O presente trabalho tem como objecto
de estudo a aceitação do acto administrativo.
Para efeitos desta exposição cumpre
fazer uma pequena contextualização dos meios processuais previstos no Código de
Procedimento Administrativo (doravante CPTA). O Contencioso Administrativo
português contempla pressupostos comuns aos meios processuais, nomeadamente o
pressuposto relativo à competência dos Tribunais em razão da jurisdição,
matéria, hierarquia e território e ainda a legitimidade processual.
No que respeita à Acção de
Impugnação de actos administrativos, que é sobre esta que versa a questão de
aceitação do acto enquanto pressuposto processual, temos os seguintes
pressupostos processuais: a impugnabilidade do acto administrativo, a
tempestividade da impugnação e a aceitação do acto. Será sobre a referida
aceitação do acto que nos iremos debruçar sumariamente.
A doutrina tem vindo a entender a
aceitação do acto administrativo previsto no artigo 56º CPTA, por uma lado como
um pressuposto de conteúdo negativo, e por outro como uma livre manifestação da
vontade que traduz o acordo expresso ou tácito com um acto praticado pela
Administração, impedindo assim o aceitante de impugnar o mesmo, cuja finalidade
se prende com a estabilidade das decisões da Administração[1].
Entende-se também que a aceitação não corresponde ao reconhecimento da
respectiva validade do acto no plano fáctico, pois por um lado pode o
particular ter-se apenas conformado com o decidido, nem no plano jurídico visto
que por outro, a aceitação não teria qualquer efeito de sanação da invalidade[2].
Já quanto à consequência, sempre que haja aceitação do acto adminsitrativo o
juiz está impossibilitado de conhecer do mérito da causa.[3]
Já causam alguma problemática as questões
relativas a saber se a aceitação se trata de um negócio jurídico ou de um
simples acto praticado pelo particular, e por outro lado, saber qual o alcance
substantivo e até processual da mesma. No sentido de que se trata de um
negócio jurídico unilateral de direito substantivo temos Rui Machete,
justificando que a aceitação tem o seu efeito condicionado à vontade
"real" do particular e que só assim se afigura uma renúncia ao
direito ao interesse legítimo que tem como consequência a perda da faculdade de
impugnar o acto. Já Vieira de Andrade vai no sentido oposto,
parecendo-lhe a aceitação, um acto jurídico perante o qual a lei determina a
produção de um efeito que é independente da vontade do particular em relação à
produção desse resultado – a perda da faculdade de impugnar - sendo aqui apenas
necessário a prova de que o particular se conformou voluntariamente com o acto
em questão, quer expressa quer tacitamente, sem ter que demonstrar que o
particular quis efetivamenete renunciar ao seu direito subjectivo.
No que respeita ao seu alcance
processual, deve ter-se em conta que a legitimidade para impugnar actos
administrativos basta-se com a existência de um "interesse directo,
pessoal" na anulação de actos não sendo necessário que o Autor invoque a titularidade
de um direito ou interesse legalmente protegido que foi afectado pelo acto, a
pretensão basta-se com uma vantagem individual da anulação de um acto que viola
uma disposição legal não destinada a proteger aquele particular em concreto.
Quanto ao âmbito da aceitação, só tem efeitos preclusivos no que respeita a
actos anuláveis e não a actos nulos. Estes últimos não são relevantes porque
não está em causa uma verdadeira decisão (acto) da administração que mereça protecção,
ou que mereça ser estabilizado, nomeadamente através de uma aceitação do acto
que leva à não impugnação do mesmo, este é portanto o fundamento do instituto.
No seguimento da doutrina e da
jurisprudência relativamente às condições de aplicação da aceitação deve ter-se
em atenção a expressão "espontânea e sem reserva" que foi
explicitada como a vontade livre e esclarecida, na conformação do particular
com os efeitos do acto. A titulo de exemplo, um particular pode pedir a
suspensão de um acto mesmo depois de se ter iniciado a cumpri-lo, isto não
torna o acto inimpugnável por aceitação do particular, demonstra apenas, como
refere Vieira de Andrade, um equilíbrio entre o respeito pelo direito de
impugnação e o poder administrativo.
No que respeita aos efeitos
específicos da aceitação, continuam a levantar-se questões agora relativas à
natureza da mesma. Saber se se trata de perda de legitimidade, causada pela ilegitimidade do interesse directo e
pessoal, se se trata de falta de interesse de agir, ou até mesmo se estamos
perante um pressuposto processual autónomo, é fundamental para percebermos de
que forma/por que razão perdeu o particular o direito de impugnação.
Seguindo a posição de que a
aceitação do acto é um pressuposto autónomo, Vieira de Andrade e Mário
Aroso de Almeida entendem que a incompatibilidade da vontade de impugnar o
acto deve ser apreciada normativamente, isto é, em função da inadmissibilidade
valorativa da impugnação por se apresentar como um venire contra factum
proprium, isto porque o que o juiz vai averiguar é se o comportamento é
adequado por parte de quem queira impugnar o acto, distinguindo-se desta forma
dos restantes pressupostos processuais. Noutro sentido, Vasco Pereira da
Silva entende que a aceitação do acto não se reconduz de todo ao
pressuposto da legitimidade e que a sistemática da norma está errada, contudo,
e agora diferentemente do entendimento supra explicado, o Professor justifica o
enquadramento da norma no facto de, na altura, a doutrina não considerar o
pressuposto do interesse em agir, porque se o tivessem considerado, era junto
deste que a norma da aceitação do acto deveria estar, de forma idêntica ao
Processo Civil.
Em jeito de conclusão este instituto
tem uma grande relevância prática nas relações entre particulares e
Administração, nomeadamente por que se apresenta genericamente como um
impedimento ao aceitante de impugnar o acto por ele aceite. Como tal a
aceitação do acto traduz um fenómeno autovinculativo do sujeito aceitante a uma
conduta inicial, o que o impede de agir em contrariedade com ela. Contribui
deste modo para a estabilização dos efeitos do acto administrativo na ordem
jurídica.
Bibliografia
· Lopes Luís, Sandra. A Aceitação do Acto Administrativo –
conceito, fundamentos e efeitos, Dissertação de Mestrado e Ciências
Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito de Lisboa, 2003/2004.
·
Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso no Divã da
Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2ª
edição, Almedina, 2016.
·
Viera de Andrade, José Carlos. "A Aceitação do acto
administrativo", in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003.
·
Vieira de Andrade, José Carlos. A Justiça Administrativa
(lições), 2ª edição, Almedina.
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