domingo, 18 de dezembro de 2016

Criterios de atribuição das providências cautelares

 “Não é de admitir revista estando em discussão o que respeita ao fumo de bom direito do artigo 120.o, n.o 1, b), do CPTA e essa matéria perdeu importância em função dos critérios de decisão agora estabelecidos pelo mesmo artigo 120.o, na redação do DL 214-G/2015 de 2 de outubro (...) [O] problema jurídico em si perdeu capacidade de expansão. Na verdade, ele só interessa aos processos aos quais ainda não se apliquem as alterações do CPTA promovidas pelo DL 214-G/2015, de 2 de Outubro. Com essas alterações são já outros os critérios de decisão das providências, passando a ser sempre exigido que seja provável a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.” (Acórdão do STA de 23 de junho de 2016, Proc. n.o 0764/16).


A tutela cautelar encontra-se, atualmente, prevista no Título IV do CPTA, caracteriza-se, fundamentalmente, pelo seu caráter provisório e sumário.
A jurisdicionalização dos tribunais administrativos permitiu a consagração da dimensão subjetiva do Contencioso Administrativo, visto que foram surgindo constituições, por toda a Europa, com o intuito de tutelar os direitos dos cidadãos. Neste sentido, o contencioso administrativo deixa de existir para proteger a Administração Pública, passando a ter como missão a proteção dos direitos dos particulares.
VASCO PEREIRA DA SILVA tem vindo a defender que, quando falamos em Contencioso Administrativo como Direito Europeu concretizado, podemos fazer um paralelo com o Direito Constitucional. Ou seja, por um lado, há uma dependência do Direito Europeu ao Contencioso Administrativo, uma vez que as normas do TJUE são relevantes em matéria de Contencioso, e, por outro lado, existe uma dependência administrativa do Direito Europeu.
Esta influência do Direito Administrativo no Direito Europeu manifesta-se em diferentes níveis. Existem normas de fonte comunitária que influenciam matérias administrativas, mas também existem regulamentos e muitas diretivas em matéria administrativa que impõe transformações a nível do Contencioso Administrativo.
Uma grande inovação, que nasceu com a europeização do Contencioso Administrativo, foi a tutela cautelar. Era necessário criar uma nova justiça administrativa pois não basta existirem meios principais de proteção dos particulares, é necessário acautelar os efeitos dos processo. Nesta medida, a tutela cautelar permite que seja proferida uma decisão transitória que previna, quando seja possível a decisão final, que esta valha a pena.
A providência cautelar, tem, portanto, uma natureza especial. O seu decretamento depende do preenchimento de determinados requisitos: periculum in mora e fumus boni iuris, previstos no art. 120º/1 e 2, que se traduzem nos fundamentos do pedido, e ainda de um critério de ponderação de interesses, previsto no n°3 do art.120º.
Antes da reforma de 2015, o art.120º/1 estava dividido por alíneas, nomeadamente, fazendo a distinção entre providências conservatórias e antecipatórias. AROSO DE ALMEIDA entende que o regime do 120º/1, sem estas alíneas, ficou mais pobre.
O primeiro grande requisito de que depende a atribuição de uma providência cautelar é o periculum in mora, que se verifica quando "haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal". Antes da reforma, previa-se apenas "o prejuízo de difícil reparação", depois da reforma acrescentou-se o "fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado". Desta forma, reduziu-se o universo de casos em que, efetivamente, existe periculum in mora, visto que foram excluídos os critérios fundados na susceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos. Assim, a providência cautelar deve ser decretada na medida em que ainda seja possível, com a procedência do processo principal, reestabelecer a situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, ou quando, devido à demora do processo resultem prejuízos irreparáveis para o requerente.
O juízo sobre os prejuízos de que o requente pode vir a sofrer, é um juízo de probabilidade, visto que tendo a providência cautelar caráter provisório, para tutela dos direitos dos cidadãos, a decisão sobre decretamento da providência tem de ser rápida, pelo que não se apela à certeza do juiz relativamente ao caso, apenas que determine que a situação alegada pelo requerente tenha fundo de verdade, e que mereça ser tutelada para que prejuízos adjacentes não emerjam.
O segundo critério com que se prende a atribuição de uma providência cautelar é a aparência de bom direito, ou seja, no seguimento do que foi imediatamente exposto, o juiz deve avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Relativamente a este ponto, antes da reforma de 2015, o CPTA fazia a distinção entre providências conservatórias e antecipatórias. Uma providência conservatória destinava-se a manter uma determinada situação, ou seja, a conservá-la. Neste tipo de providências o fumus exigido era de menor grau, uma vez que se bastava com um juízo de não-improbabilidade . Segundo AROSO DE ALMEIDA, o autor desafia o demandante a demonstrar o bem fundado das suas pretensões, lançando sobre ele o ónus material da respetiva prova. Enquanto as providências antecipatórias se destinam a alterar determinada situação, e portanto, o autor terá o ónus material da prova do bem fundado das suas pretensões.
AROSO DE ALMEIDA entende que esta distinção fazia todo o sentido, pois era bastante clarificadora do regime. Quanto à aplicação do critério do fumus boni iuris, apenas "quando estivesse em causa a atribuição de providências antecipatórias se justificava fazer impender sobre o requerente da providência o encargo de fazer prova sobre o bem fundado da pretensão por si deduzida no processo principal".  FERNANDA MAÇÃS juntamente com ANA GOUVEIA MARTINS também defendem que devia permanecer uma distinção entre providências conservatórias e antecipatórias, pois prevenir-se-ia o maior risco de, nas providências antecipatórias, o processo principal vir a ser desfavorável à pretensão do requerente da providência.
Todavia, o legislador na revisão de 2015, pretendeu homogeneizar o regime e, para isso, estabeleceu que, tanto as providências conservatórias como as antecipatórias, só podem ser adotadas quando seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.
Neste sentido, a unificação do regime no atual artigo 120º do CPTA, apela a um único critério de fumus, correspondente ao anteriormente aplicável às providências de tipo antecipatório, sendo, por isso mesmo, o mais exigente, uma vez que, implica a demonstração da probabilidade de razão material na ação principal.
Para que seja ainda possível a atribuição de uma providência cautelar, é necessário que, depois de uma ponderação de interesses, se verifique que os interesses privados, no caso, prevalecem sobre os interesses públicos. Este critério pré-existe à reforma de 2015. Ou seja, a providência é atribuída se os danos que resultam da concessão da providência, se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências, como prescreve o n°2 do art.120º. Assim, o decretamento de uma providência está na dependência de uma comparação da situação do requerente com a dos eventuais titulares de interesses contrapostos, independentemente do pressupostos referidos no n°1 do art.120º. Assim, a cláusula do n°1 do mesmo artigo permite evitar situações em que se provocariam danos desproporcionados em relação àqueles que se pretenderia evitar que fossem causados aos interesses do requerente. Desta forma, face aos interesses em presença o juiz irá proferir uma decisão mais justa e adequada, visto que as providências cautelares se limitam ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente.
Concluindo, atualmente, ao contrário do que acontecia antes da reforma de 2015, é necessário invocar tanto o periculum in mora como o fumus boni iuris. Antes da reforma de 2015, se se tratasse de uma situação em que era evidente a procedência da providência cautelar, era apenas necessário alegar o fumus boni iuris. Esta situação tinha em vista os casos de invalidade ostensiva por estar em causa a impugnação de :"ato manifestamente ilegal, ato de aplicação de norma já anteriormente anulada ou ato idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente", como prescrevia a anterior alinea a) do n°1 do art.120º . Quanto às providências conservatórias destinava-se a evitar que surgissem pretensões à primeira vista desprovidas de fundamento, ex alinea b) do n°1 do art.120º, e quanto às providências antecipatórias exigia-se uma aparência de direito positiva, de modo a prevenir decisões antecipadas erradas, ex alinea c) do n°1 do art.120º.
  Hoje em dia, há que fazer a alegação dos dois pressupostos e ainda a prova sumária.
O preenchimento do requisito do fumus boni iuris, hoje, é feito, unicamente, pela positiva, ou seja, o requerente terá que provar que existe uma grande possibilidade de que venha a ter razão. Estabelece-se, então, um grau pela positiva, e,  antes da reforma, o preenchimento deste requisito podia ser feito pela positiva ou pela negativa. Naturalmente, é mais difícil fazer prova pela positiva, mas impôs-se este critério de forma a que fosse mais difícil o requerimento das providências cautelares.  Todos os cidadãos têm interesse em ver a sua situação resolvida, e, pessoalmente, entendem sempre que a sua situação é urgente e tem de ser o mais rapidamente resolvida e, portanto requeriam uma providência cautelar prevendo a sua celeridade. Porém, a maior parte das providências que eram requeridas, não eram, afinal, referentes a situações urgentes, e, por isso, tornou-se necessário criar novos critérios de decretamento das providências para que se promovesse o desentupimento dos tribunais. Apesar deste novo regime ter um "bom fundo", o que é facto é que a doutrina dominante não vê grande progresso . Em prol de prevenção e atenuação da situação que ocorria nos tribunais, determinou-se uma homogeneização que, infelizmente ainda contém fragmentos. Não estamos a aplicar o princípio de tratamento igual daquilo que é igual e diferente o que é diferente. Foram olvidadas as diferenças que existiam entre as duas providências e procedeu-se a uma solução igual para situações diferentes, não se tendo em conta os traços diferenciadores de cada uma.

Adriana Tenreira, n°24103

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