A nossa Constituição da República Portuguesa
consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva como direito
fundamental no seu número 5, do artigo 20º. A importância da real concretização
do direito conduz ao reforço da ideia no âmbito do contencioso administrativo
garantido tal direito aos particulares, ou seja efectivos meios processais seja
no reconhecimento ou impugnação de actos administrativo no título da Administração
Pública no número 4 do artigo 268º.
Não só no plano constitucional este direito é
consagrado. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos também evidência
no seu artigo 2º esta tutela jurisdicional efectiva. Alimentando uma vez mais a
necessidade e preocupação do legislador com a consagração de tal direito
constitucional. O legislador do CPTA entende o papel de relevo deste direito no
âmbito do direito processual administrativo.
Uma vez absorvida a preocupação constitucional, é
necessário criar meios para a concretização do direito. No entanto, a concretização
do mesmo esbarra no peso que o excesso de formalismo exerce, e, por
consequente, a comunhão do mesmo no CPTA.
O facto do direito dos particulares a decisão
judicial surgir maltratado, devido a esse excesso de formalismo é já
preocupação na reforma de 1984/1985 que surge com esses problemas em vista do
legislador. E é na reforma de 2002, cuja uma das principais preocupações é
existir decisões de mérito, que é plasmado o artigo 7º no CPTA, dando “corpo”
às preocupações constitucionais, o princípio pro actione. Revelando, uma vez mais as preocupações do legislador
e a necessidade deste promover um real acesso à justiça que seja eficaz e
eficiente.
O artigo em causa invoca a necessidade de
interpretação das normais processuais, no sentido de se cumprir o fim do
princípio pro actione, ou seja, favorecer o acesso aos tribunais; evitar as
situações de denegação de justiça.
Encontramos no cumprimento desta ideia uma ideia de
justiça e da prevalência da matéria em contraposição ao formalismo, na medida que
este surge como um obstáculo ao acesso efectivo aos tribunais. Ou seja, o
excesso de formalismo, e do cumprimento deste leva a obtusa compreensão dos
problemas surgidos, ou, de outra forma, à recusa de reconhecimento do mérito da
causa, desviando-se a administração de uma real actuação, com fundamentos
meramente formais.
Importa apenas ressalvar que artigo 7º do CPTA, não
é a única referência ao princípio pro actione, como por exemplo no número 3 do
seu artigo 12º ou a utilização deste princípio para interpretação extensiva do
artigo 63º.
A jurisprudência corrobora o cumprimento deste
princípio como acontece no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª
secção) de 22 de Janeiro de 2004 que surge do indeferimento do TAC da recusa do
Presidente da Câmara Municipal de Sintra em emitir um alvará referente a um
processo de loteamos, vem reforçar, na prática, a importância o princípio pro actione.
A disputa que gira em torno do não cumprimento, por
parte da sociedade interessada na obtenção do alvará, das formalidades
exigíveis legalmente (que consistia na apresentação de determinados documentos
juntamente com o requerimento da emissão do alvará), e por consequente, a não
emissão do alvará simplesmente, por falta da apresentação dos referidos
documentos, por parte da Câmara Municipal de Sintra que invoca a caducidade do
licenciamento.
Interessa-nos destacar a atuação do Supremo Tribunal
Administrativo neste acórdão, pois afirma que um pedido sem os documentos não é
o equivalente a inexistência de pedido, o que antes deste acórdão seria esse o
entendimento manifestado pelo STA, uma vez que o não pagamento de taxas ou
apresentação de documentos seria equivalente a caducidade dos licenciamentos.
Acresce, também, a exigência à administração de
notificar o particular da necessidade deste suprimir as lacunas do seu pedido.
E não, como acontecera, simplesmente, declarar a caducidade do pedido.
Encontra-se, portanto, neste acórdão a rejeição do
formalismo, num conflito a necessidade da avaliação do conhecimento de mérito
das pretensões. Privilegia-se o conhecimento da matéria em si, e afasta-se as
formalidades como “valores” intransponíveis, que vale per si. Nas palavras do Professor Sérvulo Correia: “A desvalorização dos vícios procedimentais
equivale a reconhecer ao juiz a possibilidade de não anular o acto
administrativo, sendo frequente o recurso aqueloutro princípio do
aproveitamento do acto.” (itálico nosso).
O principio pro
actione é aqui é, aqui, peça fundamental, uma vez que existe a preocupação
de “promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”,
pois foi nesta base que o STA, e bem, apurou o pedido do particular.
O acórdão em causa revela, claramente, a necessidade
do cumprimento deste princípio, que coloca o peso nas decisões de mérito do
processo e exclui o formalismo como elemento intransponível.
Já o acórdão de 24 de Novembro também do STA que,
entre outros problemas, levanta a dúvida sobre a aplicação do agora, artigo
634º do CPC, à época artigo 684-A, número 1. Uma vez que, este requere que
formalmente exista requerimento para que o tribunal de recurso conheça do
fundamento. No entanto, a parte apresentou todos os seus argumentos na
conclusão, mas não requereu expressamente tal pedido. Ora o STA, na falta de
tal pedido não se deu ao conhecimento do pedido. Tal decisão corre aqui em
clara violação do artigo 7º do CPTA. Existe aqui uma denegação do acesso à
justiça fundada em formalismos, tal como o professor Sérvulo Correia defende
não se justifica que apesar de a parte ter apresentado os seus argumentos na
conclusão, e, como tal, é fácil a partir daí o entendimento que existe em mente
o pedido, não se atenda ao mesmo, única e exclusivamente porque este não foi
referido. Apesar de ser fácil de entender, que era esse o objectivo da parte.
Outro aspecto que importa mencionar sobre o artigo
7º do CPTA é sobre a interpretação das normas. Ora, ainda em mente a
sobreposição do conhecimento do mérito do processo face ao formalismo. Importa
perceber que a aplicação deste princípio apenas joga com a interpretação quando
esta levanta dúvidas. O formalismo perante este princípio não é totalmente
destruído nem substituído, muito menos perde a sua importância, admitindo-se a
sua total aplicação na medida que a ordem emanada pela norma seja clara e
concisa, sem espaço para dúvidas e entre em conflito directo com o cumprimento
deste artigo. Importa perceber que no fundo o princípio pretende defender o
favorecimento do processo, emitindo uma resposta e não favorecer o particular.
A aplicação deste princípio com base na interpretação ganha mais força na base
da dúvida interpretativa de uma norma.
O contencioso administrativo tem no princípio do
favorecimento do processo uma luz na concretização do acesso efectivo à justiça
administrativa, uma vez que desbrava os tortuosos caminhos do excessivo
formalismo, que por vezes distraí a visão seja da administração seja do juiz,
para preciosismos com pouca relevância na questão material, sabendo que a
individualidade destes formalismos não significa independência, das questões de
fundo: as materiais.
Bibliografia:
Vieira de Andrade, José Carlos, A Justia
Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015
Arosa de Almeida, Mário, Manual de Processo
Administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2016
Sérvulo Correia e Mafalda Carmona, O princípio pro
actione no procedimento administrativo, Estudo nº 39, publicado em: Cadernos de
Justiça Administrativa, nº 44 (Mar.-Abr. 2004)
Sérvulo Correia, O princípio pro actione e o âmbito
da cognição no recurso de revista, publicado em: cadernos de Justiça
Administrativa, nº48 (Mar.-Abr.2004)
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