domingo, 18 de dezembro de 2016

A Tutela Cautelar (ou natureza similar?) associada à impugnação da Adjudicação de Contratos Públicos

A evolução da tutela cautelar no quadro dos procedimentos de direito público de formação de contratos foi significativa nos últimos 30 anos. Relevantes para a tutela cautelar de contratação são os períodos entre 1985 e 1998; após 1998; com a entrada do CPTA e mais tarde com a Lei nº4-A/2003, de 19/2, sendo que assim se manteve até à recente reforma de 2015, introduzida pelo DL nº214-G/2015, de 2/10.

As alterações de 2015 sobre este tema foram significativas. Tais mudanças devem-se, a juízos politico-legislativos das instâncias legislativas nacionais mediante a necessidade de transposição das chamadas Directivas Recursos. No preâmbulo do DL nº214-G/2015, pode ler-se que “o aspecto mais relevante reside (…) no novo artigo 103º-A, que, no propósito de proceder finalmente à transposição das Directivas Recursos, associa um efeito suspensivo automático à impugnação dos actos de adjudicação e introduz um regime inovador de adopção de medidas provisórias no âmbito do próprio processo do contencioso pré-contratual”.

Há, portanto, em primeiro lugar, que distinguir dois tipos de contratos: as encomendas públicas (contratos do catálogo) e as concessões administrativas de obras e serviços públicos (contratos fora do catálogo). Relativamente aos primeiros, a tutela provisória ou cautelar desenvolve-se num contexto de incidente, que corre termos no próprio processo principal, não havendo, portanto, um processo cautelar, mas momentos de natureza provisória enxertados no processo declarativo (103º-A e 103º-B). Sobre os segundos (contratos fora do catálogo) dispõe o artigo 132º. Importa ainda referir que dentro dos procedimentos de formação de contratos do catálogo, há que distinguir entre a impugnação dos actos de adjudicação e a impugnação de outros actos ou formulação de outros pedidos. A tutela provisória nos processos de contencioso pré-contratual que não tenham por objecto a impugnação da adjudicação vem regulada no 103º-B, sendo que no 103º-A, cabem os processos que tenham por objecto a impugnação de actos desses.
            Debruçar-nos-emos sobre o regime da tutela provisória associada à impugnação de actos de adjudicação.

De acordo com o 103.º-A/1 do CPTA, “a impugnação de actos de adjudicação no âmbito do contencioso pré-contratual urgente faz suspender automaticamente os efeitos do acto impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado”. Ou seja, este preceito vem instituir a produção ope legis de um efeito suspensivo associado à impugnação da adjudicação. Note-se que não é o facto de a adjudicação provocar o efeito legal suspensivo, mas a citação da entidade demandada e do ou dos demais contra-interessados. Sendo que só neste momento fica constituída a obrigação legal de não dar sequência à adjudicação. No entanto o que haja ocorrido até este momento deve ter-se como legitimamente feito.
Esta solução legal representa, de certa maneira, uma prevalência dos interesses cautelares ou provisórios do demandante sobre os interesses do adjudicatário. RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA[1] defende que a solução consagrada apresenta um equilíbrio possível e justo dos interesses implicados na relação triangular constituída pela adjudicação. Tem-se entendido que nos procedimentos de contratação pública estão em jogo interesses[2] que de certa forma transcendem os interesses das partes, como o da transparência do “mercado da contratação pública” e o da estabilidade das relações contratuais nele constituídas.
As entidades adjudicantes não têm a possibilidade de proferirem uma resolução fundamentada para superar o efeito suspensivo automático, que só pode ser levantado por decisão judicial (103º-A/4). Sendo o prazo de decisão curto (nº3 do artigo cit.), levanta o problema de saber se a entidade adjudicante dispõe de um mecanismo que lhe permita a satisfação do interesse público em causa antes da referida decisão judicial. Entende-se então que quando haja um caso de necessidade administrativa ou de urgência imperiosa de interesse público a entidade adjudicante poderá, desde logo, ponderar a eventual prorrogação (fundamentada na cláusula das circunstâncias imprevisíveis) de um contrato que tenha com um contratante, o que irá permitir a continuação da obtenção de um “bem” até à decisão sobre o levantamento do mérito da causa.
Refira-se que quando no processo se formulem vários pedidos, em cumulação, é possível que haja vários “incidentes provisórios”, um associado à adjudicação, que correrá termos segundo o regime do 103º-A, e outro relativo ao outro pedido principal, que correrá termos segundo o regime do 103.º-B.
No caso de haver suspensão dos efeitos da adjudicação ou do contrato, o artigo 103º-A/2 diz-nos que a “entidade demandada e os contra-interessados podem requerer ao juiz o levantamento do efeito suspensivo, alegando que o diferimento da execução do acto seria gravemente prejudicial para o interesse público ou gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos”. No seu nº3 estabelece que, “o demandante dispõe do prazo de sete dias para responder, findo o que o juiz decide no prazo máximo de 10 dias, contado da data da última pronúncia apresentada ou do termo do prazo para a sua apresentação”. Mas agora pergunta-se: e qual é o prazo dentro da qual deve ser apresentada, pela entidade demandada e contra-interessados o pedido de levantamento suspensivo? Parece-nos que o silêncio do legislador se reporta a não dependência de prazo, que por si só levantaria diversos problemas.
O final do preceito do artigo 103º-A/2 remete-nos para a aplicação do critério previsto no artigo 120º/2. Ou seja, faz-se depender a manutenção ou levantamento do efeito suspensivo de um juízo de ponderação de interesses, sendo feita uma um balanço entre os danos com a manutenção e os danos de levantamento. Em que os primeiros devem ser superiores aos segundos para levantamento do efeito suspensivo. Se ambos, após ponderação, forem equivalentes, o Tribunal não deve levantar o efeito suspensivo. Cabe ainda analisar, se na ponderação de interesses, pode o Tribunal atender aos danos dessa gravidade do lado da entidade demandada ou dos contra-interessados. Veja-se que os demandados não têm que provar o preenchimento dos requisitos do 103º-A/2, mas apenas que os danos que resultam da manutenção de tal efeito suspensivo são superiores aos que resultam do seu levantamento. Sugere-se, portanto, que se faça uma leitura do artigo 128º do CPTA que consagra uma solução próxima à que foi referida. Conclui-se que a análise dos artigos não nos permite retirar uma solução para quais as espécies de danos atendíveis do lado do demandante.
Esta tutela cautelar destina-se a garantir o efeito útil da decisão a proferir no processo principal, efeito que nestes casos está associado à pretensão de o demandante vir a ser o adjudicatário e executar o contrato (103º-B).
Veja-se ainda o artigo 103º-A/4, que nos diz que “o efeito suspensivo é levantado quando, ponderados os interesses susceptíveis de serem lesados, os danos que resultariam da manutenção do efeito suspensivo se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento”. Após a sua leitura, poucas respostas concretas nos são dadas sobre o critério da decisão sobre o levantamento.

Como os contratos que a Administração Pública visa celebrar através do procedimento pré-contratual se destinam sempre à satisfação de uma determinada necessidade colectiva, à prossecução de um fim de interesse público, a lei não impõe um decretamento automático das providências cautelares apenas por terem sido requeridas no âmbito pré-contratual, a nossa jurisprudência tem invariavelmente caído no extremo oposto[3]. Refira-se que os procedimentos pré-contratuais são fonte de forte litigiosidade, tanto mais intensa quanto mais acentuado é o cenário de crise económica e financeira, sendo, portanto, um ponto importante a ser discutido.



Rita Isabel Mendonça Leandro
Nº 21920


Bibliografia:

PAULO PEREIRA GOUVEIA, “Meios cautelares hoje e amanhã”, CJA, n. º94

MARCO CALDEIRA, “As providências cautelares pré-contratuais no projecto de revisão do CPTA”, E-Pública, nº2, 2014

RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRAA tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, CJA, nº115, 2016

MIGUEL PRATA ROQUE, “Reflexões sobre a Reforma da Tutela Cautelar Administrativa”, Almedina, Coimbra, 2005

LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, “A Ciência Jurídica Administrativa”, Almedina, Coimbra, 2012



[1] RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRAA tutela “cautelar” ou provisória associada à impugnação da adjudicação de contratos públicos”, CJA, nº115, 2016
[2] Critério de ponderação de interesses que não é só mantido como sai reforçado, em virtude da revogação do 120º/1, a) do CPTA.
[3] MARCO CALDEIRA, “As providências cautelares pré-contratuais no projecto de revisão do CPTA”, E-Pública, nº2, 2014

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