domingo, 18 de dezembro de 2016

Da Ação Administrativa

1.     Breves referências introdutórias
             A unificação dos meios processuais principais declarativos, operada pela reforma do Contencioso Administrativo de 2015, é um fenómeno inovador para esta área do Direito. Aliás o desaparecimento da dicotomia entre a ação administrativa comum e ação administrativa especial representa uma das principais inovações da reforma.


2.     Tutela declarativa, cautelar e executiva
            Tal como em processo civil, o ponto de partida para o estudo do processo administrativo reside na distinção fun­­damental que separa, por um lado, os pro­ces­sos declarativos dos processos executivos e, por outro lado, os processos princi­pais dos processos cau­­telares.
a)  No que se refere à primeira das distinções, os pro­ces­sos de­­cla­ra­tivos diri­gem-se à declaração do Direito, à resolução dos litígios através da pro­cla­­ma­ção, pelo tribunal, da solução que o Direito estabelece para as situações con­cre­tas que são sub­me­tidas a julgamento. Por norma, os pro­ces­sos executivos existem, por seu turno, para obter do tribunal a adoção das provi­dên­cias materiais que con­cre­tizem, no pla­no dos factos, aquilo que foi juri­dicamente declarado pelo tribunal no pro­ces­so de­clarativo (ou que, em todo o caso, consta de outro título que a lei reconhece como executivo), adequando os factos ao Di­reito, a situação que existe àquela que, se­gun­do as normas, deve existir.
O processo declarativo é, portanto, desencadeado para que o tribunal diga o Direito, atra­vés da emissão de uma sentença; o processo executivo é desencadeado pa­­ra que o tribunal execute o Direito, através da adoção, pelo próprio juiz, por funcionários judiciais ou por outras en­ti­da­des colocadas ao serviço do tribunal, de providências concretas que co­loquem a situa­ção de facto que existe em conformidade com o Direito que foi de­cla­rado. No pro­ces­so declarativo, o tribunal profere uma decisão; no processo exe­cu­ti­vo, o tribunal adota pro­­vi­dên­cias que dão execução coativa à decisão ou que cons­tran­gem o obrigado a cum­prir o que foi determinado por sentença (ou por outro título com força executiva).
No processo administrativo, a distinção é claramente assumida na medida em que, após ter regulado os processos declarativos (em primeira instância, nos artigos 35º a 111º) e os processos cautelares (nos artigos 112º a 134º), o CPTA dedica um Tí­tulo específico, o Título VIII (artigos 157º a 179º), aos processos executivos.
b)  No que se refere à segunda das distinções enunciadas, entre processos principais e processos cautelares, ela pode ser genericamente traça­da da se­guinte forma: uma coi­sa é um processo declarativo principal, em que o autor exer­ce o seu di­­reito de ação, com vista a ob­ter uma pronúncia que, dizendo o Direito, proporcione a tutela declarativa ade­­qua­da à situação ju­rí­di­ca que o le­vou a dirigir-se ao tribunal;  outra diferente, é o pro­ces­so cau­­te­lar, em que o au­tor pede ao tribunal uma pro­vi­dên­cia destinada a im­pe­dir que, du­ran­te a pen­dên­cia do processo principal, a situação de facto se altere em termos passíveis de pôr em pe­rigo a uti­lidade da decisão que na­que­le pro­cesso se pretende ver proferida.
O processo cautelar não possui au­tonomia, funcionando como um mo­men­to pre­li­mi­nar ou como um incidente do pro­ces­so principal, cujo efeito útil visa asse­gurar e, portanto, ao serviço do qual se encontra. Desde logo por este motivo, a tramitação dos processos cau­te­lares obedece a um modelo es­pecífico que a lei regula em separado, por confronto com as formas de processo que esta­be­lece para os processos principais. Por outro lado, os pro­ces­sos cautelares tendem a obe­de­cer a uma estrutura sim­pli­fi­ca­da, que os adeque à urgên­cia com que devem ser decididos.
Como resulta dos termos da distinção enunciada, os pro­ces­sos declarativos têm precedência lógica sobre os pro­­­­ces­sos exe­cutivos. Com efeito, na maioria das situações, o processo executivo é de­sen­ca­­­deado na sequência de um processo declarativo, com vista a tentar obter a concretização, no pla­­no dos factos, do que, no processo declarativo, o juiz de­ci­diu no plano do Direito.
Por outro lado, há que referir os três traços típicos dos processos cautelares em relação aos processos (declarativos) principais:
Ø  A falta de autonomia e, portanto, a instrumentalidade;
Ø  A subsidiariedade;
Ø  A sumariedade.

3.     Entre nós, o Código de Processo Administrativo regulou os seguintes meios processuais:
Ø  A ação administrativa comum (artigos 37º e ss.);
Ø  A ação administrativa especial (artigos 46º e ss.);
Ø  Os processos urgentes: do contencioso eleitoral (artigos 97º ss.), do contencioso pré-contratual (artigos 100º e ss.) e das intimações- para a prestação de informações e a consulta de processos ou a passagem de certidões (artigos 104º e ss.), para a proteção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º e ss.);
·         Os processos cautelares (artigos 112º e ss.);
·         E o processo executivo (artigos 157º e ss.).


3.1.                     Antes da reforma de 2015
            Antes da reforma de 2015 havia uma dualidade de meios no que diz respeito ao processo não urgente e contrapunha a ação administrativa comum e ação administrativa especial, e tal resultava dos artigos 37º e ss. e 46º e ss., do CPTA.
            Nos termos do artigo 37º/2 CPTA a ação administrativa comum era aplicável a todos os litígios sujeitos à jurisdição Administrativa relativamente aos quais não havia uma expressa regulação quer no CPTA quer em legislação avulsa, designadamente na ação administrativa especial ou em processo urgente. A delimitação do objeto do processo era feita pela negativa.
            Estão sujeitos ao regime da ação administrativa comum, nomeadamente, as seguintes situações: as de reconhecimento, alíneas a) e b); ações impositivas ou inibitórias, alínea c); ações de restabelecimento, alínea d); ações de prestação, alínea e); ou então as chamadas ações tradicionais, que são as ações relativas aos contratos ou responsabilidade civil, constantes nas alíneas h) e f) respetivamente; todos do nº2 do artigo 37º do CPTA.
            Por seu turno, no que diz respeito à ação administrativa especial, correspondem essencialmente a pretensões emergentes da prática ou da omissão de atos administrativos ou de disposições normativas de Direito Administrativo: é o que nos dizia o artigo 46º/1 do CPTA. No fundo, a ação administrativa especial dirigia-se essencialmente às seguintes situações:
i)                   impugnação de atos administrativos;
ii)                  condenação à prática do ato devido;
iii)                ações relativas a normas.
O elenco das situações abarcadas pela ação administrativa especial constava do nº2 do artigo 46ºCPTA.
     A ideia de existência de um modelo dualista, no que concerne aos meios processuais principais, era defendido pelo professor Sérvulo Correia, justificando que “em nome da diversa natureza das relações jurídicas que se identifica (vam) nos contenciosos administrativos “por natureza” (objeto de ação administrativa especial) e “por atribuição” (objeto de ação administrativa comum)”.  E quanto à ideia de unificação, o professor considerava que seria uma solução inconveniente argumentando que “as especificidades das relações jurídicas administrativas reclamam um quadro processual próprio”.
     Contra a manutenção deste modelo dualista operada pela reforma do contencioso administrativo de 2002/2004 pronunciou-se o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva sustentando que se trata de “uma perceção obsoleta do Direito Administrativo”.


3.2.                     A reforma do Contencioso de 2015
A reforma de 2015 veio colocar fim a este modelo dualista. Todavia admitimos que, ainda assim, continua a existir  “resquícios” das antigas ações administrativas, quer comum quer especial.
     Do modelo dualista mantido pela reforma de 2002/2004 temos agora um modelo unitário, outrora rejeitado. Contudo o artigo 37º do CPTA, com a nova redação, vem mostrar que a questão é mais formal do que substancial. O nº1 do referido artigo, nas suas várias alíneas, dá indícios do não desaparecimento total do modelo dualista. Veja-se, a título exemplificativo: como exemplo da ação administrativa especial temos as seguintes alíneas, a), b), c) ou d) ou como exemplos da ação administrativa comum temos as alíneas g), h), i) ou j), todos do nº1 do artigo 37 CPTA. Contudo, apesar do não desaparecimento total das situações repartidas entre a ação administrativa comum e ação administrativa especial, a unificação tem enormes vantagens: desde logo pelo facto de haver um único meio processual principal.


3.3.                    “Todo o processo administrativo se tornou de plena jurisdição”
Apesar de vigorar um único meio, não deixa de haver subdivisão: tal situação entende-se pelo facto de haver diferentes situações que estão na base da instauração da ação. O critério utilizado é um critério, segundo o professor Vasco Pereira da Silva, substantivo e não um critério processual. Nesta medida o professor refere que havendo regras diferentes dentro da ação Administrativa consoante o que se quer impugnar, porque não então consagrar uma ação para cada pedido?
     A consagração deste modelo constitucional de Contencioso Administrativo, por meio do artigo 268º/4 CRP, reveste-se de uma grande importância teórica e prática.
     Do lado da importância teórica, está a superação definitiva dos “velhos traumas” da “infância difícil” do contencioso administrativo, que remontam aos tempos do administrador-juíz. Doravante, passa-se a considerar que os tribunais administrativos são verdadeiros e próprios tribunais, pelo que os efeitos das suas sentenças não possuem qualquer limitação, antes devem ter por critério e medida a plenitude e a efetividade de direitos dos particulares necessitados de tutela.
No que toca à importância prática, verifica-se que para a garantia do direito fundamental de acesso à justiça administrativa, é necessário um Processo Administrativo que faça corresponder a cada direito do particular um adequado meio de defesa em juízo, independentemente de estar em causa uma tutela cautelar, um processo declarativo, ou um processo executivo.


Em suma…
Partilhamos da mesma opinião do Sr. Professor Vasco Pereira da Silva, que considera que a existência da “denominação de ação administrativa especial é ainda infeliz”. Para o autor, está-se perante um fenómeno de “troca de nomes”  ou “troca de identidades”, já que a ação comum, no sentido de ação mais frequente e de ação mais característica do Contencioso Administrativo, é efetivamente, a denominada ação administrativa especial.


Bibliografia:
Ø  A Reforma do Contencioso Administrativo, Volume I: O Debate Universitário (Trabalhos Preparatórios), Coimbra Editora, 2003.
Ø  José Carlos Vieira de Andrade: A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Almedina, 2015. · José Manuel Sérvulo Correia: Direito do Contencioso Administrativo I, Lex, Lisboa, 2005.
Ø  Mário Aroso de Almeida: O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição Revista e Actualizada, Almedina, 2004.
Ø  Vasco Pereira da Silva: O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 3ª edição, Almedina, 2009.







Helena Lopes Semedo    Nº22215  Subturma:9

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