A europeização do Contencioso Administrativo como concretização dos
“pequenos passos” preconizados por Schuman
A importância
do Direito Europeu no Contencioso Administrativo tem vindo paulatinamente a
intensificar-se essencialmente por duas ordens de razões[1]:
a primeira deve-se ao surgimento de fontes europeias nesta matéria e a segunda
é a crescente convergência das legislações nacionais no que ao contencioso
administrativo diz respeito. A própria União Europeia tem-se vindo a afirmar
como uma ordem jurídica autónoma que goza de fontes próprias e cujas regulações
têm efeito directo e primazia sobre os Estados-Membros[2].
O próprio Professor Doutor Vasco Pereira da Silva chega mesmo a referir que
“surge uma função administrativa europeia, enquanto elemento essencial da
constituição material europeia”[3].
Dado este cenário, surge a necessidade
de repensar o modelo de actuação do Direito Administrativo (e por arrasto o do
Contencioso Administrativo) uma vez que a sua natureza inicial surge fortemente
ligada à ideia de Estado, ideia essa que vai esbatendo cada vez mais as suas
fronteiras em prol de uma Comunidade Europeia. Além do mais, o Direito Europeu
é essencialmente Direito Administrativo uma vez que as suas políticas são
prosseguidas por actos da função administrativa. Mas não é unicamente os direitos
nacionais que são influenciados pelo Direito Europeu. O próprio Direito Europeu
também é resultado de um “processo de interacção entre o Tribunal das
Comunidades e os direitos administrativos e constitucionais nacionais”[4].
Pode-se portanto dizer que cada vez mais se assiste ao surgimento de um Direito
Administrativo Europeu criado por via legislativa e jurisprudencial. Existem
também diversas regras substantivas com relevância processual, entre as quais e
como refere o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva “os princípios gerais da
actividade administrativa (que, para além da sua relevância substantiva,
possuem também relevância processual, enquanto parâmetros de controlo
jurisdicional da actuação administrativa, em especial no domínio da
discricionariedade); a noção de Administração pública – de «geometria variável»
- que submete ao mesmo regime jurídico entidades públicas e privadas; (…) o
regime da contratação pública (com consequências processuais quanto à
determinação da jurisdição competente).
A França
prestou um contributo enorme à europeização do Contencioso Administrativo
principalmente com a reforma de 2000 do contencioso administrativo
essencialmente devido aos seguintes aspectos: o direito de acesso à Justiça Administrativa criado pela jurisprudência
constitucional, o direito ao julgamento por um tribunal independente e
imparcial (pela consagração do princípio da inamovibilidade dos juízes
administrativos, pela criação de um órgão que mediasse as relações entre os juízes
e o Estado e pela alteração de algumas regras processuais. O contributo Francês
não se ficou por aqui e deveu-se também a alterações no Processo Administrativo
que no contexto deste comentário não importa desenvolver. A Alemanha que sempre
foi vista como exemplar no seu Processo Administrativo tem feito alguns retrocessos em relação aos restantes países europeus como por exemplo a tutela
cautelar que neste contexto de europeização foi sendo reforçada a sua força de
garantia e que na Alemanha foi restringida. Em Itália a reforma de 2000 da
Justiça Administrativa serviu para sedimentar a europeização fazendo uma
paridade entre o juiz ordinário e o juiz administrativo nas técnicas de tutela
de direitos subjectivos. Em Espanha a reforma de 1998 é encarada em duas
perspectivas – a primeira como um imperativo constitucional e a segunda, essa
sim de interesse para este comentário, como imposição europeia pela constante
violação do art.6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem uma vez que os
tribunais administrativos espanhóis não conseguiam dar resposta ao enorme
caudal de processos que corriam nos seus tribunais administrativos. A reforma
serviu essencialmente para garantir uma melhor defesa dos direitos dos
particulares. O Reino Unido foi o país em que o Direito Administrativo Europeu
mais teve influência, por mais paradoxal que possa aparecer[6]
(mais ainda agora que estamos no digerir do Brexit).
Isso deveu-se essencialmente ao Direito Administrativo ser uma área jurídica
algo inexplorada no território britânico sendo assim de mais fácil penetração o
Direito Administrativo europeu que é tido em certa parte como modelo. Em
Portugal, até 2004 a influência europeia no Processo Administrativa era
bastante parca, contudo a partir da reforma que entrou em vigor nesse ano
deu-se inicio a um novo período que contém um “Processo Administrativo que (não
obstante alguns “achaques menores”) concretiza de forma adequada os modelo
constitucional e europeu de uma Justiça Administrativa plenamente jurisdicionalizada
e destinada à protecção plena e efectiva dos direitos dos particulares”[7].
Em suma, o
Direito Administrativo, o Contencioso Administrativo e o Processo
Administrativo têm progressivamente vindo a cumprir aquilo que Schuman
preconizou, em 9 de Maio de 1950, quando referiu que “A Europa não
se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de
realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto.” As
reformas efectuadas nestas áreas têm-se vindo a fazer ao longo da passagem dos
anos nos diversos países que compõe a União Europeia e o modelo a seguir tem
sido o correcto, pois não vejo com bons olhos uma mudança abrupta numa área tão
sensível como é o Direito em geral e em particular o Direito Administrativo. A
europeização do Direito Administrativo deve ser desenhada através de pequenos
passos concretizados em reformas legislativas que vão instituindo regimes cada
vez mais uniformes nos diversos países. O objectivo desta europeização está
traçado e é claro: a introdução de um sistema jurídico que permita a protecção
plena e efectiva dos direitos subjectivos dos particulares. Terá de ser essa a força unificadora de um sistema
administrativo europeu cada vez mais justo. O caminho tem sido bem percorrido e
assim há-de continuar.
[1] Silva, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, s.l., Almedina, 2005,
P106
[2] Neste sentido, Vasco
Pereira da Silva, op. Cit.p .108 e art.8º da CRP
[3] Vasco Pereira da
Silva, op. Cit.p .109
[4] Peter Haberle, «Auf
dem Weg. Zum Allgemeinen Verwaltungsrecht», in « Bayerischen
Verwaltungsblatter», nº24, 15 de Dezembro de 1977, pag. 751
[6] Vasco
Pereira da Silva, op. Cit.p .145
[7] Vasco
Pereira da Silva, op. Cit.p .149
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