Da Ação Administrativa
1.
Breves
referências introdutórias
A unificação dos meios processuais principais
declarativos, operada pela reforma do Contencioso Administrativo de 2015, é um
fenómeno inovador para esta área do Direito. Aliás o desaparecimento da
dicotomia entre a ação administrativa comum e ação administrativa especial
representa uma das principais inovações da reforma.
2.
Tutela declarativa, cautelar e executiva
Tal como em processo civil, o ponto de partida para o
estudo do processo administrativo reside na distinção fundamental que separa,
por um lado, os processos declarativos dos
processos executivos e, por outro
lado, os processos principais dos processos cautelares.
a)
No que se refere à primeira das
distinções, os processos declarativos
dirigem-se à declaração do Direito, à resolução dos litígios através da proclamação,
pelo tribunal, da solução que o Direito estabelece para as situações concretas
que são submetidas a julgamento. Por norma, os processos executivos existem, por seu turno, para obter do
tribunal a adoção das providências materiais que concretizem, no plano dos
factos, aquilo que foi juridicamente declarado pelo tribunal no processo declarativo
(ou que, em todo o caso, consta de outro título que a lei reconhece como
executivo), adequando os factos ao Direito, a situação que existe àquela que,
segundo as normas, deve existir.
O
processo declarativo é, portanto, desencadeado para que o tribunal diga o Direito, através da emissão de
uma sentença; o processo executivo é desencadeado para que o tribunal execute o Direito, através da adoção,
pelo próprio juiz, por funcionários judiciais ou por outras entidades
colocadas ao serviço do tribunal, de providências concretas que coloquem a
situação de facto que existe em conformidade com o Direito que foi declarado.
No processo declarativo, o tribunal profere uma decisão; no processo executivo,
o tribunal adota providências que dão execução coativa à decisão ou que
constrangem o obrigado a cumprir o que foi determinado por sentença (ou por
outro título com força executiva).
No
processo administrativo, a distinção é claramente assumida na medida em que,
após ter regulado os processos declarativos (em primeira instância, nos artigos
35º a 111º) e os processos cautelares (nos artigos 112º a 134º), o CPTA dedica
um Título específico, o Título VIII (artigos 157º a 179º), aos processos
executivos.
b)
No que se refere à segunda das
distinções enunciadas, entre processos
principais e processos cautelares,
ela pode ser genericamente traçada da seguinte forma: uma coisa é um
processo declarativo principal, em que o autor exerce o seu direito de ação,
com vista a obter uma pronúncia que, dizendo o Direito, proporcione a tutela
declarativa adequada à situação jurídica que o levou a dirigir-se ao
tribunal; outra diferente, é o processo
cautelar, em que o autor pede ao tribunal uma providência destinada a impedir
que, durante a pendência do processo principal, a situação de facto se
altere em termos passíveis de pôr em perigo a utilidade da decisão que naquele
processo se pretende ver proferida.
O
processo cautelar não possui autonomia, funcionando como um momento preliminar
ou como um incidente do processo principal, cujo efeito útil visa assegurar
e, portanto, ao serviço do qual se encontra. Desde logo por este motivo, a
tramitação dos processos cautelares obedece a um modelo específico que a lei
regula em separado, por confronto com as formas de processo que estabelece
para os processos principais. Por outro lado, os processos cautelares tendem
a obedecer a uma estrutura simplificada, que os adeque à urgência com
que devem ser decididos.
Como
resulta dos termos da distinção enunciada, os processos declarativos têm
precedência lógica sobre os processos executivos. Com efeito, na maioria
das situações, o processo executivo é desencadeado na sequência de um
processo declarativo, com vista a tentar obter a concretização, no plano dos
factos, do que, no processo declarativo, o juiz decidiu no plano do Direito.
Por outro lado, há que
referir os três traços típicos dos processos cautelares em relação aos processos
(declarativos) principais:
Ø A
falta de autonomia e, portanto, a instrumentalidade;
Ø A
subsidiariedade;
Ø A
sumariedade.
3.
Entre
nós, o Código de Processo Administrativo regulou os seguintes meios
processuais:
Ø A
ação administrativa comum (artigos 37º e ss.);
Ø A
ação administrativa especial (artigos 46º e ss.);
Ø Os
processos urgentes: do contencioso eleitoral (artigos 97º ss.), do contencioso
pré-contratual (artigos 100º e ss.) e das intimações- para a prestação de
informações e a consulta de processos ou a passagem de certidões (artigos 104º e
ss.), para a proteção de direitos, liberdades e garantias (artigos 109º e ss.);
·
Os processos cautelares (artigos 112º e
ss.);
·
E o processo executivo (artigos 157º e
ss.).
3.1.
Antes da reforma de 2015
Antes da reforma de 2015 havia uma dualidade de meios no
que diz respeito ao processo não urgente e contrapunha a ação administrativa
comum e ação administrativa especial, e tal resultava dos artigos 37º e ss. e
46º e ss., do CPTA.
Nos termos do artigo 37º/2 CPTA a ação administrativa
comum era aplicável a todos os litígios sujeitos à jurisdição Administrativa
relativamente aos quais não havia uma expressa regulação quer no CPTA quer em
legislação avulsa, designadamente na ação administrativa especial ou em
processo urgente. A delimitação do objeto do processo era feita pela negativa.
Estão sujeitos ao regime da ação administrativa comum,
nomeadamente, as seguintes situações: as de reconhecimento, alíneas a) e b); ações
impositivas ou inibitórias, alínea c); ações de restabelecimento, alínea d); ações
de prestação, alínea e); ou então as chamadas ações tradicionais, que são as
ações relativas aos contratos ou responsabilidade civil, constantes nas alíneas
h) e f) respetivamente; todos do nº2 do artigo 37º do CPTA.
Por seu turno, no que diz respeito à ação administrativa
especial, correspondem essencialmente a pretensões emergentes da prática ou da
omissão de atos administrativos ou de disposições normativas de Direito
Administrativo: é o que nos dizia o artigo 46º/1 do CPTA. No fundo, a ação
administrativa especial dirigia-se essencialmente às seguintes situações:
i)
impugnação de atos administrativos;
ii)
condenação à prática do ato devido;
iii)
ações
relativas a normas.
O
elenco das situações abarcadas pela ação administrativa especial constava do
nº2 do artigo 46ºCPTA.
A
ideia de existência de um modelo dualista, no que concerne aos meios
processuais principais, era defendido pelo professor Sérvulo Correia,
justificando que “em nome da diversa natureza das relações jurídicas que se
identifica (vam) nos contenciosos administrativos “por natureza” (objeto de ação
administrativa especial) e “por atribuição” (objeto de ação administrativa comum)”.
E quanto à ideia de unificação, o
professor considerava que seria uma solução inconveniente argumentando que “as
especificidades das relações jurídicas administrativas reclamam um quadro
processual próprio”.
Contra
a manutenção deste modelo dualista operada pela reforma do contencioso
administrativo de 2002/2004 pronunciou-se o Sr. Professor Vasco Pereira da
Silva sustentando que se trata de “uma perceção obsoleta do Direito
Administrativo”.
3.2.
A reforma do Contencioso de 2015
A reforma de 2015 veio colocar fim a este
modelo dualista. Todavia admitimos que, ainda assim, continua a existir “resquícios” das antigas ações
administrativas, quer comum quer especial.
Do
modelo dualista mantido pela reforma de 2002/2004 temos agora um modelo
unitário, outrora rejeitado. Contudo o artigo 37º do CPTA, com a nova redação,
vem mostrar que a questão é mais formal do que substancial. O nº1 do referido
artigo, nas suas várias alíneas, dá indícios do não desaparecimento total do
modelo dualista. Veja-se, a título exemplificativo: como exemplo da ação
administrativa especial temos as seguintes alíneas, a), b), c) ou d) ou como
exemplos da ação administrativa comum temos as alíneas g), h), i) ou j), todos
do nº1 do artigo 37 CPTA. Contudo, apesar do não desaparecimento total das
situações repartidas entre a ação administrativa comum e ação administrativa
especial, a unificação tem enormes vantagens: desde logo pelo facto de haver um
único meio processual principal.
3.3.
“Todo o processo administrativo se
tornou de plena jurisdição”
Apesar de vigorar um único meio, não deixa
de haver subdivisão: tal situação entende-se pelo facto de haver diferentes
situações que estão na base da instauração da ação. O critério utilizado é um
critério, segundo o professor Vasco Pereira da Silva, substantivo e não um
critério processual. Nesta medida o professor refere que havendo regras
diferentes dentro da ação Administrativa consoante o que se quer impugnar, porque
não então consagrar uma ação para cada pedido?
A
consagração deste modelo constitucional de Contencioso Administrativo, por meio
do artigo 268º/4 CRP, reveste-se de uma grande importância teórica e prática.
Do
lado da importância teórica, está a superação definitiva dos “velhos traumas”
da “infância difícil” do contencioso administrativo, que remontam aos tempos do
administrador-juíz. Doravante, passa-se a considerar que os tribunais
administrativos são verdadeiros e próprios tribunais, pelo que os efeitos das
suas sentenças não possuem qualquer limitação, antes devem ter por critério e
medida a plenitude e a efetividade de direitos dos particulares necessitados de
tutela.
No que toca à importância prática,
verifica-se que para a garantia do direito fundamental de acesso à justiça
administrativa, é necessário um Processo Administrativo que faça corresponder a
cada direito do particular um adequado meio de defesa em juízo,
independentemente de estar em causa uma tutela cautelar, um processo
declarativo, ou um processo executivo.
Em
suma…
Partilhamos da mesma
opinião do Sr. Professor Vasco Pereira da Silva, que considera que a existência
da “denominação de ação administrativa
especial é ainda infeliz”. Para o autor,
está-se perante um fenómeno de “troca
de nomes” ou “troca de identidades”, já que a ação comum, no sentido de ação
mais frequente e de ação mais característica do Contencioso Administrativo, é
efetivamente, a denominada ação administrativa especial.
Bibliografia:
Ø A
Reforma do Contencioso Administrativo, Volume I: O Debate Universitário
(Trabalhos Preparatórios), Coimbra Editora, 2003.
Ø José
Carlos Vieira de Andrade: A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição,
Almedina, 2015. ·
José Manuel Sérvulo Correia: Direito do Contencioso Administrativo I, Lex,
Lisboa, 2005.
Ø Mário
Aroso de Almeida: O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª
edição Revista e Actualizada, Almedina, 2004.
Ø Vasco
Pereira da Silva: O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 3ª
edição, Almedina, 2009.
Helena Lopes
Semedo Nº22215 Subturma:9
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