I. Breve Introdução Histórica.
O contencioso pré-contratual como figura especifica da nova Acção Administrativa Urgente, sofreu significativas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, que procedeu à revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. No presente comentário iremos debruçar-nos sobre as mudanças, dando especial enfoque à figura do contencioso pré-contratual urgente.
Era uma distinção muito sonante no processo estrutural do contencioso administrativo português aquela que separava a acção administrativa especial da acção administrativa comum. De modo a entendermos estas acções é necessário fazermos um exercício histórico do que é o direito administrativo, sendo que este exercício é imprescindível para percebermos a evolução que nos levou até ao modelo actual.
Quando falamos do problema das formas de processo, estamos a falar em particular do processo declarativo. A primeira grande distinção que se pode fazer no processo administrativo é aquela que separa a forma executiva do momento declarativo. Sendo que a primeira corresponde ao momento em que se determina o direito aplicável ao caso, e a segunda corresponde ao executar essa determinação no plano dos factos.
De momento interessa-nos o processo declarativo no processo administrativo. Se olharmos para o artigo 35.º do CPTA vemos que este processo se rege pelos títulos II e III, assim como pelas disposições gerais, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o disposto na lei processual civil. O titulo II rege a acção administrativa, e o titulo III os processos urgentes.
Em 2002 a opção foi de relativa continuidade em relação ao modelo anterior. O modelo tradicional do contencioso administrativo em Portugal, distinguia entre recursos e acções, e em especial o recurso contencioso da relação, que actualmente corresponde a acção de impugnação de actos administrativos. Em relação ao processo declarativo, este apresentava uma bifurcação: acção administrativa especial e acção administrativa comum.
A distinção entre estes dois tipos de acções era feita por uma causa e consequência. A acção administrativa especial tem como causa a pratica ou a omissão de manifestações de poder publico, a acção administrativa comum englobava as restantes acções, funcionando como uma forma de processo residual. A consequência pratica desta distinção era a tramitação das respectivas acções, a acção administrativa especial tinha um rito processual especifico, de modo diferente a acção administrativa comum seguia o rito processual do processo civil.
A razão explicativa desta diferença é que o tipo de pretensões relativas a acção administrativa especial, eram pretensões mais directamente ligadas ao exercício de funções típicas, ou de formas típicas de exercício da função administrativa e, portanto, ligadas ao exercício de poderes de autoridade. Quanto aos outros pedidos, entendiam-se que estes colocavam a administração e o particular numa relação paritária e, portanto, justificava-se que o modelo de tramitação fosse o do processo civil.
Esta dicotomia era bastante criticável por varias razões. Esta distinção criava uma relativa distorção do regime, dando a ideia de que o contencioso administrativo não era um modelo processual própria. Criava ainda outro problema de ordem pratica, que era a distinção entre acção administrativa especial e acção administrativa comum, sendo que um erro destes poderia levar à absolvição do réu da instância.
II. Modelo Actual.
Em 2015, o contencioso administrativo português acabou com esta distinção. O que temos actualmente é uma forma de processo declarativo não urgente única, a que o código chama de acção administrativa. Segundo o artigo 37.º do CPTA, sob a forma de acção administrativa cabem todas, ou pelo menos, quase todas as pretensões que possamos utilizar a titulo principal. Hoje já não se coloca a questão metafísica de saber o que é acção administrativa especial e acção administrativa comum.
Desta forma deixamos de ter duas formas de processo declarativo distintas, que se reflectia em termos práticos sobretudo em tramitações diferentes, para uma forma de processo não urgente declarativa principal. A consequência principal desta unificação das formas de processo é o modelo actual de tramitação único, ou tendencialmente única, que é aquele que resulta justamente dos artigos 78.º e seguintes.
Hoje a dicotomia que conseguimos estabelecer na ordenação de processo administrativo é a dicotomia entre acção declarativa não urgente e acção declarativa urgente.
III. Regime do Contencioso Pré-Contratual.
O regime do contencioso pré-contratual insere-se nos processos urgentes, e é importante referir as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, que se traduziram num alargamento do seu âmbito de aplicação (cfr. artigo 100.º do CPTA), “de modo a abranger um contencioso relativo à formação de todos os tipos contratuais compreendidos pelo âmbito de aplicação das directivas da União Europeia em matéria de contratação publica”, conforme se lê no Preâmbulo do já referido Decreto-Lei.
O contencioso pré-contratual urgente é um processo instituído em razão de urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. A contratação pública assume grande importância num contexto de Mercado Único Europeu, assim como a necessidade de garantir uma eficaz e efectiva existência de meios contenciosos em matéria de contratação pública. Sendo que o contencioso pré-contratual pretende atingir objectios que prosseguem a satisfação quer de interesses públicos quer de interesses privados, como a estabilidade dos procedimentos pré-contratuais e o inicio da execução dos contratos administrativos numa lógica de transparência e concorrência.
Deve ser imperativo de qualquer sociedade moderna a garantia de uma tutela jurisdicional efectiva dos particulares, a garantia da transparência nos negócios que envolvam interesses públicos e a garantia de uma concorrência adequada. A exigência de regimes legais bem construídos e o rápido e eficaz funcionamento dos tribunais são pressupostos para isso.
A jurisprudência rapidamente se concluiu pelo alargamento do objecto dos referidos processos urgentes, sendo que este não devia ficar meramente reduzida a impugnabilidade. Discutiu-se a possibilidade de integração de pretensões diferentes das de cariz meramente impugnatório e, em particular, pretensões relativas à condenação da prática do acto administrativo devido. Pela conveniência da concentração global das relações jurídicas administrativas, entendeu-se pela sua admissibilidade, apesar de uma ausência de consagração legal.
A legitimidade actual no contencio pré-contratual é retirada da regra geral que consta do artigo 55.º e 9.º, n.º 1 do CPTA, por força da remissão feita pelo artigo 100.º, n.º 1. Desta forma, podem recorrer a este meio contencioso os candidatos e concorrentes no procedimento adjudicatário (entre elas as entidades adjudicantes), o Ministério Público e aqueles que sejam excluídos por regras que alegam ser inválidas. A este elenco juntam-se as pessoas que operam no mercado e que possam ser lesadas pela celebração do contrato.
IV. Artigo 100.º do CPTA - enumeração taxativa ou exemplificativa dos contratos públicos abrangidos?
Importa saber em que termos funciona o artigo 100.º do CPTA. Este funciona como uma norma fechada – taxativa, pois o processo é urgente face aos interesses e ao objecto em causa. O legislador teve a hipótese de alargar o presente regime a todos os contratos que seguem o regime do Código dos Contratos Públicos, e não o fez. A terminologia dos contratos elencados no artigo 100.º do CPTA vem conformar-se com a terminologia usada no artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos.
Muito embora, abandonando o dualismo presente no código anterior, permaneceu um modelo dualista no âmbito do contencioso pré-contratual. a determinação dos procedimentos pré-contratuais abrangidos, em função da espécie de contrato a celebrar, tendo sido apenas acrescentado um novo contrato. Assim permanecem excluídos deste meio processual urgente os contratos que não sejam enunciados no artigo 100.º do CPTA.
A taxatividade do artigo 100.º levanta problemas no que diz respeito ao contencioso de actos administrativos praticados em coligação substancial com contratos públicos – os contratos mistos, uma vez que à luz desta tipologia fechada estes não seriam de aceitar. Ora, tendo em conta a ratio do artigo 100.º esta solução não se apresenta como a mais desejável e defensável. Sendo assim, face à sua urgência e obrigatoriedade de uma tramitação em si urgente e especial não se pode deixar de apresentar como uma situação especial e carente de tutela judicial, na qual, os meios de processo urgente se apresentam como a única forma de assegurar a referida tutela.
O contencioso pré-contratual como figura especifica da nova Acção Administrativa Urgente, sofreu significativas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, que procedeu à revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. No presente comentário iremos debruçar-nos sobre as mudanças, dando especial enfoque à figura do contencioso pré-contratual urgente.
Era uma distinção muito sonante no processo estrutural do contencioso administrativo português aquela que separava a acção administrativa especial da acção administrativa comum. De modo a entendermos estas acções é necessário fazermos um exercício histórico do que é o direito administrativo, sendo que este exercício é imprescindível para percebermos a evolução que nos levou até ao modelo actual.
Quando falamos do problema das formas de processo, estamos a falar em particular do processo declarativo. A primeira grande distinção que se pode fazer no processo administrativo é aquela que separa a forma executiva do momento declarativo. Sendo que a primeira corresponde ao momento em que se determina o direito aplicável ao caso, e a segunda corresponde ao executar essa determinação no plano dos factos.
De momento interessa-nos o processo declarativo no processo administrativo. Se olharmos para o artigo 35.º do CPTA vemos que este processo se rege pelos títulos II e III, assim como pelas disposições gerais, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o disposto na lei processual civil. O titulo II rege a acção administrativa, e o titulo III os processos urgentes.
Em 2002 a opção foi de relativa continuidade em relação ao modelo anterior. O modelo tradicional do contencioso administrativo em Portugal, distinguia entre recursos e acções, e em especial o recurso contencioso da relação, que actualmente corresponde a acção de impugnação de actos administrativos. Em relação ao processo declarativo, este apresentava uma bifurcação: acção administrativa especial e acção administrativa comum.
A distinção entre estes dois tipos de acções era feita por uma causa e consequência. A acção administrativa especial tem como causa a pratica ou a omissão de manifestações de poder publico, a acção administrativa comum englobava as restantes acções, funcionando como uma forma de processo residual. A consequência pratica desta distinção era a tramitação das respectivas acções, a acção administrativa especial tinha um rito processual especifico, de modo diferente a acção administrativa comum seguia o rito processual do processo civil.
A razão explicativa desta diferença é que o tipo de pretensões relativas a acção administrativa especial, eram pretensões mais directamente ligadas ao exercício de funções típicas, ou de formas típicas de exercício da função administrativa e, portanto, ligadas ao exercício de poderes de autoridade. Quanto aos outros pedidos, entendiam-se que estes colocavam a administração e o particular numa relação paritária e, portanto, justificava-se que o modelo de tramitação fosse o do processo civil.
Esta dicotomia era bastante criticável por varias razões. Esta distinção criava uma relativa distorção do regime, dando a ideia de que o contencioso administrativo não era um modelo processual própria. Criava ainda outro problema de ordem pratica, que era a distinção entre acção administrativa especial e acção administrativa comum, sendo que um erro destes poderia levar à absolvição do réu da instância.
II. Modelo Actual.
Em 2015, o contencioso administrativo português acabou com esta distinção. O que temos actualmente é uma forma de processo declarativo não urgente única, a que o código chama de acção administrativa. Segundo o artigo 37.º do CPTA, sob a forma de acção administrativa cabem todas, ou pelo menos, quase todas as pretensões que possamos utilizar a titulo principal. Hoje já não se coloca a questão metafísica de saber o que é acção administrativa especial e acção administrativa comum.
Desta forma deixamos de ter duas formas de processo declarativo distintas, que se reflectia em termos práticos sobretudo em tramitações diferentes, para uma forma de processo não urgente declarativa principal. A consequência principal desta unificação das formas de processo é o modelo actual de tramitação único, ou tendencialmente única, que é aquele que resulta justamente dos artigos 78.º e seguintes.
Hoje a dicotomia que conseguimos estabelecer na ordenação de processo administrativo é a dicotomia entre acção declarativa não urgente e acção declarativa urgente.
III. Regime do Contencioso Pré-Contratual.
O regime do contencioso pré-contratual insere-se nos processos urgentes, e é importante referir as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, que se traduziram num alargamento do seu âmbito de aplicação (cfr. artigo 100.º do CPTA), “de modo a abranger um contencioso relativo à formação de todos os tipos contratuais compreendidos pelo âmbito de aplicação das directivas da União Europeia em matéria de contratação publica”, conforme se lê no Preâmbulo do já referido Decreto-Lei.
O contencioso pré-contratual urgente é um processo instituído em razão de urgência na obtenção de uma decisão de fundo sobre o mérito da causa. A contratação pública assume grande importância num contexto de Mercado Único Europeu, assim como a necessidade de garantir uma eficaz e efectiva existência de meios contenciosos em matéria de contratação pública. Sendo que o contencioso pré-contratual pretende atingir objectios que prosseguem a satisfação quer de interesses públicos quer de interesses privados, como a estabilidade dos procedimentos pré-contratuais e o inicio da execução dos contratos administrativos numa lógica de transparência e concorrência.
Deve ser imperativo de qualquer sociedade moderna a garantia de uma tutela jurisdicional efectiva dos particulares, a garantia da transparência nos negócios que envolvam interesses públicos e a garantia de uma concorrência adequada. A exigência de regimes legais bem construídos e o rápido e eficaz funcionamento dos tribunais são pressupostos para isso.
A jurisprudência rapidamente se concluiu pelo alargamento do objecto dos referidos processos urgentes, sendo que este não devia ficar meramente reduzida a impugnabilidade. Discutiu-se a possibilidade de integração de pretensões diferentes das de cariz meramente impugnatório e, em particular, pretensões relativas à condenação da prática do acto administrativo devido. Pela conveniência da concentração global das relações jurídicas administrativas, entendeu-se pela sua admissibilidade, apesar de uma ausência de consagração legal.
A legitimidade actual no contencio pré-contratual é retirada da regra geral que consta do artigo 55.º e 9.º, n.º 1 do CPTA, por força da remissão feita pelo artigo 100.º, n.º 1. Desta forma, podem recorrer a este meio contencioso os candidatos e concorrentes no procedimento adjudicatário (entre elas as entidades adjudicantes), o Ministério Público e aqueles que sejam excluídos por regras que alegam ser inválidas. A este elenco juntam-se as pessoas que operam no mercado e que possam ser lesadas pela celebração do contrato.
IV. Artigo 100.º do CPTA - enumeração taxativa ou exemplificativa dos contratos públicos abrangidos?
Importa saber em que termos funciona o artigo 100.º do CPTA. Este funciona como uma norma fechada – taxativa, pois o processo é urgente face aos interesses e ao objecto em causa. O legislador teve a hipótese de alargar o presente regime a todos os contratos que seguem o regime do Código dos Contratos Públicos, e não o fez. A terminologia dos contratos elencados no artigo 100.º do CPTA vem conformar-se com a terminologia usada no artigo 2.º do Código dos Contratos Públicos.
Muito embora, abandonando o dualismo presente no código anterior, permaneceu um modelo dualista no âmbito do contencioso pré-contratual. a determinação dos procedimentos pré-contratuais abrangidos, em função da espécie de contrato a celebrar, tendo sido apenas acrescentado um novo contrato. Assim permanecem excluídos deste meio processual urgente os contratos que não sejam enunciados no artigo 100.º do CPTA.
A taxatividade do artigo 100.º levanta problemas no que diz respeito ao contencioso de actos administrativos praticados em coligação substancial com contratos públicos – os contratos mistos, uma vez que à luz desta tipologia fechada estes não seriam de aceitar. Ora, tendo em conta a ratio do artigo 100.º esta solução não se apresenta como a mais desejável e defensável. Sendo assim, face à sua urgência e obrigatoriedade de uma tramitação em si urgente e especial não se pode deixar de apresentar como uma situação especial e carente de tutela judicial, na qual, os meios de processo urgente se apresentam como a única forma de assegurar a referida tutela.
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