Em
direito processual, os prazos são frequentemente encarados enquanto balizas
rígidas para a actuação das partes, regras elementares com a função de
certificar a segurança jurídica e o andamento da marcha processual. Como refere
o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA[1], é da maior importância
que, em Contencioso Administrativo, seja assegurada uma certa margem especial
de flexibilidade dos prazos de impugnação dos actos administrativos, com vista,
principalmente, à protecção dos particulares, dada a sua posição externa à
actuação da administração. E uma vez que a inobservância dos prazos legais de
impugnação de actos administrativos constitui uma falta insuprível de um
pressuposto processual, devem-se assegurar formas de o juiz poder, ao
interpretar as normas relativas aos prazos, observar o dever de promoção do
acesso à justiça, imposto pelo art. 7º do Código de Processo nos Tribunais
Administrativos (C.P.T.A.).
O
desafio do legislador em matéria de prazos de impugnação de actos administrativos
reside, pois, na procura da solução que garanta o equilíbrio entre a protecção
dos particulares, a promoção do acesso à justiça e a segurança jurídica que
deve estar subjacente a um acto administrativo.
Como
o título deste post indica, a reforma do C.P.T.A. de 2015, trazida pelo
Decreto-Lei nº 214-G/2015, não alterou a duração dos prazos em si, deixando o
art. 58º do C.P.T.A. praticamente inalterado na sua vertente substantiva,
continuando a impugnação dos actos administrativos nulos a não estar, regra
geral, sujeita a qualquer prazo ( nº 1 art. 58º) , e a dos actos anuláveis a um
prazo de um ano, se promovida pelo Ministério Público ( alínea a), nº 1 art.
58º) , e de três meses nos restantes casos ( alínea b), nº 1 art. 58º).
O
que a reforma de 2015 trouxe de mais significativo para o regime da impugnação
dos actos administrativos foi, efectivamente, a alteração do sistema de
contagem dos prazos, e não dos prazos em si.
O
legislador com o Decreto-Lei nº 214-G/2015 optou pelo abandono da aplicação do
regime aplicável aos prazos para propositura de acções que se encontram
previstos no Código de Processo Civil ao regime da impugnação de actos
administrativos, que estava prevista no antigo nº3 do art. 58º do C.P.T.A.,
optando pelo retorno à sistemática da antiga L.P.T.A., que mandava aplicar o
regime do Código Civil, presente no seu art. 279º. Esta solução está agora
consagrada no nº2 do art. 58º: “Sem prejuízo do disposto no nº4 do artigo 59º,
os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279º
do Código Civil”.
Com
esta alteração, o legislador pretendeu atribuir ao prazo para a impugnação de actos
administrativos, que não tem um regime meramente processual mas sim
substantivo, um delimitado enquadramento técnico-jurídico. O prazo em questão
não visa a prática de um acto processual no âmbito de um processo judicial em
curso, visando por outro lado o exercício de um direito substantivo (o direito
de acção), tratando-se portanto de um
prazo de caducidade. Por isto se justifica que a sua contagem tenha em linha de
conta as regras do Código Civil, em detrimento do Código de Processo Civil.
Com
efeito, a única consequência prática desta opção do legislador de voltar a
aplicar o 279º do Código Civil, em detrimento do regime aplicável aos prazos
para propositura de acções do Código de Processo Civil, é que as férias
judiciais deixaram de suspender a contagem dos prazos, como dispõe o nº1 do
art. 138º do Código de Processo Civil. Esta solução materializa-se, dado o
caso, numa efectiva redução do prazo, consequência esta amplamente criticada
pela doutrina.
MARCO
CALDEIRA[2] aponta a incoerência do
legislador, que ao mesmo tempo que defende estar a romper com o antigo
paradigma para assegurar “maior segurança”, está a pôr exactamente este valor
em causa ao reduzir os prazos, ressalvando que a questão de as férias
judiciais suspenderem a contagem dos
prazos para a impugnação de actos administrativos, que esteve em vigor desde
2004, não constituía um grande problema perante os tribunais administrativos,
concluindo pela inexistência de “um problema concreto ou uma necessidade real
de intervenção legislativa”. Também JOSÉ DUARTE COIMBRA denota[3] que a solução adoptada, ao
invés de defender, é atentatória da segurança jurídica.
No nosso entender, não se justifica
que a busca pela coerência teórica do enquadramento técnico-jurídico dos prazos
de validade para a impugnação de actos administrativos, se tenha sobreposto ao
risco que representa para a segurança jurídica e mesmo para o acesso à justiça,
as férias judiciais deixarem de suspender os prazos, em prejuízo dos titulares
do direito de acção. Concluímos que, com esta opção legislativa, não foi bem
conseguido o equilíbrio que se deve procurar entre a protecção dos particulares,
a promoção do acesso à justiça e a segurança jurídica que deve estar subjacente
a um acto administrativo.
Bibliografia
AMADO GOMES, Carla; NEVES, Fernanda; SERRÃO,
Tiago, “O anteprojecto de revisão do CPTA e do ETAF em debate”, AAFDL, 2014;
AMADO GOMES, Carla; NEVES, Fernanda;
SERRÃO, Tiago, “Comentários à revisão do ETAF e do CPTA”, AAFDL, 2016;
AROSO DE ALMEIDA, Mário, “Manual de
Processo Administrativo”, 2ªed., Coimbra, Almedina, 2016.
[1] AROSO DE ALMEIDA, Mário, “Manual de Processo
Administrativo”, 2ªed., Coimbra, Almedina, 2016, pp. 298, 299.
[2]
CALDEIRA, Marco, in “Comentários
à revisão do ETAF e do CPTA”, AAFDL, 2016, pp.261, 262;
[3]
COIMBRA, José Duarte,
in “O anteprojecto de revisão do CPTA e do ETAF em debate”, AAFDL, 2014, p.374.
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