Como sabemos, o processo administrativo não se
desenvolve apenas perante Tribunais Administrativos que integram a estrutura
primária dos tribunais do Estado, desenvolvendo-se igualmente perante tribunais arbitrais. Assim sendo, ao
contrário do que podemos verificar noutros países, a arbitragem sobre litígios administrativos
encontra-se em franca expansão, em parte devido à sua tradição, na ordem
jurídica portuguesa.
O reconhecimento de que se podem constituir
tribunais arbitrais para a resolução de assuntos administrativos, no que concerne
à interpretação, validade ou execução de contratos e à constituição por via da responsabilidade
civil por danos causados pela
Administração no âmbito da sua atividade de gestão pública, é desde há muito
pacífico na nossa ordem jurídica, não vigorando assim em Portugal, uma reserva
de jurisdição estadual, no respeitante aos litígios relacionados com a Administração
Pública.
O art. 209.º da Constituição da República
Portuguesa (CRP), ao estatuir as “categorias de tribunais” admitidas na ordem jurídica
portuguesa, refere no seu n.º2 os tribunais arbitrais, o que nos permite aferir
que a CRP não se limita a assumir a admissibilidade do recurso à arbitragem
como uma forma normal de resolução de conflitos jurídicos, indo mais longe, ao
consagrar, inequivocamente, a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais,
da atividade que estes se propõem a desempenhar e, deste modo, das decisões por
estes proferidas.
Através da conjugação dos arts. 211.º e 212.º/3
verificamos que para o tema em mãos estes têm que ser interpretados em harmonia
com o art. 209.º/2, com o fim de se reconhecer que este só confere poderes de
jurisdição aos Tribunais Administrativos do Estado sob reserva da existência de tribunais arbitrais e, assim sendo, da
possibilidade da sua intervenção, com a extensão que ao legislador cumpre
delimitar no exercício da sua função.
Pelo art. 212.º/3 da CRP, os tribunais administrativos não são, em
Portugal, apenas os tribunais permanentes do Estado, mas também os Tribunais Administrativos
Arbitrais que venham a ser constituídos de modo a resolver litígios jurídico-administrativos.
Cumpre-nos agora verificar o âmbito da arbitragem
administrativa relativamente à Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), sendo que conforme
estabelece o seu art. 2.º/4, “o Estado e outras pessoas coletivas de Direito Público
podem celebrar convenções de arbitragem na medida em que para tal estejam
autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de
direito privado”.
A este propósito, o primeiro aspeto que carece
de análise é o facto de deste preceito resultar claramente a arbitrabilidade
(sendo que este termo tem por objeto exprimir a qualidade dos litígios que
podem ser submetidos a arbitragem, de modo a poderem ser validamente celebradas
convenções de arbitragem, serem constituídos tribunais arbitrais e esses
tribunais proferirem decisões), por aplicação direta do regime da LAV, dos litígios
decorrentes de gestão privada dos
entes públicos, relativas a relações de Direito Privado.
De referir que no diz respeito aos litígios
emergentes de relações jurídicas administrativas, não existe uma norma de
permissão geral da arbitragem em matéria administrativa, dependendo a
concretização de convenções arbitrais da existência de lei que permita a sua
celebração.
Logo, verificamos que daqui resulta que a
admissibilidade da arbitragem em matéria administrativa não resulta do critério
geral de arbitrabilidade que, para os litígios de Direito Privado, resulta do art.
2.º/2 da LAV, sendo que é ao legislador que compete eleger o critério ou
critérios que o orientarão na identificação
dos casos concretos ou dos domínios genéricos em que entenda dever
autorizar a submissão da resolução de litígios de Direito Público à decisão de árbitros.
É ao Direito Administrativo que, em diploma ou
diplomas próprios, cumpre definir um regime próprio no respeitante aos
critérios de arbitrabilidade a adotar no âmbito das relações jurídicas administrativas.
Naturalmente, a LAV não se pronuncia sobre esta questão, cuja sede própria reside
nas disposições de Direito Administrativo.
Até 2004, a matéria da arbitrabilidade de
Direito Administrativo era regulada no art. 2.º/2 do ETAF de 1984, nos termos
do qual só eram admitidos tribunais arbitrais “no domínio do contencioso dos
contratos administrativos e da responsabilidade civil por prejuízos decorrentes
de atos de gestão publica, incluindo o contencioso das ações de regresso”.
Inerente a esta solução, tínhamos o
entendimento de que as matérias de Direito Administrativo passíveis de serem
submetidas à arbitragem deviam ser delimitadas por referência a um vago critério
de disponibilidade, de acordo com o
qual poderiam ser submetidas à resolução por árbitros as questões que, por não respeitarem
ao exercício de poderes públicos, não têm de ser dirimidas por estrita
aplicação de disposições legais.
No âmbito do regime deste artigo, era discutida
na doutrina a questão da admissibilidade da arbitragem sobre o exercício de
poderes de autoridade da Administração. Em conformidade com este critério, era tradicionalmente
vedada a arbitragem no exercício de poderes de autoridade da Administração.
Contudo, havia quem na Doutrina defendesse que mesmo
no âmbito do exercício de poderes de autoridade da Administração, só seria nos domínios
de estrita vinculação legal que as situações jurídicas estariam subtraídas à disponibilidade
da Administração, pelo que seria de admitir a possibilidade de arbitragem sobre
o próprio exercício de poderes e autoridade da Administração, desde que
limitada a domínios de discricionariedade administrativa.
Atualmente, o CPTA regula este tema no Título
VIII, a que correspondem os arts. 180.º a 187.º , existindo agora no nosso
ordenamento jurídico um regime do qual resulta uma permissão genérica, por categorias
de matérias, do recurso à arbitragem em matérias de Direito Administrativo.
Conforme dispõe o n.º1 do presente artigo, pode
ser constituído um tribunal arbitral para o julgamento, tanto de questões relativas
a contratos, como de questões de responsabilidade civil extracontratual da
Administração, incluindo a efetivação do direito de regresso.
Com a revisão de 2015, o art. 180.º/1, b)
estendeu o âmbito da arbitrabilidade às questões respeitantes a “indemnizações
devidas nos termos da lei, no âmbito das relações jurídicas administrativas”,
ainda que estas indemnizações não se fundem na aplicação do instituto da
responsabilidade civil extracontratual.
Concluímos assim que existiu, na arbitragem administrativa
uma mudança de paradigma decorrente da consagração da regra da admissibilidade da
submissão à arbitragem de qualquer litígio no domínio da fiscalização da
legalidade de atos administrativos.
Temos assim uma perspetiva de evolução
introduzida, parcialmente, pelo art. 187.º com a previsão da possibilidade da existência
de arbitragem administrativa institucionalizada
no nosso ordenamento jurídico, tendo primeiramente em visa a abertura da
arbitragem, que o CPTA encetou de modo precursor, à apreciação de litígios sobre
questões de legalidade de atos administrativos, sendo que o Estado pode
reconhecer a centros de arbitragem institucionalizada já existentes a
possibilidade de funcionarem igualmente como centros de arbitragem de litígios de
natureza administrativa, mediante o preenchimento de determinados requisitos.
Bibliografia:
-AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016
Bibliografia:
-AROSO DE ALMEIDA, Mário, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., Almedina, 2016
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.