A evolução da tutela cautelar no quadro dos
procedimentos de direito público de formação de contratos foi significativa nos
últimos 30 anos. Relevantes para a tutela cautelar de contratação são os
períodos entre 1985 e 1998; após 1998; com a entrada do CPTA e mais tarde com a
Lei nº4-A/2003, de 19/2, sendo que assim se manteve até à recente reforma de
2015, introduzida pelo DL nº214-G/2015, de 2/10.
As alterações de 2015 sobre este tema foram
significativas. Tais mudanças devem-se, a juízos politico-legislativos das
instâncias legislativas nacionais mediante a necessidade de transposição das
chamadas Directivas Recursos. No preâmbulo do DL nº214-G/2015, pode ler-se que
“o aspecto mais relevante reside (…) no
novo artigo 103º-A, que, no propósito de proceder finalmente à transposição das
Directivas Recursos, associa um efeito suspensivo automático à impugnação dos
actos de adjudicação e introduz um regime inovador de adopção de medidas
provisórias no âmbito do próprio processo do contencioso pré-contratual”.
Há, portanto, em primeiro lugar, que distinguir dois
tipos de contratos: as encomendas públicas (contratos
do catálogo) e as concessões administrativas de obras e serviços públicos (contratos fora do catálogo).
Relativamente aos primeiros, a tutela provisória ou cautelar desenvolve-se num
contexto de incidente, que corre termos no próprio processo principal, não
havendo, portanto, um processo cautelar, mas momentos de natureza provisória
enxertados no processo declarativo (103º-A e 103º-B). Sobre os segundos (contratos fora do catálogo) dispõe o
artigo 132º. Importa ainda referir que dentro dos procedimentos de formação de contratos do catálogo, há que distinguir
entre a impugnação dos actos de adjudicação e a impugnação de outros actos ou
formulação de outros pedidos. A tutela provisória nos processos de contencioso
pré-contratual que não tenham por objecto a impugnação da adjudicação vem
regulada no 103º-B, sendo que no 103º-A, cabem os processos que tenham por
objecto a impugnação de actos desses.
Debruçar-nos-emos sobre o regime da
tutela provisória associada à impugnação de actos de adjudicação.
De acordo com o 103.º-A/1 do CPTA, “a impugnação de actos de adjudicação no
âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os
efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido
celebrado”. Ou seja, este preceito vem instituir a produção ope legis de um efeito suspensivo
associado à impugnação da adjudicação. Note-se que não é o facto de a
adjudicação provocar o efeito legal suspensivo, mas a citação da entidade
demandada e do ou dos demais contra-interessados. Sendo que só neste momento
fica constituída a obrigação legal de não dar sequência à adjudicação. No
entanto o que haja ocorrido até este momento deve ter-se como legitimamente
feito.
Esta solução legal representa, de certa maneira, uma
prevalência dos interesses cautelares ou provisórios do demandante sobre os
interesses do adjudicatário. RODRIGO
ESTEVES DE OLIVEIRA[1]
defende que a solução consagrada apresenta um equilíbrio possível e justo dos interesses implicados na relação
triangular constituída pela adjudicação. Tem-se entendido que nos
procedimentos de contratação pública estão em jogo interesses[2]
que de certa forma transcendem os interesses das partes, como o da
transparência do “mercado da contratação pública” e o da estabilidade das
relações contratuais nele constituídas.
As entidades adjudicantes não têm a possibilidade de
proferirem uma resolução fundamentada para superar o efeito suspensivo
automático, que só pode ser levantado por decisão judicial (103º-A/4). Sendo o
prazo de decisão curto (nº3 do artigo cit.),
levanta o problema de saber se a entidade adjudicante dispõe de um mecanismo
que lhe permita a satisfação do interesse público em causa antes da referida
decisão judicial. Entende-se então que quando haja um caso de necessidade
administrativa ou de urgência imperiosa de interesse público a entidade adjudicante
poderá, desde logo, ponderar a eventual prorrogação (fundamentada na cláusula das circunstâncias
imprevisíveis) de um contrato que tenha com um contratante, o que irá permitir
a continuação da obtenção de um “bem” até à decisão sobre o levantamento do
mérito da causa.
Refira-se que quando no processo se formulem vários
pedidos, em cumulação, é possível que haja vários “incidentes provisórios”, um
associado à adjudicação, que correrá termos segundo o regime do 103º-A, e outro
relativo ao outro pedido principal, que correrá termos segundo o regime do
103.º-B.
No caso de haver suspensão dos efeitos da adjudicação
ou do contrato, o artigo 103º-A/2 diz-nos que a “entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o
levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do
acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de
consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses
envolvidos”. No seu nº3 estabelece que, “o
demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz
decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia
apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação”. Mas agora
pergunta-se: e qual é o prazo dentro da qual deve ser apresentada, pela
entidade demandada e contra-interessados o pedido de levantamento suspensivo?
Parece-nos que o silêncio do legislador se reporta a não dependência de prazo,
que por si só levantaria diversos problemas.
O final do preceito do artigo 103º-A/2 remete-nos para
a aplicação do critério previsto no artigo 120º/2. Ou seja, faz-se depender a
manutenção ou levantamento do efeito suspensivo de um juízo de ponderação de
interesses, sendo feita uma um balanço entre os danos com a manutenção e os
danos de levantamento. Em que os primeiros devem ser superiores aos segundos
para levantamento do efeito suspensivo. Se ambos, após ponderação, forem equivalentes,
o Tribunal não deve levantar o efeito suspensivo. Cabe ainda analisar, se na
ponderação de interesses, pode o Tribunal atender aos danos dessa gravidade do
lado da entidade demandada ou dos contra-interessados. Veja-se que os
demandados não têm que provar o preenchimento dos requisitos do 103º-A/2, mas
apenas que os danos que resultam da manutenção de tal efeito suspensivo são
superiores aos que resultam do seu levantamento. Sugere-se, portanto, que se
faça uma leitura do artigo 128º do CPTA que consagra uma solução próxima à que
foi referida. Conclui-se que a análise dos artigos não nos permite retirar uma
solução para quais as espécies de danos atendíveis do lado do demandante.
Esta tutela cautelar destina-se a garantir o efeito
útil da decisão a proferir no processo principal, efeito que nestes casos está
associado à pretensão de o demandante vir a ser o adjudicatário e executar o
contrato (103º-B).
Veja-se ainda o artigo 103º-A/4, que nos diz que “o efeito suspensivo é
levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os
danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores
aos que podem resultar do seu levantamento”.
Após a sua leitura, poucas respostas concretas nos são dadas sobre o critério
da decisão sobre o levantamento.
Como os contratos que a
Administração Pública visa celebrar através do procedimento pré-contratual se
destinam sempre à satisfação de uma determinada necessidade colectiva, à
prossecução de um fim de interesse público, a lei não impõe um decretamento
automático das providências cautelares apenas por terem sido requeridas
no âmbito pré-contratual, a nossa jurisprudência tem invariavelmente caído no
extremo oposto[3].
Refira-se que os procedimentos pré-contratuais são fonte de forte
litigiosidade, tanto mais intensa quanto mais acentuado é o cenário de crise
económica e financeira, sendo, portanto, um ponto importante a ser discutido.
Rita Isabel Mendonça Leandro
Nº 21920
Bibliografia:
PAULO
PEREIRA GOUVEIA, “Meios cautelares hoje e amanhã”, CJA, n.
º94
MARCO
CALDEIRA, “As providências cautelares pré-contratuais
no projecto de revisão do CPTA”, E-Pública, nº2, 2014
RODRIGO
ESTEVES DE OLIVEIRA
“A tutela “cautelar” ou provisória
associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, CJA, nº115,
2016
MIGUEL PRATA ROQUE, “Reflexões
sobre a Reforma da Tutela Cautelar Administrativa”, Almedina, Coimbra, 2005
LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, “A Ciência Jurídica
Administrativa”, Almedina, Coimbra, 2012
[1] RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA “A
tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de
contratos públicos”, CJA, nº115, 2016
[2] Critério de ponderação de
interesses que não é só mantido como sai reforçado, em virtude da revogação do
120º/1, a) do CPTA.
[3] MARCO CALDEIRA, “As providências cautelares pré-contratuais no projecto de revisão do
CPTA”, E-Pública, nº2, 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.