(1) NOTA INTRODUTÓRIA
Devemos
começar por referir que o direito de acção popular é reconhecido na
Constituição da República Portuguesa (CRP) como um direito fundamental de
participação e intervenção política dos cidadãos. No artigo 52º/3 da CRP é
conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos
interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos no
referido artigo. O direito de acção popular é um
corolário do princípio democrático e da democracia participativa, presente no
artigo 2º da CRP, na medida em que permite a participação política e a
intervenção democrática dos cidadãos na vida política, para fiscalizar a
legalidade e defender os interesses da colectividade.
Vamos
especialmente atender à acção popular administrativa em defesa do ambiente e da
qualidade de vida.
(2) DESENVOLVIMENTO
No nosso ordenamento temos a Lei nº83, de 31 de Agosto de
1995, conhecida por Lei de Acção Popular, que veio regulamentar e dar
exequibilidade à norma introduzida na CRP pela Revisão Constitucional de 1989, nomeadamente
o artigo 52º/3. “Com a norma do artigo 52º/3, a CRP impôs um alargamento dos
termos estritos em que o instituto da acção popular estava previsto no nosso
ordenamento jurídico-administrativo, sendo agora possível o seu uso em geral –
e não apenas no âmbito local – para a tutela de alguns direitos e interesses
fundamentais, de entre os quais podemos destacar o ambiente.”[1] O
objecto desta Lei da Acção Popular é a defesa de interesses ligados à saúde
pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à protecção do consumo de bens e
serviços, ao património cultural e ao domínio público, nomeadamente a
prevenção, a cessação ou a persecução judicial das infracções ao ambiente.
(artigo 1º da Lei cit.)
A Lei 83/95 trata do direito procedimental de participação
popular e do direito de acção popular, sendo que este último compreende duas
espécies de acções: a acção procedimental administrativa e a acção popular
civil (artigo 12º da Lei cit.). A acção procedimental pode ser uma acção
judicial administrativa para defender certos interesses ou um recurso
contencioso contra actos administrativos ilegais danosos a esses interesses
(artigo 12º/1 da Lei cit.). Já a acção popular civil observa o procedimento
estabelecido no Código de Processo Civil, que por sua vez pode ser preventiva,
condenatória ou inibitória.[2]
O sentido da expressão acção popular deve ser esclarecido. Na
verdade este não é um instrumento processual mas um direito de exercício; “o
termo de “acção” não é aqui tomado na sua acepção técnico-processual
(contraposta ao termo “recurso”), mas no sentido de pretensão à actividade
jurisdicional, que tanto pode dar origem a uma acção em sentido próprio, como a
um recurso.”[3]
Devemos acrescentar ainda as palavras de Marques Antunes, que
descreve a acção popular como “um direito de acção judicial, atribuído a
qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas
colectivas que visem a defesa de interesses determinados, que permite requerer
a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado, com o fim de assegurar a
tutela de certos interesses comunitários aos quais a Constituição da República
Portuguesa confere uma protecção qualificada, bem como de requerer a reparação
de danos que lhes sejam causados.”[4] Ou seja,
tal como se tem verificado na corrente maioritária, a acção popular é um meio
processual pertencente ao contencioso administrativo e neste sentido deve
entender-se que esta acção não é em si mesma, uma forma de processo, mas pode
antes revestir qualquer uma das formas de processo consagradas no Código de
Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA).
Ainda no nosso CPTA, estão consagradas duas modalidades de
acção popular, a saber: a acção popular genérica e a acção popular no âmbito
autárquico. A primeira das modalidades está prevista no artigo 9º/2 do CPTA que
confere o direito de acção popular a particulares, a certas pessoas colectivas,
a autarquias locais e ao Ministério Público, para intervirem em processos
destinados à defesa de certos valores e bens constitucionalmente protegidos,
para defender a legalidade, independentemente de possuírem um interesse pessoal
na demanda.[5]
Já a segunda modalidade está consagrada no artigo 55º/2 CPTA, que estabelece
que qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, pode
impugnar as decisões e deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais
sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado. Vasco Pereira da Silva defende
que não deve ser mantida esta dualidade de regimes, dado que a acção popular
genérica impregnou a acção popular de âmbito autárquico, dada a sua amplitude,
permite assim a tutela dos mesmos bens.
(2.1) INTERESSES
PROTEGIDOS – em foco o ambiente.
A nossa
Constituição protege e destaca como direito fundamental do cidadão o direito ao
meio ambiente saudável.[6] No nosso
ordenamento jurídico, ao contrário do brasileiro, não é de jurisdição una, em
que a distinção entre interesses e direitos é adoptada pelo nosso contencioso administrativo.
Nos ordenamentos europeus, a dualidade de jurisdição levou a doutrina a criar
uma figura análoga à do direito subjectivo mas com finalidade diversa,
criando-se uma situação substancial denominada de interesse legítimo para ser
exercido somente perante a administração pública, no âmbito do contencioso
administrativo.[7]
Os meios
processuais que se pretendem analisar são a fórmula ideal para a protecção de
interesses difusos, transindividuais ou metaindividuais, entendidos como
interesses que vão além do direito individual subjectivo. O direito de acção
popular protege o interesse ou direito subjectivo individual, entretanto os
seus requisitos processuais e a sua legitimação activa desincentivam o seu uso
pelo particular já que os meios de tutela individual são mais práticos e menos
exigentes, logo, mais atractivos.
A nossa lei
adopta a terminologia de interesses para se referir aos bens protegidos pela
lei da acção popular, em dado momento usa também “direitos ou interesses” no
seu artigo 14º, entretanto não generaliza a protecção usando o termo mais e
abrangente de interesses difusos.
Segundo
Vasco Pereira da Silva, “é, pois, necessário interpretar correctivamente a
previsão legal demasiado ampla do artigo 1º da Lei de Acção Popular,
designadamente dando preferência ao artigo 2º sobre o artigo 1º, quando na sua
parte final dispõe que a actuação de cidadãos e das pessoas colectivas enquanto
actores populares tem lugar “independentemente de terem ou não interesse
directo na demanda”, a fim de salvar o instituto de acção popular.”[8]
Basicamente, a ideia resume-se no facto de que a acção popular deveria
prestar-se a proteger interesses transindividuais uma vez que os interesses
subjectivos individuais têm o seu caminho processual próprio. Tendo a concordar
quando Vasco Pereira da Silva afirma existir “uma relativa confusão entre a
tutela objectiva da legalidade e do interesse público, que é garantida pela
acção popular, e a tutela jurídico-subjectiva, para a defesa de direitos ou
interesses próprios, que é garantida pelo direito de acção dos titulares de
direitos subjectivos, e que constitui a finalidade primeira da existência de
meios processuais (20º e 268º/4 CRP) ”.[9] Ada
Pellegrini Grinover[10] diz-nos
ainda que “a lei portuguesa não distingue esses interesses, deixando claro,
porém, que os seus titulares podem ser identificados ou não.”
(2.2) INTERESSES DIFUSOS
– “os interesses de alma pública e corpo
privado”[11]
A sociedade exige cada vez mais a participação nas decisões
que dizem respeito ao desenvolvimento sócio-económico-cultural da
colectividade. Existe portanto interesses denominados difusos, que se destingem
do padrão clássico dando “armas” ao cidadão para que possam intervir nas
decisões, que é de certa espelha a incapacidade do Estado absorver
completamente os conflitos entre o poder e a sociedade, deixando sem cobertura
normativa adequada uma vasta área de interesses pluriindividuais.[12]
Relativamente
à Administração, as relações deixam de ser bipolarizadas e tornam-se cada vez
mais multipolarizadas com a consideração de inúmeros interesses de igual valor
que devem ser resguardados. O conceito de interesses difusos e a sua constante
reformulação demonstram a sua relação íntima com problemas que estão a ser
enfrentados em épocas diferentes, nomeadamente a preservação, recuperação e
melhoria do meio ambiente. Os interesses difusos são portanto interesses
transindividuais, ou metaindividuais ou supraindividuais. Denominações que
todas elas reflectem ser esses interesses pertencentes a uma pluralidade de
titulares, a um número indeterminado de pessoas. Como Gomes Canotilho e Vital
Moreira referem, são interesses difusos “a refracção em cada indivíduo de
interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada.”[13] A
titularidade de interesses difusos pertence a todos os indivíduos que se
encontram numa situação de contitularidade de um bem decorrente de serem
membros de uma mesma comunidade, o que, por seu lado significa que não é
susceptível de apropriação por qualquer um destes membros.[14]
(2.3) A LEGITIMIDADE
ACTIVA
A legitimidade é um pressuposto processual, na medida em que a
apreciação do mérito da causa e o proferimento da decisão depende de estarem no
processo partes legítimas. Vasco Pereira da Silva diz-nos que a legitimidade
destina-se a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida.[15]
A legitimidade activa traduz-se na possibilidade de iniciar um processo
destinado a fazer valer uma pretensão em juízo. Nas palavras de Vieira de
Andrade[16],
“a legitimidade activa implica a titularidade do direito (potestativo) de acção”.
Para interpretarmos os novos interesses e direitos surgidos na
luta pela preservação do meio ambiente a partir da óptica dos interesses
difusos o mais claro problema é o da legitimidade processual activa. Como e
Canotilho Vital Moreira referem “a acção popular traduz-se num alargamento da
legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu
interesse individual ou da sua relação com especifica com os bens em causa.”[17]
Importa portanto assim introduzir o artigo 9º do CPTA. Em que o seu nº1 estabelece que o autor é considerado
parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, ou
seja, quando alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente
protegido, designando-se assim de legitimidade activa directa. Já no seu nº2
admite-se um conceito de legitimidade mais amplo no âmbito da acção popular,
nos termos do qual, independentemente de terem interesse pessoal na demanda,
certos sujeitos têm legitimidade para intervir em processos principais e
cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente
protegidos, como já vimos anteriormente. É através da análise do critério de
legitimidade consagrado neste nº2 que nos é perceptível que um sujeito pode ser
parte legítima no processo sem que seja titular das posições substantivas que
se visa tutelar no processo, o que significa que há uma independência do
interesse processual face ao interesse substancial, como é o caso do ambiente.[18] Ou seja, a acção popular
é caracterizada por uma extensão da legitimidade processual, a qual deixa de
ser aferida em função da titularidade de um interesse directo, pessoal e
legítimo na demanda. Mário Aroso de Almeida[19] explica que o artigo 9º/2
CPTA consagra um alargamento da legitimidade processual activa a quem não
alegue ser parte na relação material controvertida. Para este autor, o artigo
9º/2 CPTA desempenha duas funções: dar expressão ao direito de acção popular no
âmbito do contencioso administrativo e atribuir legitimidade activa a
determinados sujeitos.
Sintetizando, os novos ventos de interesses difusos, os requisitos
exigidos para a cristalização da legitimidade activa para propor a acção
popular tornaram-se flexíveis e ficaram livres de obrigatoriedade de provar o
interesse directo e pessoal, que em muitos casos significava a impossibilidade
do cidadão vir a requerer intervenção jurisdicional, abrindo assim portas para
a participação popular. Vale ainda a pena lembrar que a lei expressamente
dispensa o autor popular de mandato ou autorização expressa para a propositura
da acção.
O critério de legitimidade activa
consagrado no artigo 9º/2 CPTA é concretizado e complementado pelos artigos 2º
e 3º da nossa Lei de Acção Popular. Esta Lei parece ter-se inspirado no modelo
americano das class actions ao
admitir que tanto os cidadãos quanto as pessoas colectivas possam agir em juízo
de interesses difusos, embora nas class
actions se exija uma adequacy of
representation. Os cidadãos são legitimados a propor uma acção popular
desde que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos, sendo este o
único requisito cuja verificação é necessária. É de acrescentar, tal como o faz
Nuno Sérgio Marques, quando lembra a situação, cada vez mais comum, de
indivíduos detentores de cidadania europeia e com residência em Portugal que
podem propor acção popular uma vez que preenchem os requisitos de pelo gozo dos
direitos políticos e civis. A legitimação da lei portuguesa é concorrente autónoma,
no sentido de que, a legitimidade de um agente não exclui a de outro, podendo
qualquer dos legitimados exercer o direito de acção, sem necessidade de
intervenção dos demais. Nas acções populares o Ministério Público intervém como
custus legis zelando pela legalidade
do processo, mas não tem legitimidade originária.[20] A nossa Lei de Acção
Popular diz-nos ainda que o Ministério Público fiscaliza a legalidade e
representa o Estado quando este ou outras pessoas jurídicas de direito público
forem parte na causa, desde que autorizado em lei, ainda substitui o autor na
hipótese deste desistir da lide e em outros casos legalmente previstos. Existiu
controvérsia doutrinária no que concerne a actuação do Ministério Público na
acção popular, chegando-se ao ponto de cogitar a hipótese de que a legitimidade
processual das acções de reparação ambiental lhe fosse atribuída de forma
essencial. A controvérsia foi dissipada pela alteração do artigo 20º e 26º-A do
Código de Processo Civil, actuais artigos 24º e 31º respectivamente. A própria
Procuradoria-Geral dá-nos indicações no sentido de que o Ministério Público tem
um papel fundamental na consagração do direito fundamental na consagração do
direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida, por via de instrumentos processuais
postos a disposição para a tutela dos interesses difusos. Portanto no nosso
ordenamento jurídico o papel do Ministério Público é de fiscalidade da
legalidade e substituto do autor na acção popular em caso de desistência da
lide.
É de acrescentar que não é concedida
porém legitimidade ao Estado Português, nem às empresas públicas ou de economia
mista, e por outro lado, é pouco exigente com fundações e associações.
(2.4) A LEGITIMIDADE PASSIVA
A Lei nº83/95 não traz
expressamente a legitimidade passiva para figurar na acção popular. Mas temos o
artigo 22º/1 da Lei cit. diz-nos: “a responsabilidade por violação dolosa ou
culposa dos interesses previstos no artigo 1º constitui o agente causador no
dever de indemnizar o lesado ou os lesados pelos danos causados.” Logo, temos
que os legitimados passivos para serem réus na acção popular são os agentes que
dolosa ou culpadamente feriram quaisquer dos interesses jurídicos presentes no
artigo 1º, quais seja: saúde pública; ambiente; qualidade de vida; protecção do
consumo de bens e serviços; património cultural; e domínio público. No nosso
caso do contencioso administrativo, a legitimidade passiva para a causa será
sempre pertencente a um ente público.
(3) JURISPRUDÊNCIA
Acórdão Tribunal da Relação
de Lisboa de 16 de Abril de 2015, Processo 76-14.3T8TVD.L1-6 (http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b1c04d60e653ccc980257e45004f413b?OpenDocument)
Neste Acórdão estavam
em causa actos de gestão pública, praticados pela Câmara Municipal, no
exercício das funções administrativas, ao abrigo de normas de direito
administrativo, que violavam bens constitucionalmente protegidos, como o
ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território e a qualidade de vida. E visando
a acção popular a sua cessação e reparação, competia ao tribunal administrativo
a sua apreciação e decisão, por expressar um litígio emergente de uma relação
jurídico-administrativa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos
52º/3, alínea a) e 212º/3 da CRP, 4º/1, alínea l), do ETAF, artigo 1º /1 e 12º/1
da Lei de Acção Popular e ainda o 2º/2, alínea c) do CPA.
A leitura deste acórdão é pertinente, dado
que ao longo da sua leitura nos dá respostas sobre a acção popular e o seu objecto.
Sendo que “quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses colectivos,
quer ainda os respectivos interesses individuais homogéneos, o que, em termos
práticos, significa que a acção popular pode visar tanto a prevenção da
violação de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse colectivo,
como a reparação dos danos de massas resultantes da violação destes interesses
(artigo 52º/ 3, alínea a) da CRP). Em contrapartida, no objecto da acção
popular nunca se podem compreender direitos ou interesses meramente individuais.”[21]
O artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31/08,
distingue entre acção popular administrativa e acção popular civil. Pese embora
ambas compreendam a defesa de interesses difusos, na acção popular administrativa,
referida no artigo 12º nº 1, do diploma citado, está em causa um litígio que se
reporte a uma relação jurídica administrativa ou decorrente de acto
administrativo, nomeadamente a prevenção, cessação e reparação de violações de
valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de urbanismo,
ordenamento do território e qualidade de vida cometidos por entidades públicas.
No caso em apreço, na petição inicial era
alegado que, estavam em causa actos administrativos da Câmara Municipal de
Torres Vedras, actos de gestão pública, pretendendo-se a cessação e reparação
do dano urbanístico provocado por tais actos.
No caso concreto, o Tribunal considera que estávamos
perante uma acção popular “destrutiva
ou anulatória”, expressão de Paulo Otero, que tendente a determinar a
cessação de violações de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a
saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a
qualidade de vida, o património cultural.
Os pedidos formulados e causa de pedir, levaram
a que se conclui-se, tal como já havia sido concluído na 1.ª instância,
estar-se perante um litígio que envolve uma entidade pública (Município de
Torres Vedras e Carlos M. S. Miguel), na qualidade de presidente desse
município.
O recorrente invoca que o Senhor Presidente
do Município de Torres Vedras, sob o lema “Estacionamento na Cidade”, mandou emitir milhares de folhetos, que
anuncia ao cidadão que para estacionar deve entregar uma série de documentos
pessoais e ainda pagar o selo de estacionamento de 5 euros; que o custo dos
aparelhos colocados nas diversas artérias da cidade para caçar o dinheiro ao
cidadão é desconhecido mas, por certo, será pago pelo contribuinte ingénuo
mesmo aquele que nunca possuiu viatura. Sucede que o Município não pode nem
deve enriquecer a custa do cidadão que trabalha e se desloca em viatura
automóvel. Entendeu o recorrente, que a gestão do estacionamento da cidade
nos locais públicos pela Câmara Municipal é ilegal, violando bens
constitucionalmente protegidos, como o urbanismo, o ambiente e qualidade de
vida dos munícipes. Dentro os vários pedidos, um deles era que fosse declarado
que a densificação automobilística e o impacto ambiental negativo sobre a
qualidade de vida dos cidadãos traduziam uma violação do artigo 1º da Lei 83/95
de 31/8.
Resumindo, o objecto da acção integra-se na
competência dos Tribunais Administrativos, face ao que expressamente se
inscreve no artigo 4º/1, alínea l), do ETAF. Ou seja, a acção popular usada pelo
recorrente expressa os litígios emergentes de relações
jurídico-administrativas, cuja resolução se inscreve na reserva de competência
dos tribunais administrativos, por força do nº3 do artigo 212º da CRP. Reforça-o
o artigo 12º/1 da Lei de Acção Popular, identificando como modalidade da acção
procedimental administrativa aquela que visa a defesa dos interesses referidos
no seu artigo 1º - acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição
judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da CRP.
Como refere Lebre de Freitas, “A Constituição
da República não distingue a acção popular administrativa da acção popular
civil. A primeira é dirigida contra pessoas colectivas de direito público, máxime
o Estado, e é da competência do tribunal administrativo; tem lugar quando
esteja em causa um acto ou omissão de um órgão ou agente da Administração no
exercício da sua competência e pode revestir a forma da acção administrativa
comum, de acção de condenação à prática de acto devido ou de acção de
impugnação de actos administrativos. A segunda, da competência do tribunal
cível, é dirigida contra pessoas de direito privado, ou contra pessoas de
direito público por acto ou omissão fora do exercício da função administrativa”.
Em suma, a leitura deste acórdão é benéfica
para compreendermos os diversos problemas que foram discutidos até agora, tais
como: (i) o que é uma relação jurídico-administrativa; (ii) a (in)competência em
razão da matéria que neste caso determinava a excepção dilatória, nos termos do
artigo 96º, alínea a) e 577º, alínea a) do CPC, que gerava indeferimento
liminar e não a absolvição da instância; (iii) temos ainda problemas relativos
a procedência da acção popular movida contra o Município que espelha o nosso
estudo sobre o artigo 9º/2 CPTA e os respectivos artigos da Lei de Acção
Popular; (iv) e ainda nas palavras de Lebre de Freitas a confusão que é feita
pela nossa CRP ao não fazer a distinção entre a acção popular administrativa e acção popular civil.
Rita Isabel Mendonça Leandro
21920
[1] JOSÉ
EDUARDO FIGUEIREDO DIAS
– Os efeitos da Sentença na Lei de Acção Popular – Revista CEDOUA, nº1/99, p.
48
[2] J. J. GOMES CANOTILHO – Direito Constitucional e Teoria da
Constituição – Almedina 1998, p. 465.
[3] JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS – Tutela ambiental e contencioso
administrativo – Coimbra editora, 1997, p.151
[4] NUNO SÉRGIO MARQUES ANTUNES – O direito de acção popular no
contencioso administrativo português – Lex, 1997, p. 27.
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA - O contencioso administrativo no divã da psicanálise - 2ª
edição, Almedina, 2009, pp. 368-369.
[6] Artigo 66º da CRP “1. Todos têm
direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o
dever de o defender.”
[7] MARINA LOPES – Acção Popular, um paralelo entre o ordenamento
jurídico português e brasileiro – FDL, Lisboa, 2001, p.11
[8] VASCO PEREIRA DA SILVA – Responsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente – Principia,
1997, p.40
[9] VASCO PEREIRA DA SILVA – Responsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente – Principia,
1997, p.39
[10] ADA PELLEGRINI GRINOVER – A Acção Popular portuguesa: uma análise comparativa
– Revista de Ciência e Cultura da Universidade Lusíada, 1996.
[11] LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES – A tutela dos interesses difusos em
direito administrativo: para uma legitimação procedimental – Almedina, 1989,
p.20-21
[12] LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES – A tutela dos interesses difusos em
direito administrativo: para uma legitimação procedimental – Almedina, 1989,
p.15
[13] J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3º Edição, Almedina, p.282
[14] NUNO SÉRGIO MARQUES ANTUNES – O Direito de Ação Popular no
Contencioso Administrativo – Lex, 1997, p.38
[15] VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso
administrativo no divã da psicanálise - 2ª edição, Almedina, 2009,
p. 368.
[16] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE - A Justiça Administrativa (lições) - 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 269
[17] J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3º Edição, Almedina, p.281
[18] LUÍSA COTRIM DOS SANTOS - A acção popular ecológica no Contencioso
Administrativo - FDL, 1999/2000, p.18.
[19] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - Manual de Processo Administrativo - Almedina - Coimbra,
2010, pp. 224-227
[20] MARINA LOPES – Acção Popular, um paralelo entre o ordenamento
jurídico português e brasileiro – FDL, Lisboa, 2001, p.35
[21] TEIXEIRA DE SOUSA - A
Legitimidade popular na Tutela dos Interesses Difusos - p. 120
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