROSO DE ALMEIDA, Mário, “Manual de Processo Administrativo”, 2ªed., Coimbra, Almedina, 2016.












[1] AROSO DE ALMEIDA, Mário, “Manual de Processo Administrativo”, 2ªed., Coimbra, Almedina, 2016, pp. 298, 299.
[2] CALDEIRA, Marco, in “Comentários à revisão do ETAF e do CPTA”, AAFDL, 2016, pp.261, 262;
[3] COIMBRA, José Duarte, in “O anteprojecto de revisão do CPTA e do ETAF em debate”, AAFDL, 2014, p.374.

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