sábado, 17 de dezembro de 2016

A aceitação do acto administrativo

O presente trabalho tem como objecto de estudo a aceitação do acto administrativo.

Para efeitos desta exposição cumpre fazer uma pequena contextualização dos meios processuais previstos no Código de Procedimento Administrativo (doravante CPTA). O Contencioso Administrativo português contempla pressupostos comuns aos meios processuais, nomeadamente o pressuposto relativo à competência dos Tribunais em razão da jurisdição, matéria, hierarquia e território e ainda a legitimidade processual.

No que respeita à Acção de Impugnação de actos administrativos, que é sobre esta que versa a questão de aceitação do acto enquanto pressuposto processual, temos os seguintes pressupostos processuais: a impugnabilidade do acto administrativo, a tempestividade da impugnação e a aceitação do acto. Será sobre a referida aceitação do acto que nos iremos debruçar sumariamente.

A doutrina tem vindo a entender a aceitação do acto administrativo previsto no artigo 56º CPTA, por uma lado como um pressuposto de conteúdo negativo, e por outro como uma livre manifestação da vontade que traduz o acordo expresso ou tácito com um acto praticado pela Administração, impedindo assim o aceitante de impugnar o mesmo, cuja finalidade se prende com a estabilidade das decisões da Administração[1]. Entende-se também que a aceitação não corresponde ao reconhecimento da respectiva validade do acto no plano fáctico, pois por um lado pode o particular ter-se apenas conformado com o decidido, nem no plano jurídico visto que por outro, a aceitação não teria qualquer efeito de sanação da invalidade[2]. Já quanto à consequência, sempre que haja aceitação do acto adminsitrativo o juiz está impossibilitado de conhecer do mérito da causa.[3]

Já causam alguma problemática as questões relativas a saber se a aceitação se trata de um negócio jurídico ou de um simples acto praticado pelo particular, e por outro lado, saber qual o alcance substantivo e até processual da mesma. No sentido de que se trata de um negócio jurídico unilateral de direito substantivo temos Rui Machete, justificando que a aceitação tem o seu efeito condicionado à vontade "real" do particular e que só assim se afigura uma renúncia ao direito ao interesse legítimo que tem como consequência a perda da faculdade de impugnar o acto. Já Vieira de Andrade vai no sentido oposto, parecendo-lhe a aceitação, um acto jurídico perante o qual a lei determina a produção de um efeito que é independente da vontade do particular em relação à produção desse resultado – a perda da faculdade de impugnar - sendo aqui apenas necessário a prova de que o particular se conformou voluntariamente com o acto em questão, quer expressa quer tacitamente, sem ter que demonstrar que o particular quis efetivamenete renunciar ao seu direito subjectivo.

No que respeita ao seu alcance processual, deve ter-se em conta que a legitimidade para impugnar actos administrativos basta-se com a existência de um "interesse directo, pessoal" na anulação de actos não sendo necessário que o Autor invoque a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido que foi afectado pelo acto, a pretensão basta-se com uma vantagem individual da anulação de um acto que viola uma disposição legal não destinada a proteger aquele particular em concreto.
Quanto ao âmbito da aceitação,  só tem efeitos preclusivos no que respeita a actos anuláveis e não a actos nulos. Estes últimos não são relevantes porque não está em causa uma verdadeira decisão (acto) da administração que mereça protecção, ou que mereça ser estabilizado, nomeadamente através de uma aceitação do acto que leva à não impugnação do mesmo, este é portanto o fundamento do instituto.

No seguimento da doutrina e da jurisprudência relativamente às condições de aplicação da aceitação deve ter-se em atenção a expressão "espontânea e sem reserva" que foi explicitada como a vontade livre e esclarecida, na conformação do particular com os efeitos do acto. A titulo de exemplo, um particular pode pedir a suspensão de um acto mesmo depois de se ter iniciado a cumpri-lo, isto não torna o acto inimpugnável por aceitação do particular, demonstra apenas, como refere Vieira de Andrade, um equilíbrio entre o respeito pelo direito de impugnação e o poder administrativo.
No que respeita aos efeitos específicos da aceitação, continuam a levantar-se questões agora relativas à natureza da mesma. Saber se se trata de perda de legitimidade, causada  pela ilegitimidade do interesse directo e pessoal, se se trata de falta de interesse de agir, ou até mesmo se estamos perante um pressuposto processual autónomo, é fundamental para percebermos de que forma/por que razão perdeu o particular o direito de impugnação.

Seguindo a posição de que a aceitação do acto é um pressuposto autónomo, Vieira de Andrade e Mário Aroso de Almeida entendem que a incompatibilidade da vontade de impugnar o acto deve ser apreciada normativamente, isto é, em função da inadmissibilidade valorativa da impugnação por se apresentar como um venire contra factum proprium, isto porque o que o juiz vai averiguar é se o comportamento é adequado por parte de quem queira impugnar o acto, distinguindo-se desta forma dos restantes pressupostos processuais. Noutro sentido, Vasco Pereira da Silva entende que a aceitação do acto não se reconduz de todo ao pressuposto da legitimidade e que a sistemática da norma está errada, contudo, e agora diferentemente do entendimento supra explicado, o Professor justifica o enquadramento da norma no facto de, na altura, a doutrina não considerar o pressuposto do interesse em agir, porque se o tivessem considerado, era junto deste que a norma da aceitação do acto deveria estar, de forma idêntica ao Processo Civil.

Em jeito de conclusão este instituto tem uma grande relevância prática nas relações entre particulares e Administração, nomeadamente por que se apresenta genericamente como um impedimento ao aceitante de impugnar o acto por ele aceite. Como tal a aceitação do acto traduz um fenómeno autovinculativo do sujeito aceitante a uma conduta inicial, o que o impede de agir em contrariedade com ela. Contribui deste modo para a estabilização dos efeitos do acto administrativo na ordem jurídica.

 Bibliografia
·     Lopes Luís, Sandra. A Aceitação do Acto Administrativo – conceito, fundamentos e efeitos, Dissertação de Mestrado e Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito de Lisboa, 2003/2004.
·         Pereira da Silva, Vasco. O Contencioso no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016.
·         Viera de Andrade, José Carlos. "A Aceitação do acto administrativo", in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003.
·         Vieira de Andrade, José Carlos. A Justiça Administrativa (lições), 2ª edição, Almedina.




[1] Neste sentido "A aceitação do acto administrativo" IN Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - volume comemorativo, 2003, Vieira de Andrade, pg. 909.
[2] Neste sentido Acórdão do STA de 25/11/81 nº245.
[3] A aceitação tácita traduzir-se-ia numa prática incompatível com a vontade de recorrer. 

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