terça-feira, 1 de novembro de 2016

A Acção Popular no Contencioso Administrativo: em especial a "Acção Verde"

(1) NOTA INTRODUTÓRIA

Devemos começar por referir que o direito de acção popular é reconhecido na Constituição da República Portuguesa (CRP) como um direito fundamental de participação e intervenção política dos cidadãos. No artigo 52º/3 da CRP é conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos no referido artigo. O direito de acção popular é um corolário do princípio democrático e da democracia participativa, presente no artigo 2º da CRP, na medida em que permite a participação política e a intervenção democrática dos cidadãos na vida política, para fiscalizar a legalidade e defender os interesses da colectividade.
            Vamos especialmente atender à acção popular administrativa em defesa do ambiente e da qualidade de vida.

(2) DESENVOLVIMENTO

No nosso ordenamento temos a Lei nº83, de 31 de Agosto de 1995, conhecida por Lei de Acção Popular, que veio regulamentar e dar exequibilidade à norma introduzida na CRP pela Revisão Constitucional de 1989, nomeadamente o artigo 52º/3. “Com a norma do artigo 52º/3, a CRP impôs um alargamento dos termos estritos em que o instituto da acção popular estava previsto no nosso ordenamento jurídico-administrativo, sendo agora possível o seu uso em geral – e não apenas no âmbito local – para a tutela de alguns direitos e interesses fundamentais, de entre os quais podemos destacar o ambiente.”[1] O objecto desta Lei da Acção Popular é a defesa de interesses ligados à saúde pública, ao ambiente, à qualidade de vida, à protecção do consumo de bens e serviços, ao património cultural e ao domínio público, nomeadamente a prevenção, a cessação ou a persecução judicial das infracções ao ambiente. (artigo 1º da Lei cit.)
A Lei 83/95 trata do direito procedimental de participação popular e do direito de acção popular, sendo que este último compreende duas espécies de acções: a acção procedimental administrativa e a acção popular civil (artigo 12º da Lei cit.). A acção procedimental pode ser uma acção judicial administrativa para defender certos interesses ou um recurso contencioso contra actos administrativos ilegais danosos a esses interesses (artigo 12º/1 da Lei cit.). Já a acção popular civil observa o procedimento estabelecido no Código de Processo Civil, que por sua vez pode ser preventiva, condenatória ou inibitória.[2]
O sentido da expressão acção popular deve ser esclarecido. Na verdade este não é um instrumento processual mas um direito de exercício; “o termo de “acção” não é aqui tomado na sua acepção técnico-processual (contraposta ao termo “recurso”), mas no sentido de pretensão à actividade jurisdicional, que tanto pode dar origem a uma acção em sentido próprio, como a um recurso.”[3]
Devemos acrescentar ainda as palavras de Marques Antunes, que descreve a acção popular como “um direito de acção judicial, atribuído a qualquer cidadão no gozo dos seus direitos civis e políticos ou a pessoas colectivas que visem a defesa de interesses determinados, que permite requerer a intervenção dos órgãos jurisdicionais do Estado, com o fim de assegurar a tutela de certos interesses comunitários aos quais a Constituição da República Portuguesa confere uma protecção qualificada, bem como de requerer a reparação de danos que lhes sejam causados.”[4] Ou seja, tal como se tem verificado na corrente maioritária, a acção popular é um meio processual pertencente ao contencioso administrativo e neste sentido deve entender-se que esta acção não é em si mesma, uma forma de processo, mas pode antes revestir qualquer uma das formas de processo consagradas no Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos (CPTA).
Ainda no nosso CPTA, estão consagradas duas modalidades de acção popular, a saber: a acção popular genérica e a acção popular no âmbito autárquico. A primeira das modalidades está prevista no artigo 9º/2 do CPTA que confere o direito de acção popular a particulares, a certas pessoas colectivas, a autarquias locais e ao Ministério Público, para intervirem em processos destinados à defesa de certos valores e bens constitucionalmente protegidos, para defender a legalidade, independentemente de possuírem um interesse pessoal na demanda.[5] Já a segunda modalidade está consagrada no artigo 55º/2 CPTA, que estabelece que qualquer eleitor, no gozo dos seus direitos civis e políticos, pode impugnar as decisões e deliberações adoptadas por órgãos das autarquias locais sediadas na circunscrição onde se encontre recenseado. Vasco Pereira da Silva defende que não deve ser mantida esta dualidade de regimes, dado que a acção popular genérica impregnou a acção popular de âmbito autárquico, dada a sua amplitude, permite assim a tutela dos mesmos bens.

(2.1) INTERESSES PROTEGIDOS – em foco o ambiente.

            A nossa Constituição protege e destaca como direito fundamental do cidadão o direito ao meio ambiente saudável.[6] No nosso ordenamento jurídico, ao contrário do brasileiro, não é de jurisdição una, em que a distinção entre interesses e direitos é adoptada pelo nosso contencioso administrativo. Nos ordenamentos europeus, a dualidade de jurisdição levou a doutrina a criar uma figura análoga à do direito subjectivo mas com finalidade diversa, criando-se uma situação substancial denominada de interesse legítimo para ser exercido somente perante a administração pública, no âmbito do contencioso administrativo.[7]
            Os meios processuais que se pretendem analisar são a fórmula ideal para a protecção de interesses difusos, transindividuais ou metaindividuais, entendidos como interesses que vão além do direito individual subjectivo. O direito de acção popular protege o interesse ou direito subjectivo individual, entretanto os seus requisitos processuais e a sua legitimação activa desincentivam o seu uso pelo particular já que os meios de tutela individual são mais práticos e menos exigentes, logo, mais atractivos.
            A nossa lei adopta a terminologia de interesses para se referir aos bens protegidos pela lei da acção popular, em dado momento usa também “direitos ou interesses” no seu artigo 14º, entretanto não generaliza a protecção usando o termo mais e abrangente de interesses difusos.
            Segundo Vasco Pereira da Silva, “é, pois, necessário interpretar correctivamente a previsão legal demasiado ampla do artigo 1º da Lei de Acção Popular, designadamente dando preferência ao artigo 2º sobre o artigo 1º, quando na sua parte final dispõe que a actuação de cidadãos e das pessoas colectivas enquanto actores populares tem lugar “independentemente de terem ou não interesse directo na demanda”, a fim de salvar o instituto de acção popular.”[8] Basicamente, a ideia resume-se no facto de que a acção popular deveria prestar-se a proteger interesses transindividuais uma vez que os interesses subjectivos individuais têm o seu caminho processual próprio. Tendo a concordar quando Vasco Pereira da Silva afirma existir “uma relativa confusão entre a tutela objectiva da legalidade e do interesse público, que é garantida pela acção popular, e a tutela jurídico-subjectiva, para a defesa de direitos ou interesses próprios, que é garantida pelo direito de acção dos titulares de direitos subjectivos, e que constitui a finalidade primeira da existência de meios processuais (20º e 268º/4 CRP) ”.[9] Ada Pellegrini Grinover[10] diz-nos ainda que “a lei portuguesa não distingue esses interesses, deixando claro, porém, que os seus titulares podem ser identificados ou não.”

(2.2) INTERESSES DIFUSOS – “os interesses de alma pública e corpo privado”[11]

A sociedade exige cada vez mais a participação nas decisões que dizem respeito ao desenvolvimento sócio-económico-cultural da colectividade. Existe portanto interesses denominados difusos, que se destingem do padrão clássico dando “armas” ao cidadão para que possam intervir nas decisões, que é de certa espelha a incapacidade do Estado absorver completamente os conflitos entre o poder e a sociedade, deixando sem cobertura normativa adequada uma vasta área de interesses pluriindividuais.[12]
            Relativamente à Administração, as relações deixam de ser bipolarizadas e tornam-se cada vez mais multipolarizadas com a consideração de inúmeros interesses de igual valor que devem ser resguardados. O conceito de interesses difusos e a sua constante reformulação demonstram a sua relação íntima com problemas que estão a ser enfrentados em épocas diferentes, nomeadamente a preservação, recuperação e melhoria do meio ambiente. Os interesses difusos são portanto interesses transindividuais, ou metaindividuais ou supraindividuais. Denominações que todas elas reflectem ser esses interesses pertencentes a uma pluralidade de titulares, a um número indeterminado de pessoas. Como Gomes Canotilho e Vital Moreira referem, são interesses difusos “a refracção em cada indivíduo de interesses unitários da comunidade, global e complexivamente considerada.”[13] A titularidade de interesses difusos pertence a todos os indivíduos que se encontram numa situação de contitularidade de um bem decorrente de serem membros de uma mesma comunidade, o que, por seu lado significa que não é susceptível de apropriação por qualquer um destes membros.[14]

(2.3) A LEGITIMIDADE ACTIVA

A legitimidade é um pressuposto processual, na medida em que a apreciação do mérito da causa e o proferimento da decisão depende de estarem no processo partes legítimas. Vasco Pereira da Silva diz-nos que a legitimidade destina-se a trazer a juízo os titulares da relação material controvertida.[15] A legitimidade activa traduz-se na possibilidade de iniciar um processo destinado a fazer valer uma pretensão em juízo. Nas palavras de Vieira de Andrade[16], “a legitimidade activa implica a titularidade do direito (potestativo) de acção”.
Para interpretarmos os novos interesses e direitos surgidos na luta pela preservação do meio ambiente a partir da óptica dos interesses difusos o mais claro problema é o da legitimidade processual activa. Como e Canotilho Vital Moreira referem “a acção popular traduz-se num alargamento da legitimidade processual activa a todos os cidadãos, independentemente do seu interesse individual ou da sua relação com especifica com os bens em causa.”[17] Importa portanto assim introduzir o artigo 9º do CPTA. Em que o seu nº1 estabelece que o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida, ou seja, quando alegue ser titular de um direito ou interesse legalmente protegido, designando-se assim de legitimidade activa directa. Já no seu nº2 admite-se um conceito de legitimidade mais amplo no âmbito da acção popular, nos termos do qual, independentemente de terem interesse pessoal na demanda, certos sujeitos têm legitimidade para intervir em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como já vimos anteriormente. É através da análise do critério de legitimidade consagrado neste nº2 que nos é perceptível que um sujeito pode ser parte legítima no processo sem que seja titular das posições substantivas que se visa tutelar no processo, o que significa que há uma independência do interesse processual face ao interesse substancial, como é o caso do ambiente.[18] Ou seja, a acção popular é caracterizada por uma extensão da legitimidade processual, a qual deixa de ser aferida em função da titularidade de um interesse directo, pessoal e legítimo na demanda. Mário Aroso de Almeida[19] explica que o artigo 9º/2 CPTA consagra um alargamento da legitimidade processual activa a quem não alegue ser parte na relação material controvertida. Para este autor, o artigo 9º/2 CPTA desempenha duas funções: dar expressão ao direito de acção popular no âmbito do contencioso administrativo e atribuir legitimidade activa a determinados sujeitos.
Sintetizando, os novos ventos de interesses difusos, os requisitos exigidos para a cristalização da legitimidade activa para propor a acção popular tornaram-se flexíveis e ficaram livres de obrigatoriedade de provar o interesse directo e pessoal, que em muitos casos significava a impossibilidade do cidadão vir a requerer intervenção jurisdicional, abrindo assim portas para a participação popular. Vale ainda a pena lembrar que a lei expressamente dispensa o autor popular de mandato ou autorização expressa para a propositura da acção.
O critério de legitimidade activa consagrado no artigo 9º/2 CPTA é concretizado e complementado pelos artigos 2º e 3º da nossa Lei de Acção Popular. Esta Lei parece ter-se inspirado no modelo americano das class actions ao admitir que tanto os cidadãos quanto as pessoas colectivas possam agir em juízo de interesses difusos, embora nas class actions se exija uma adequacy of representation. Os cidadãos são legitimados a propor uma acção popular desde que estejam no gozo dos seus direitos civis e políticos, sendo este o único requisito cuja verificação é necessária. É de acrescentar, tal como o faz Nuno Sérgio Marques, quando lembra a situação, cada vez mais comum, de indivíduos detentores de cidadania europeia e com residência em Portugal que podem propor acção popular uma vez que preenchem os requisitos de pelo gozo dos direitos políticos e civis. A legitimação da lei portuguesa é concorrente autónoma, no sentido de que, a legitimidade de um agente não exclui a de outro, podendo qualquer dos legitimados exercer o direito de acção, sem necessidade de intervenção dos demais. Nas acções populares o Ministério Público intervém como custus legis zelando pela legalidade do processo, mas não tem legitimidade originária.[20] A nossa Lei de Acção Popular diz-nos ainda que o Ministério Público fiscaliza a legalidade e representa o Estado quando este ou outras pessoas jurídicas de direito público forem parte na causa, desde que autorizado em lei, ainda substitui o autor na hipótese deste desistir da lide e em outros casos legalmente previstos. Existiu controvérsia doutrinária no que concerne a actuação do Ministério Público na acção popular, chegando-se ao ponto de cogitar a hipótese de que a legitimidade processual das acções de reparação ambiental lhe fosse atribuída de forma essencial. A controvérsia foi dissipada pela alteração do artigo 20º e 26º-A do Código de Processo Civil, actuais artigos 24º e 31º respectivamente. A própria Procuradoria-Geral dá-nos indicações no sentido de que o Ministério Público tem um papel fundamental na consagração do direito fundamental na consagração do direito fundamental ao ambiente e qualidade de vida, por via de instrumentos processuais postos a disposição para a tutela dos interesses difusos. Portanto no nosso ordenamento jurídico o papel do Ministério Público é de fiscalidade da legalidade e substituto do autor na acção popular em caso de desistência da lide.
É de acrescentar que não é concedida porém legitimidade ao Estado Português, nem às empresas públicas ou de economia mista, e por outro lado, é pouco exigente com fundações e associações.

(2.4) A LEGITIMIDADE PASSIVA

            A Lei nº83/95 não traz expressamente a legitimidade passiva para figurar na acção popular. Mas temos o artigo 22º/1 da Lei cit. diz-nos: “a responsabilidade por violação dolosa ou culposa dos interesses previstos no artigo 1º constitui o agente causador no dever de indemnizar o lesado ou os lesados pelos danos causados.” Logo, temos que os legitimados passivos para serem réus na acção popular são os agentes que dolosa ou culpadamente feriram quaisquer dos interesses jurídicos presentes no artigo 1º, quais seja: saúde pública; ambiente; qualidade de vida; protecção do consumo de bens e serviços; património cultural; e domínio público. No nosso caso do contencioso administrativo, a legitimidade passiva para a causa será sempre pertencente a um ente público.

(3) JURISPRUDÊNCIA

Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Abril de 2015, Processo 76-14.3T8TVD.L1-6 (http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/b1c04d60e653ccc980257e45004f413b?OpenDocument)

Neste Acórdão estavam em causa actos de gestão pública, praticados pela Câmara Municipal, no exercício das funções administrativas, ao abrigo de normas de direito administrativo, que violavam bens constitucionalmente protegidos, como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território e a qualidade de vida. E visando a acção popular a sua cessação e reparação, competia ao tribunal administrativo a sua apreciação e decisão, por expressar um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 52º/3, alínea a) e 212º/3 da CRP, 4º/1, alínea l), do ETAF, artigo 1º /1 e 12º/1 da Lei de Acção Popular e ainda o 2º/2, alínea c) do CPA.
A leitura deste acórdão é pertinente, dado que ao longo da sua leitura nos dá respostas sobre a acção popular e o seu objecto. Sendo que “quer os interesses difusos stricto sensu, quer os interesses colectivos, quer ainda os respectivos interesses individuais homogéneos, o que, em termos práticos, significa que a acção popular pode visar tanto a prevenção da violação de um interesse difuso stricto sensu ou de um interesse colectivo, como a reparação dos danos de massas resultantes da violação destes interesses (artigo 52º/ 3, alínea a) da CRP). Em contrapartida, no objecto da acção popular nunca se podem compreender direitos ou interesses meramente individuais.”[21]
O artigo 12º da Lei nº 83/95, de 31/08, distingue entre acção popular administrativa e acção popular civil. Pese embora ambas compreendam a defesa de interesses difusos, na acção popular administrativa, referida no artigo 12º nº 1, do diploma citado, está em causa um litígio que se reporte a uma relação jurídica administrativa ou decorrente de acto administrativo, nomeadamente a prevenção, cessação e reparação de violações de valores e bens constitucionalmente protegidos, em matéria de urbanismo, ordenamento do território e qualidade de vida cometidos por entidades públicas.
No caso em apreço, na petição inicial era alegado que, estavam em causa actos administrativos da Câmara Municipal de Torres Vedras, actos de gestão pública, pretendendo-se a cessação e reparação do dano urbanístico provocado por tais actos.
No caso concreto, o Tribunal considera que estávamos perante uma acção popular “destrutiva ou anulatória”, expressão de Paulo Otero, que tendente a determinar a cessação de violações de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural.
Os pedidos formulados e causa de pedir, levaram a que se conclui-se, tal como já havia sido concluído na 1.ª instância, estar-se perante um litígio que envolve uma entidade pública (Município de Torres Vedras e Carlos M. S. Miguel), na qualidade de presidente desse município.
O recorrente invoca que o Senhor Presidente do Município de Torres Vedras, sob o lema “Estacionamento na Cidade”, mandou emitir milhares de folhetos, que anuncia ao cidadão que para estacionar deve entregar uma série de documentos pessoais e ainda pagar o selo de estacionamento de 5 euros; que o custo dos aparelhos colocados nas diversas artérias da cidade para caçar o dinheiro ao cidadão é desconhecido mas, por certo, será pago pelo contribuinte ingénuo mesmo aquele que nunca possuiu viatura. Sucede que o Município não pode nem deve enriquecer a custa do cidadão que trabalha e se desloca em viatura automóvel. Entendeu o recorrente, que a gestão do estacionamento da cidade nos locais públicos pela Câmara Municipal é ilegal, violando bens constitucionalmente protegidos, como o urbanismo, o ambiente e qualidade de vida dos munícipes. Dentro os vários pedidos, um deles era que fosse declarado que a densificação automobilística e o impacto ambiental negativo sobre a qualidade de vida dos cidadãos traduziam uma violação do artigo 1º da Lei 83/95 de 31/8.
Resumindo, o objecto da acção integra-se na competência dos Tribunais Administrativos, face ao que expressamente se inscreve no artigo 4º/1, alínea l), do ETAF. Ou seja, a acção popular usada pelo recorrente expressa os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas, cuja resolução se inscreve na reserva de competência dos tribunais administrativos, por força do nº3 do artigo 212º da CRP. Reforça-o o artigo 12º/1 da Lei de Acção Popular, identificando como modalidade da acção procedimental administrativa aquela que visa a defesa dos interesses referidos no seu artigo 1º - acção popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções previstas no nº 3 do artigo 52º da CRP.
Como refere Lebre de Freitas, “A Constituição da República não distingue a acção popular administrativa da acção popular civil. A primeira é dirigida contra pessoas colectivas de direito público, máxime o Estado, e é da competência do tribunal administrativo; tem lugar quando esteja em causa um acto ou omissão de um órgão ou agente da Administração no exercício da sua competência e pode revestir a forma da acção administrativa comum, de acção de condenação à prática de acto devido ou de acção de impugnação de actos administrativos. A segunda, da competência do tribunal cível, é dirigida contra pessoas de direito privado, ou contra pessoas de direito público por acto ou omissão fora do exercício da função administrativa”.
Em suma, a leitura deste acórdão é benéfica para compreendermos os diversos problemas que foram discutidos até agora, tais como: (i) o que é uma relação jurídico-administrativa; (ii) a (in)competência em razão da matéria que neste caso determinava a excepção dilatória, nos termos do artigo 96º, alínea a) e 577º, alínea a) do CPC, que gerava indeferimento liminar e não a absolvição da instância; (iii) temos ainda problemas relativos a procedência da acção popular movida contra o Município que espelha o nosso estudo sobre o artigo 9º/2 CPTA e os respectivos artigos da Lei de Acção Popular; (iv) e ainda nas palavras de Lebre de Freitas a confusão que é feita pela nossa CRP ao não fazer a distinção entre a acção popular administrativa e acção popular civil.


Rita Isabel Mendonça Leandro
21920




[1] JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS – Os efeitos da Sentença na Lei de Acção Popular – Revista CEDOUA, nº1/99, p. 48
[2] J. J. GOMES CANOTILHO – Direito Constitucional e Teoria da Constituição – Almedina 1998, p. 465.
[3] JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS – Tutela ambiental e contencioso administrativo – Coimbra editora, 1997, p.151
[4] NUNO SÉRGIO MARQUES ANTUNES – O direito de acção popular no contencioso administrativo português – Lex, 1997, p. 27.
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA - O contencioso administrativo no divã da psicanálise - 2ª edição, Almedina, 2009, pp. 368-369.
[6] Artigo 66º da CRP “1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”
[7] MARINA LOPES – Acção Popular, um paralelo entre o ordenamento jurídico português e brasileiro – FDL, Lisboa, 2001, p.11
[8] VASCO PEREIRA DA SILVAResponsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente – Principia, 1997, p.40
[9] VASCO PEREIRA DA SILVAResponsabilidade Administrativa em Matéria de Ambiente – Principia, 1997, p.39
[10] ADA PELLEGRINI GRINOVER – A Acção Popular portuguesa: uma análise comparativa – Revista de Ciência e Cultura da Universidade Lusíada, 1996.
[11] LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES – A tutela dos interesses difusos em direito administrativo: para uma legitimação procedimental – Almedina, 1989, p.20-21
[12] LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES – A tutela dos interesses difusos em direito administrativo: para uma legitimação procedimental – Almedina, 1989, p.15
[13] J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º Edição, Almedina, p.282
[14] NUNO SÉRGIO MARQUES ANTUNES – O Direito de Ação Popular no Contencioso Administrativo – Lex, 1997, p.38
[15] VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise - 2ª edição, Almedina, 2009, p. 368.
[16] JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE - A Justiça Administrativa (lições) - 13ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 269
[17] J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º Edição, Almedina, p.281
[18] LUÍSA COTRIM DOS SANTOS - A acção popular ecológica no Contencioso Administrativo - FDL, 1999/2000, p.18.
[19] MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - Manual de Processo Administrativo - Almedina - Coimbra, 2010, pp. 224-227
[20] MARINA LOPES – Acção Popular, um paralelo entre o ordenamento jurídico português e brasileiro – FDL, Lisboa, 2001, p.35
[21] TEIXEIRA DE SOUSA - A Legitimidade popular na Tutela dos Interesses Difusos - p. 120

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