Querida Agnès, ou Agnese ou Inês,
No século XXI não és apenas uma
pequena rapariga francesa; No século XXI és Agnese, Inês e tantos outros nomes
em tantas outras línguas. Porquê? Porque tu, Agnès, infelizmente inspiraste o
Contencioso Administrativo Europeu. Porque hoje és a cara da Justiça
Administrativa que conhecemos.
Quando remontamos a 1871, o teu ano
negro, encontramos a origem da necessidade de estender os mecanismos de responsabilidade
civil ao Direito Administrativo. A sorte que hoje temos é a consequência do
azar que tu sofreste.
Em Portugal encontrávamos até há
muito pouco uma administração pública “desresponsabilizada”, uma administração
pública que agia inconsequentemente na segurança de que nada lhe aconteceria. Mas
e os particulares? A esses restava-lhe confiar na vida, acreditando que nada de
mal a administração pública lhes faria.
Em 2002, aquando da reforma do
Código do Processo dos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, a proposta de lei de responsabilidade civil extracontratual
do Estado viu-se rejeitada. Este acto consubstanciou-se numa falta de protecção
dos particulares inaceitável no mundo moderno, entendemos nós. Por exemplo, se
tu, Agnès, tivesses sofrido o mesmo acidente que sofreste em França em 1871 mas
em Portugal em 2000 os resultados teriam sido os mesmos. Não conhecíamos
respostas, não sabíamos um problema de responsabilidade civil da Administração
Pública devia ser julgado em tribunais comuns ou em tribunais judiciais, não sabíamos
se estávamos perante um acto de gestão privada ou gestão pública nem mesmo se a
situação era regulada pelo Direito privado ou se pelo Direito público. As
respostas começaram a surgir: diziam Sérvulo
Correia, Rogério Soares e Freitas
do Amaral que importava saber se estávamos pu não perante um ambiente de
Direito público. Mas o que era afinal um ambiente de Direito público? As
respostas começavam efectivamente a surgir mas com elas apareciam novas
dúvidas.
O princípio da responsabilidade do Estado está
previsto na CRP nos artigos 22.º e 271.º, não restando dúvidas de que a
Administração Pública deve ser responsabilizada pelos danos que possa causar
Os problemas da responsabilidade
civil extracontratual administrativa começaram a ser solucionados em 2004
quando os litígios em matéria de responsabilidade administrativas começaram a
ser tratados pelo contencioso administrativo. Decidiu, também, o legislador que
os Tribunais administrativos eram competentes para decidir sempre que houvesse lugar a responsabilidade
civil dos órgãos administrativos. A solução parecia aceitável, mas os
resultados revelaram-se desastrosos: facilmente num caso como o teu o Estado
num pedido reconvencional pediria que os teus pais ressarcissem o Estado pelos
prejuízos sofridos pela administração (a destruição do carro, por exemplo) e o
Tribunal ainda decidiria a favor do Estado. Onde estariam os teus direitos?
Só em 2007 é que o legislador
português entendeu ser pertinente criar um regime da responsabilidade civil extracontratual
do Estado relativamente sensato, com a lei 67/2007 de 31 de Dezembro.
O diploma, no seu artigo 1º, volta
a suscitar as dúvidas que já tínhamos exposto: o que é afinal uma gestão
pública e uma gestão privada? Defendem Marcelo
Rebelo de Sousa e André Salgado
Matos que a manutenção desta ideia foi intenciona, lamentando-a, no
entanto. Carla Amado Gomes entende
a ideia e defende a sua manutenção em determinados casos. Já Vasco Pereira da Silva considera que a
manutenção desta ideia não foi mais que um equívoco do legislador mas que este
estabeleceu alguma unidade e que foi deixada uma porta aberta que permitirá a
unificação da responsabilidade de toda a Administração Pública. Entende, também Vasco Pereira da Silva, que hoje podemos
considerar o regime da responsabilidade civil um regime unitário.
O diploma de 2007 veio eliminar as
dúvidas quanto à competência para decidir questões de responsabilidade civil
extracontratual do Estado. O artigo 4º, n.º1 alíneas f), g) e h) do ETAF prevê, inclusivamente, que as questões
de responsabilidade civil extracontratual do Estado fazem parte do âmbito de
jurisdição dos Tribunais Administrativos. Assim, a Lei 67/2007 preocupa-se em
abranger os “danos
resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa”.
Entende
Vasco Pereira da Silva que a Lei ao fazer referência a princípios de Direito
Administrativo demonstra que o legislador quis consagrar um regime uniforme
para todo o regime da responsabilidade civil da Administração Pública. Esta é a
solução alemã que remete todos os regimes para uma solução unitária do ponto de
vista jurisdicional e legislativo.
A
solução legislativa encontrada comporta, no entanto, uma grande deficiência: os
Tribunais ao condenarem a Administração Pública estão simultaneamente a
condenar o próprio particular lesado uma vez que este é, de algum modo,
responsável pelo património da Administração Pública, na medida em que paga
impostos, por exemplo. Devemos olhar para esta questão de uma forma em que
vejamos o comportamento como um todo em que a Administração Pública tem de
cumprir com os seus deveres e não lesar os direitos dos particulares.
Resta-nos
agradecer-te a ti, Agnès, por seres a origem do regime de responsabilidade
civil extracontratual do Estado que conhecemos hoje em dia e agradecer-te por
teres sido a cara de todos os particulares na luta por uma verdadeira Justiça
Administrativa capaz de defender os particulares.
Obrigada
por teres garantido que hoje, caso aconteça algo, temos todos direito a um
tratamento digno,
Marta
Castro Henriques
Marta C.H. Tavares
Aluna nº 24091
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