Do
artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo decorre que são atos
administrativos as decisões dos órgãos da Administração que, ao abrigo de
normas de direito público, visem produzir efeitos numa situação individual e
concreta. Por outro lado, o artigo 51º CPTA esclarece, uma vez mais, que são
impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes
jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa
situação individual e concreta (…).
Se dúvidas restassem, o artigo 53º/1
CPTA estabelece que não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se
como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões
contidas em atos administrativos anteriores. É entendimento dominante que, após
a revisão de 2015, a
impugnabilidade do ato administrativo depende apenas da sua externalidade, ou
seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projetem para
fora do procedimento onde o acto se insere[1].
Afastou-se, assim, a lesividade do ato como um dos critérios de aferição da sua
impugnabilidade.
Para
a grande maioria da jurisprudência, é precisamente a falta desta eficácia externa que faz com que o ato
meramente confirmativo seja contenciosamente inimpugnável pois que,
limitando-se ele a confirmar um ato administrativo anterior, a eficácia externa
é deste e não dele próprio[2][3]. Alguma
doutrina[4] sustenta
a inimpugnabilidade do ato confirmativo com base no argumento de que não
estamos perante um verdadeiro ato jurídico uma vez que o ato confirmativo não
tira nem acrescenta nada o ato confirmado. Autores desta banda defendem estar
em causa uma simples declaração segundo a qual a Administração reconhece uma
decisão que já tomou anteriormente.
Pelo contrário, deve-se entender que
estamos perante um verdadeiro ato jurídico. Assim o é por várias razões. Desde
logo porque, de acordo com o artigo 13º/2 CPA a Administração, passados dois anos
sobre a prática do primeiro ato tem o dever de decisão mesmo que o requerente e
os fundamentos sejam os mesmos. Confirmam ainda este entendimento a redação do
artigo 52º/2 e 3 CPTA, do qual decorre que a falta de impugnação de um ato não
impede o interessado de impugnar os respetivos atos de execução ou de
aplicação. Este regime revela a natureza jurídica do ato confirmativo pois
permite que os atos de execução e de aplicação, na parte em que nada de novo acrescentem
ao primeiro ato (tratando-se, assim, de um ato confirmativo), sejam igualmente
impugnáveis. O regime do artigo 53º/2 CPTA vai no mesmo sentido pois permite que,
ainda que o ato confirmado não tenha sido notificado ou publicado, o ato
confirmativo é impugnável, tratando-se por isso de um verdadeiro ato
administrativo.
Concluindo, a inimpugnabilidade
do ato confirmativo decorre não de uma deficiência de natureza jurídica mas do
facto deste ato não gerar efeitos novos que possam lesar os particulares.
Contrariamente ao regime existente
antes da revisão de 2015, o CPTA fornece, agora, uma noção material de ato
confirmativo que se baseia na identidade dos fundamentos do ato confirmativo
relativamente aos do ato confirmado. A adoção do critério da identidade dos
fundamentos pelo CPTA foi, de resto, uma opção legislativa consonante com a
prática jurisprudencial dominante até então[5].
Em primeiro lugar, este critério
obriga a que o primeiro ato esteja sujeito ao regime substancial da
fundamentação expressa do ato pela Administração como previsto no artigo 152º CPA.
Não fosse a abrangência dos atos sujeitos a fundamentação expressa tal, o
particular poderia encontrar aqui uma hipótese de impugnação do segundo ato
jurídico uma vez que, a contrario, os
atos que não se encontrem sujeitos ao regime da fundamentação expressa escapam
ao âmbito de aplicação do regime dos atos confirmativos.
Do artigo 153º/1 CPA decorre, por
outro lado, que os fundamentos a que o artigo 53º CPTA se refere são os fundamentos de facto e de direito da decisão
(…). Os fundamentos que aqui são tidos em conta são aqueles que foram invocados
pela Administração e não pelo particular[6]. Porém,
como alerta LUIZ CABRAL DE MONCADA[7], a sucinta exposição dos fundamentos de facto
e de direito (…) da decisão é insuficiente para ajuizar da natureza inovadora
ou não do acto em causa. A riqueza do conteúdo deste pode ir para além do que
se depreende da fundamentação exposta. Atente-se no seguinte exemplo: Foi
revogado um ato de outorga de um subsídio concedido por um instituto público a
determinada empresa. O fundamento prendeu-se com a violação das condições legais
exigíveis. Posteriormente, a empresa acabou por alterar o destino material do
subsídio mediante a criação de novas condições e pediu a repreciação da
decisão. O instituto acabou por manter a sua decisão com os mesmos fundamentos
por considerar que, apesar da modificação das condições operadas pela empresa,
havia ainda uma situação de incumprimento. Ao impugnar esta decisão juntos dos
tribunais, considerou-se que o segundo ato era confirmativo do primeiro –por
conter a mesma fundamentação [8].
Assim concluiu o tribunal porque analisou a fundamentação do ponto de vista da
Administração. Porém, se o tivesse feito do ponto de vista do particular, o
resultado não teria sido o mesmo, nomeadamente por o interessado ter invocado
razões novas, o que levaria ao afastamento de um ato de conteúdo confirmativo.
A insuficiência do critério
fornecido pelo artigo 53º/1 CPTA é ainda mais patente quando comparado com o
critério que decorre do artigo 13º/2 CPA. Deste preceito resulta que a
Administração não se encontra adstrita a um dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da
data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato
administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular, com os
mesmos fundamentos. Os fundamentos que aqui estão em causa são os fundamentos
invocados pelo particular. Assim o é porque, havendo um dever de decisão, o
segundo ato da Administração seria confirmativo daquele primeiro sendo,
consequentemente, inimpugnável. Assim, pode-se questionar porque razão o artigo
53º/1 permite que o tribunal se satisfaça com menos do que a Administração para
considerar determinado ato administrativo como meramente confirmativo.
Enquanto centro das garantias dos cidadãos, a atuação
do tribunal deveria passar pela análise conjunta do requerimento do autor e, ao
mesmo tempo, do ato tal como este sai das mãos da Administração, o que
contribui para uma maior exigência quanto aos pressupostos a observar para que
determinado acto possa ser havido como confirmativo[9]
nos termos do artigo 53º/1 CPTA, reduzindo-se assim as possibilidades de absolvição
do Réu Administração da instância. Assim, a
identidade deve medir-se a final pela substância dos fundamentos do
requerimento do ora autor da acção em vez de apenas pela forma externa do acto
dada pelos respectivos fundamentos (de direito e) de facto, assim sendo
porque (…) a mesma fundamentação administrativa pode perfeitamente servir para dar
cobertura formal a decisões diversas na medida em que respondem a distintos
requerimentos apresentados pelos interessados à Administração[10].
Defende-se, portanto e em alternativa, uma interpretação que permita servir
o propósito de facilitar o contencioso e não de o dificultar, abrindo portas a
que um ato lesivo seja contenciosamente impugnável perante o regime do artigo
53º CPTA.
De iuri condito, porém, a redação do artigo 53º/1 CPTA não permite
este entendimento, uma vez que a identidade dos fundamentos é, como se referiu,
a constante das decisões contidas em atos administrativos anteriores. Na
verdade, a ter de optar por um dos lados, seria preferível tomar em conta
somente os fundamentos apresentados pelos particulares nos requerimentos, uma
vez que estes se encontrem mais próximos da relação material controvertida que
o particular quer tutelada.
Cumpre ainda questionar se existe
alguma hipótese de, apesar de existir uma identidade entre o conteúdo do
primeiro e o conteúdo do segundo ato, o particular pode ainda impugnar este
último ato em determinadas circunstâncias. A resposta a esta questão é-nos dada
pelo artigo 53º/2 CPTA, do qual decorre que o ato confirmativo é impugnável se
o interessado não tenha tido o ónus de
impugnar o ato confirmado porque este não lhe foi notificado ou, no caso de
não ser exigida notificação, perante a falta de publicação. É de notar que, contrariamente
à redação anterior, a circunstância de o interessado ter impugnado o ato
anterior não impede que possa impugnar o acto confirmativo posterior, o que
revela maior benefício para o particular.
Raquel de Lóia Sequeira
(número 24215)
[1] Neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O
Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, pp. 135 e
136.
[2]
Contra, LUIZ CABRAL DE
MONCADA, O acto administrativo
confirmativo; noção e regime jurídico, JURISMAT, Portimão, n.º 5, 2014, pp.
179-199, apontando como argumento o facto do ato confirmativo poder ser
contenciosamente impugnado depois de passado o prazo legal dentro do qual a
Administração não tem o dever de decidir. Ora, podendo ser impugnado é porque é
eficaz e tendo eficácia esta é externa.
[3] Neste sentido, Ac. TCAN
08-03-2012 JOSÉ AUGUSTO ARAÚJO VELOSO.
[4] J. M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, I,
Lisboa, 1982, p. 347.
[5]Neste sido, Ac. TCAN 14-02-2014
ANTERO PIRES SALVADOR, Ac. TCAN 20-04-2012 MARIA DO CÉU DIAS ROSA DAS NEVES.
[6] É o tribunal quem averigua a
identidade de fundamentos.
[7] O acto administrativo confirmativo; noção e regime jurídico, JURISMAT,
Portimão, n.º 5, 2014, pp. 179-199.
[8] MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO
COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código
do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, atualizada, revista e
aumentada, Coimbra, 1997, p.715.
[9] Neste sentido vai também DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo,
III, Lisboa, 1989, pp. 233 e 234, para quem o caráter confirmativo traduz não
apenas uma decisão idêntica à do ato confirmado mas também uma idêntica
fundamentação e iguais circunstâncias ou pressupostos da decisão.
[10] LUIZ CABRAL DE MONCADA, O acto administrativo confirmativo; noção e
regime jurídico, JURISMAT, Portimão, n.º 5, 2014, pp. 179-199.
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