segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O Silêncio da Administração na Condenação à Prática de Acto Devido



Num Ordenamento Jurídico como o Português que tem uma das linhas fundamentais do sistema o respeito pela democracia seria de esperar que a Relação jurídica estabelecida entre o Estado e os Cidadãos fosse desenvolvida livre de quaisquer percalços. Contudo esse não é o caso, muitas vezes a Administração Pública pode ferir os interesses de um particular, a título incidental ou deliberado, resultando numa quebra de confiança do cidadão na própria Administração, mas este particular não se encontra desprovido de formas de protecção dos actos administrativos sendo que um dos meios ao seu dispor é a condenação da Administração Pública à prática de ato devido.
Este meio configura-se como uma acção administrativa especial, o particular passa a ter uma ferramenta para sindicar junto dos tribunais administrativos a condenação da entidade competente à prática, dentro de determinado prazo, de um ato administrativo que tenha sido ilegalmente omitido ou recusado (artigo 66º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante CPTA).
A Administração vai ser condenada a praticar o ato devido que corresponde ao ato administrativo que, do ponto de vista do autor, deveria ter sido emitido e não foi, pois houve uma omissão, uma recusa ou quando o ato praticado não satisfez a pretensão do autor.

Por conseguinte, condenar a Administração à prática de actos administrativos devidos corresponde à tarefa de julgar e configura situação distinta da circunstância de o tribunal praticar atos em vez da Administração, invadindo o domínio da discricionariedade administrativa, que corresponde à tarefa de administrar. Só neste último caso se pode falar em violação do princípio da separação de poderes. Seguindo a linguagem do Autor, com a consagração deste tipo de ação, assistiu-se à superação dos “traumas da infância difícil do contencioso administrativo”.
A consagração da possibilidade de “interpelar a Administração a cumprir”, obtendo a sua condenação à prática de ato administrativo passou, por conseguinte, a estar prevista na Constituição, permitindo aos particulares ir mais além do que o mero reconhecimento do seu direito.

Concretizando o artigo 268.º n.º 4 da Constituição, o CPTA, nos seus artigos 68.º e seguintes, confere aos tribunais administrativos o poder de procederem à determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos – mais concretamente, à condenação à prática desses actos.
O foco deste ensaio não será a condenação ao ato administrativo devido mas sim o pressuposto do silêncio ou decisão negativa perante o requerimento apresentado, e para tal irei apresentar as várias hipóteses em que o particular pode pedir a condenação da Administração na prática do ato devido tal como se apresentam no artigo 67 nº1.
O primeiro desses casos é o enunciado pela alínea a do nº1 do artigo 67 onde a Administração Pública aquando da apresentação de um requerimento pelo particular para a prática desse ato seguido de uma omissão por parte da Administração, sem que qualquer decisão tenha sido tomada, até expirar o prazo legalmente fixado para a tomada dessa decisão, ou seja o mecanismo em causa tem por alvo as situações de incumprimento por parte da Administração de um dever de decisão que lhe fora incumbido.

Pode-se levantar a questão de saber quando é que se constitui o dever de decisão do órgão competente, cuja resposta encontramos no artigo 13º do Código de Processo Administrativo (CPA), e que nos diz “Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam directamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público”. Sendo que está exonerado deste dever nos casos do 13º nº2 do CPA quando já tenha praticado um ato sobre o mesmo pedido em menos de 2 anos.

Não se colocando a excepção acima enunciada estaríamos perante um caso de “indeferimento tácito”, nos termos do artigo 109º do antigo Código. Contudo este artigo foi revogado, sendo substituído pelos artigos 128 e 129 que dispõe nomeadamente no artigo 128º o prazo legal para a pronúncia da Administração sobre um requerimento que lhe tenha sido solicitado em 90 disse que uma vez expirado, como refere o Professor Mário Aroso de Almeida, confere ao lesado a possibilidade de reagir contra esta inércia administrativa fazendo valer o seu direito em juízo. E no artigo 129º refere que uma vez incumprido o prazo legal estaremos sob um caso de omissão pura e simples (com ressalva aos casos em que a lei associa ao incumprimento do prazo outro efeito).  

É então claro que o regime do artigo 67º nº1 alínea a do CPTA visa dar uma resposta ao interessado que se viu privado de uma decisão da Administração.

Em relação ao segundo meio de tutela, este encontra-se previsto na alínea b do nº1 do artigo 67 do CPTA e que tem por base os casos de indeferimento do requerimento.

Nestes casos quando o particular se veja confrontado com um indeferimento por parte da Assembleia este não terá que deduzir contra esse ato um pedido de anulação ou de declaração de nulidade, como nos explica o Professor Mário Aroso de Almeida. Na verdade não terá que, por via do artigo 51 nº4, deduzir qualquer pedido nesses moldes mas deverá fazê-lo no âmbito do processo de condenação de ato administrativo.
           
Outro caso previsto nesta alínea é o da recusa de apreciação do requerimento por parte da Administração Pública. È de notar que este artigo autonomiza as situações em que o órgão competente profere um ato negativo daquele em que se recusa a apreciar o requerimento de todo. E leva-nos a aprofundar ainda amais a tutela do interessado uma vez que pode fazer valer o seu direitos alegando a inexistência de questões formais e/ou materiais que levem à recusa de apreciação do requerimento.
           
Finalmente resta apreciar a hipótese contida na alínea c e que nos expõe ao caso de a Administração Pública ter praticado um ato administrativo que não satisfaça integralmente a pretensão deduzida pelo autor, caracterizando-se por uma caso de indeferimento parcial. Aqui Mário Aroso de Almeida elabora a ideia de que caso a Administração Pública pratique um ato desfavorável ao interesse do Autor da acção, este último deve ter oportunidade de se poder defender da lesão aos seus interesses e poder finalmente obter o beneficio que procurava da decisão.

Em suma, considero que o particular no âmbito de uma acção de condenação de Contencioso Administrativo se encontra muito bem protegido fruto de regime altamente abrangente do artigo 67º do CPTA que o protege contra o "silêncio" da Administração Pública, e que o fortalece na relação com esse mesmo órgão. 



ALMEIDA, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2016, 2ª edição (reimpressão);
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise, Almedina, 2008.

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