Os Modelos Objectivista e Subjectivista de Justiça Administrativa
O Professor Vasco Pereira da Silva, ao analisar a evolução histórica do contencioso administrativo, subdivide-a, muito ao seu estilo psicanalítico, em três fases distintas: a fase do pecado original (que tem o seu início com a revolução francesa, em 1789, e dura até à transição do século XIX para o século XX); a fase do baptismo (que vai durar até aos anos 70); e, finalmente, a fase do crisma ou fase da confirmação, que o Professor subdivide em dois momentos: a fase da constitucionalização, e a fase da europeização (que tem início nos anos 90, com a formação da União Europeia).
Ao analisar estas fases, verificamos que o Contencioso Administrativo nasceu e fez-se de acordo com a concepção objectivista de justiça administrativa, mas que foi progredindo ao encontro da concepção subjectivista de justiça administrativa, sendo que hoje nos encontramos perante um modelo subjectivista impuro de justiça administrativa, já que ainda subsistem vincadas marcas objectivistas neste ramo de Direito.
Passaremos à análise da diferenciação entre estas duas concepções de justiça administrativa.
A principal distinção entre estes dois modelos reside na visão que têm da função do contencioso administrativo: enquanto o modelo objectivista, mais autoritário, fundado no pensamento do Estado liberal “forte” defende que o contencioso administrativo deve ter como principal função a defesa da legalidade e do interesse público, submetendo os interesses individuais ao interesse das massas; o modelo subjectivista coloca a tutela dos dos direitos e posições jurídicas individualizadas dos particulares no centro da função do contencioso administrativo, já que são os particulares, em virtude de não possuírem o ius imperii do Estado, a parte mais fraca, que necessita de ser justamente tutelada para assegurar o interesse público.
No que diz respeito ao objecto do processo, a concepção objectivista da justiça administrativa considera que este se centra no acto administrativo ou na legitimidade do exercício do poder administrativo; enquanto a concepção subjectivista entende que o objecto do processo deve ser a lesão das posições jurídicas subjectivas dos interessados.
Quanto à entidade competente para o controlo da aplicação da justiça administrativa surge um dos mais reveladores pontos de discórdia destes dois modelos: o modelo objectivista vai defender que esta deve ser uma autoridade administrativa, na linha da fundação do Contencioso Administrativo, manifestação do grande pecado original: o administrador-juiz; enquanto o modelo subjectivista vai defender que quem deve controlar a aplicação da justiça administrativa deve ser um juiz propriamente dito, ou seja, independente da Administração Pública. Este grande ponto de discórdia surge de uma grande divergência quanto ao princípio da separação de poderes: já que na revolução francesa, com a fundação do contencioso administrativo, entendeu-se, de acordo com a concepção objectivista, que quem iria aplicar a justiça administrativa deveria integrar a Administração, considerando-se que uma intervenção do poder judicial sobre o poder executivo seria uma violação inaceitável do princípio da separação de poderes. Hoje, porém, e ao encontro da concepção objectivista, que a aplicação de toda a justiça deve pertencer ao poder judicial, e que isso não prejudica a separação de poderes, mas é seu pressuposto, também para assegurar o sistema de checks and balances que este princípio pretende proteger.
Assim sendo, os objectivistas considerariam que o juiz-administrador teria pouco mais poder na aplicação da justiça administrativa para além de determinar a anulação de actos administrativos ilegais; enquanto os objectivistas atribuem plena jurisdição ao juiz que aplica a justiça administrativa.
Em suma, podemos concluir que a concepção objectivista da justiça administrativa tem uma visão mais estrita desta, absolutamente ligada ao princípio da legalidade, sobrepondo o interesse público ao interesse dos particulares e a eficácia executiva de uma administração que se controla a si própria às posições jurídicas subjectivas dos particulares. Já a concepção subjectivista coloca a pessoa humana no centro da justiça administrativa, reconhecendo que a melhor prossecução do interesse público reside na garantia da tutela dos direitos e posições jurídicas subjectivas dos particulares.
Bibliografia:
José Carlos Vieira de Andrade, "A Justiça Administrativa", Almedina, 15ª edição;
Vasco Pereira da Silva, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise", Almedina, 2ª edição;
Vasco Pereira da Silva, "Em Busca do Acto Administrativo Perdido", Almedina, Coimbra, 1996.
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