terça-feira, 1 de novembro de 2016

Princípio pro actiones

A nossa Constituição da República Portuguesa consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva como direito fundamental no seu número 5, do artigo 20º. A importância da real concretização do direito conduz ao reforço da ideia no âmbito do contencioso administrativo garantido tal direito aos particulares, ou seja efectivos meios processais seja no reconhecimento ou impugnação de actos administrativo no título da Administração Pública no número 4 do artigo 268º.
Não só no plano constitucional este direito é consagrado. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos também evidência no seu artigo 2º esta tutela jurisdicional efectiva. Alimentando uma vez mais a necessidade e preocupação do legislador com a consagração de tal direito constitucional. O legislador do CPTA entende o papel de relevo deste direito no âmbito do direito processual administrativo.
Uma vez absorvida a preocupação constitucional, é necessário criar meios para a concretização do direito. No entanto, a concretização do mesmo esbarra no peso que o excesso de formalismo exerce, e, por consequente, a comunhão do mesmo no CPTA.
O facto do direito dos particulares a decisão judicial surgir maltratado, devido a esse excesso de formalismo é já preocupação na reforma de 1984/1985 que surge com esses problemas em vista do legislador. E é na reforma de 2002, cuja uma das principais preocupações é existir decisões de mérito, que é plasmado o artigo 7º no CPTA, dando “corpo” às preocupações constitucionais, o princípio pro actione. Revelando, uma vez mais as preocupações do legislador e a necessidade deste promover um real acesso à justiça que seja eficaz e eficiente.
O artigo em causa invoca a necessidade de interpretação das normais processuais, no sentido de se cumprir o fim do princípio pro actione, ou seja, favorecer o acesso aos tribunais; evitar as situações de denegação de justiça.
Encontramos no cumprimento desta ideia uma ideia de justiça e da prevalência da matéria em contraposição ao formalismo, na medida que este surge como um obstáculo ao acesso efectivo aos tribunais. Ou seja, o excesso de formalismo, e do cumprimento deste leva a obtusa compreensão dos problemas surgidos, ou, de outra forma, à recusa de reconhecimento do mérito da causa, desviando-se a administração de uma real actuação, com fundamentos meramente formais.
Importa apenas ressalvar que artigo 7º do CPTA, não é a única referência ao princípio pro actione, como por exemplo no número 3 do seu artigo 12º ou a utilização deste princípio para interpretação extensiva do artigo 63º.
A jurisprudência corrobora o cumprimento deste princípio como acontece no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª secção) de 22 de Janeiro de 2004 que surge do indeferimento do TAC da recusa do Presidente da Câmara Municipal de Sintra em emitir um alvará referente a um processo de loteamos, vem reforçar, na prática, a importância o princípio pro actione.
A disputa que gira em torno do não cumprimento, por parte da sociedade interessada na obtenção do alvará, das formalidades exigíveis legalmente (que consistia na apresentação de determinados documentos juntamente com o requerimento da emissão do alvará), e por consequente, a não emissão do alvará simplesmente, por falta da apresentação dos referidos documentos, por parte da Câmara Municipal de Sintra que invoca a caducidade do licenciamento.
Interessa-nos destacar a atuação do Supremo Tribunal Administrativo neste acórdão, pois afirma que um pedido sem os documentos não é o equivalente a inexistência de pedido, o que antes deste acórdão seria esse o entendimento manifestado pelo STA, uma vez que o não pagamento de taxas ou apresentação de documentos seria equivalente a caducidade dos licenciamentos.
Acresce, também, a exigência à administração de notificar o particular da necessidade deste suprimir as lacunas do seu pedido. E não, como acontecera, simplesmente, declarar a caducidade do pedido.
Encontra-se, portanto, neste acórdão a rejeição do formalismo, num conflito a necessidade da avaliação do conhecimento de mérito das pretensões. Privilegia-se o conhecimento da matéria em si, e afasta-se as formalidades como “valores” intransponíveis, que vale per si. Nas palavras do Professor Sérvulo Correia: “A desvalorização dos vícios procedimentais equivale a reconhecer ao juiz a possibilidade de não anular o acto administrativo, sendo frequente o recurso aqueloutro princípio do aproveitamento do acto.” (itálico nosso).
O principio pro actione é aqui é, aqui, peça fundamental, uma vez que existe a preocupação de “promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”, pois foi nesta base que o STA, e bem, apurou o pedido do particular.
O acórdão em causa revela, claramente, a necessidade do cumprimento deste princípio, que coloca o peso nas decisões de mérito do processo e exclui o formalismo como elemento intransponível.
Já o acórdão de 24 de Novembro também do STA que, entre outros problemas, levanta a dúvida sobre a aplicação do agora, artigo 634º do CPC, à época artigo 684-A, número 1. Uma vez que, este requere que formalmente exista requerimento para que o tribunal de recurso conheça do fundamento. No entanto, a parte apresentou todos os seus argumentos na conclusão, mas não requereu expressamente tal pedido. Ora o STA, na falta de tal pedido não se deu ao conhecimento do pedido. Tal decisão corre aqui em clara violação do artigo 7º do CPTA. Existe aqui uma denegação do acesso à justiça fundada em formalismos, tal como o professor Sérvulo Correia defende não se justifica que apesar de a parte ter apresentado os seus argumentos na conclusão, e, como tal, é fácil a partir daí o entendimento que existe em mente o pedido, não se atenda ao mesmo, única e exclusivamente porque este não foi referido. Apesar de ser fácil de entender, que era esse o objectivo da parte.
Outro aspecto que importa mencionar sobre o artigo 7º do CPTA é sobre a interpretação das normas. Ora, ainda em mente a sobreposição do conhecimento do mérito do processo face ao formalismo. Importa perceber que a aplicação deste princípio apenas joga com a interpretação quando esta levanta dúvidas. O formalismo perante este princípio não é totalmente destruído nem substituído, muito menos perde a sua importância, admitindo-se a sua total aplicação na medida que a ordem emanada pela norma seja clara e concisa, sem espaço para dúvidas e entre em conflito directo com o cumprimento deste artigo. Importa perceber que no fundo o princípio pretende defender o favorecimento do processo, emitindo uma resposta e não favorecer o particular. A aplicação deste princípio com base na interpretação ganha mais força na base da dúvida interpretativa de uma norma.
O contencioso administrativo tem no princípio do favorecimento do processo uma luz na concretização do acesso efectivo à justiça administrativa, uma vez que desbrava os tortuosos caminhos do excessivo formalismo, que por vezes distraí a visão seja da administração seja do juiz, para preciosismos com pouca relevância na questão material, sabendo que a individualidade destes formalismos não significa independência, das questões de fundo: as materiais.


Bibliografia:
Vieira de Andrade, José Carlos, A Justia Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015
Arosa de Almeida, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2016
Sérvulo Correia e Mafalda Carmona, O princípio pro actione no procedimento administrativo, Estudo nº 39, publicado em: Cadernos de Justiça Administrativa, nº 44 (Mar.-Abr. 2004)

Sérvulo Correia, O princípio pro actione e o âmbito da cognição no recurso de revista, publicado em: cadernos de Justiça Administrativa, nº48 (Mar.-Abr.2004)

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