terça-feira, 1 de novembro de 2016

A europeização do Contencioso Administrativo como concretização dos “pequenos passos” preconizados por Schuman

A europeização do Contencioso Administrativo como concretização dos “pequenos passos” preconizados por Schuman


A importância do Direito Europeu no Contencioso Administrativo tem vindo paulatinamente a intensificar-se essencialmente por duas ordens de razões[1]: a primeira deve-se ao surgimento de fontes europeias nesta matéria e a segunda é a crescente convergência das legislações nacionais no que ao contencioso administrativo diz respeito. A própria União Europeia tem-se vindo a afirmar como uma ordem jurídica autónoma que goza de fontes próprias e cujas regulações têm efeito directo e primazia sobre os Estados-Membros[2]. O próprio Professor Doutor Vasco Pereira da Silva chega mesmo a referir que “surge uma função administrativa europeia, enquanto elemento essencial da constituição material europeia”[3].  Dado este cenário, surge a necessidade de repensar o modelo de actuação do Direito Administrativo (e por arrasto o do Contencioso Administrativo) uma vez que a sua natureza inicial surge fortemente ligada à ideia de Estado, ideia essa que vai esbatendo cada vez mais as suas fronteiras em prol de uma Comunidade Europeia. Além do mais, o Direito Europeu é essencialmente Direito Administrativo uma vez que as suas políticas são prosseguidas por actos da função administrativa. Mas não é unicamente os direitos nacionais que são influenciados pelo Direito Europeu. O próprio Direito Europeu também é resultado de um “processo de interacção entre o Tribunal das Comunidades e os direitos administrativos e constitucionais nacionais”[4]. Pode-se portanto dizer que cada vez mais se assiste ao surgimento de um Direito Administrativo Europeu criado por via legislativa e jurisprudencial. Existem também diversas regras substantivas com relevância processual, entre as quais e como refere o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva “os princípios gerais da actividade administrativa (que, para além da sua relevância substantiva, possuem também relevância processual, enquanto parâmetros de controlo jurisdicional da actuação administrativa, em especial no domínio da discricionariedade); a noção de Administração pública – de «geometria variável» - que submete ao mesmo regime jurídico entidades públicas e privadas; (…) o regime da contratação pública (com consequências processuais quanto à determinação da jurisdição competente).

A França prestou um contributo enorme à europeização do Contencioso Administrativo principalmente com a reforma de 2000 do contencioso administrativo essencialmente devido aos seguintes aspectos: o direito de acesso à Justiça Administrativa criado pela jurisprudência constitucional, o direito ao julgamento por um tribunal independente e imparcial (pela consagração do princípio da inamovibilidade dos juízes administrativos, pela criação de um órgão que mediasse as relações entre os juízes e o Estado e pela alteração de algumas regras processuais. O contributo Francês não se ficou por aqui e deveu-se também a alterações no Processo Administrativo que no contexto deste comentário não importa desenvolver. A Alemanha que sempre foi vista como exemplar no seu Processo Administrativo tem feito alguns retrocessos em relação aos restantes países europeus como por exemplo a tutela cautelar que neste contexto de europeização foi sendo reforçada a sua força de garantia e que na Alemanha foi restringida. Em Itália a reforma de 2000 da Justiça Administrativa serviu para sedimentar a europeização fazendo uma paridade entre o juiz ordinário e o juiz administrativo nas técnicas de tutela de direitos subjectivos. Em Espanha a reforma de 1998 é encarada em duas perspectivas – a primeira como um imperativo constitucional e a segunda, essa sim de interesse para este comentário, como imposição europeia pela constante violação do art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem uma vez que os tribunais administrativos espanhóis não conseguiam dar resposta ao enorme caudal de processos que corriam nos seus tribunais administrativos. A reforma serviu essencialmente para garantir uma melhor defesa dos direitos dos particulares. O Reino Unido foi o país em que o Direito Administrativo Europeu mais teve influência, por mais paradoxal que possa aparecer[6] (mais ainda agora que estamos no digerir do Brexit). Isso deveu-se essencialmente ao Direito Administrativo ser uma área jurídica algo inexplorada no território britânico sendo assim de mais fácil penetração o Direito Administrativo europeu que é tido em certa parte como modelo. Em Portugal, até 2004 a influência europeia no Processo Administrativa era bastante parca, contudo a partir da reforma que entrou em vigor nesse ano deu-se inicio a um novo período que contém um “Processo Administrativo que (não obstante alguns “achaques menores”) concretiza de forma adequada os modelo constitucional e europeu de uma Justiça Administrativa plenamente jurisdicionalizada e destinada à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares”[7].

Em suma, o Direito Administrativo, o Contencioso Administrativo e o Processo Administrativo têm progressivamente vindo a cumprir aquilo que Schuman preconizou, em 9 de Maio de 1950, quando referiu que “A Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto.” As reformas efectuadas nestas áreas têm-se vindo a fazer ao longo da passagem dos anos nos diversos países que compõe a União Europeia e o modelo a seguir tem sido o correcto, pois não vejo com bons olhos uma mudança abrupta numa área tão sensível como é o Direito em geral e em particular o Direito Administrativo. A europeização do Direito Administrativo deve ser desenhada através de pequenos passos concretizados em reformas legislativas que vão instituindo regimes cada vez mais uniformes nos diversos países. O objectivo desta europeização está traçado e é claro: a introdução de um sistema jurídico que permita a protecção plena e efectiva dos direitos subjectivos dos particulares. Terá de ser essa  a força unificadora de um sistema administrativo europeu cada vez mais justo. O caminho tem sido bem percorrido e assim há-de continuar.



[1]   Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, s.l., Almedina, 2005, P106
[2] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, op. Cit.p .108 e art.8º da CRP
[3] Vasco Pereira da Silva, op. Cit.p .109
[4] Peter Haberle, «Auf dem Weg. Zum Allgemeinen Verwaltungsrecht», in « Bayerischen Verwaltungsblatter», nº24, 15 de Dezembro de 1977, pag. 751
 [5] Vasco Pereira da Silva, op. Cit.p126 ss
[6] Vasco Pereira da Silva, op. Cit.p .145
[7] Vasco Pereira da Silva, op. Cit.p .149

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.