domingo, 18 de dezembro de 2016

O papel do Ministério Público nas vicissitudes da instância do contencioso administrativo

No âmbito das vicissitudes da instância é aplicado ao processo administrativo igualmente o CPC, tal como no processo civil. Por isso é aplicável também o art.260º do CPC que estabelece que, a citação do demandado/demandados torna estáveis os elementos essenciais da causa. Estes elementos são os sujeitos e o objecto do processo. No entanto o processo pode sofrer vicissitudes que podem ser de dois tipos: objectivas e subjectivas. É por este motivo que o art.260º ressalva a possibilidade de modificações existentes na lei. O Professor Doutor Mário Aroso de Almeida[1] considera, no entanto, que no processo Administrativo não se deve falar num princípio de estabilidade da instância mas sim de um princípio de flexibilidade da instância. É essencialmente no plano das modificações objectivas da instância que o processo administrativo se distancia do processo civil. Quanto às modificações subjectivas da instância não existe nenhum regime próprio do processo administrativo pelo que se aplicam supletivamente as regras do processo civil.
Mas o que são as modificações subjectivas da instância? Consubstanciam-se na superveniência no processo de novos intervenientes que, de início, nele não eram parte mas que vêem supervenientemente a ser considerados partes, independentemente de serem partes principais ou partes acessórias. O art.10º/10 estabelece que “sem prejuízo da aplicação subsidiária, quando tal se justifique, do disposto na lei processual civil em matéria de intervenção de terceiros, quando a satisfação de uma ou mais pretensões deduzidas contra uma entidade pública exija a colaboração de outra ou outras entidades, cabe à entidade demandada promover a respectiva intervenção no processo.” Ora o Professor Mário Aroso de Almeida entende que daqui resulta que, sempre que os respectivos pressupostos se encontrarem preenchidos, pode haver lugar à intervenção de terceiros no processo administrativo em qualquer das modalidades em que a lei processual civil a prevê e admite, assim como à constituição de terceiros como assistentes. Ora, ficou deste modo afastada o entendimento tradicional[2] segundo o qual o instituto da assistência, previsto no art.49º do RSTA configurava o único tipo de intervenção de terceiro admitido no contencioso administrativo. O instituto da assistência continua a ser admitido de acordo com os arts.326ºss. do CPC.
Existe também uma modalidade de modificação subjectiva da instância, que se encontra prevista no âmbito do regime da acção administrativa que se trata da previsão do art.62º que estabelece que o Ministério Público, no exercício da acção pública, poder assumir a posição de autor requerendo o prosseguimento de acções de impugnação de actos administrativos que tenham terminado por desistência ou outra circunstância própria do autor. O único requisito é o de que a decisão ainda não tenha transitado em julgado. O principal motivo desta modalidade de modificação subjectiva da instância trata-se de uma concepção já com escola no contencioso administrativo português de se entender que, por terem por objecto a fiscalização da legalidade de actos administrativos, pode existir uma relevância de interesse público que justifique. Ou seja, entende-se que poderão existir razões de interesse da comunidade colectiva que justifiquem que o próprio Ministério Público avance com a acção de impugnação, mesmo que o autor primário não tenha mais interesse na continuação da demanda. No entanto o Ministério Público não entrar na demanda na posição de autor em substituição do autor primitivo. Em abono da verdade, não necessita disso para justificar a sua legitimidade. A mesma já lhe é conferida pelo artigo 55º/1/b), sem qualquer tipo de restrições para impugnar quaisquer actos administrativos tendo com única baliza a defesa do interesse geral da legalidade. Este poder representa o exercício da acção pública que ao Ministério Público compete, como resulta do art.62º/1. E quais os critérios para saber se deve dar ou não continuação a uma acção? O Professor Aroso de Ameida[3] considera que o Ministério Público deve dar seguimento que “na ausência de iniciativa particular, ele próprio teria proposto, no exercício da acção pública.” Isto pressupõe que à data que a acção foi proposta, estivessem preenchidos todos os pressupostos processuais de que dependia a sua admissibilidade, com excepção daqueles que dissessem respeito ao autor primitivo, que sendo substituído (por sua própria vontade) passa a ser completamente alheio ao processo. Ainda seguindo a melhor doutrina[4], o Ministério Público ao assumir a posição de autor, pode arguir novos vícios, mesmo que estes já tenham sido alegados pelo primitivo autor na sua petição inicial. Neste ponto há a recordar que nos processos impugnatórios, o Ministério Público até pode invocar causas de invalidade diferentes das que haviam sido arguidas na petição inicial. A partir do momento em que o Ministério Público assume a posição de autor, assume-o na sua plenitude. Pode requerer providências cautelares [art.114º/1/c)], independentemente de o primitivo autor já as ter requerido ou não ter requerido e com ou sem êxito. Pode também requerer o prosseguimento da acção cautelar iniciada pelo autor primário mas que ainda se encontre pendente.

Ricardo Custódio, nº24250



[1] Mário AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2016, pag.362
[2] COLAÇO ANTUNES, Cadernos de justiça administrativa, pp.3 ss.
[3] AROSO DE ALMEIDA, op. cit., p.366
[4] AROSO DE ALMEIDA, op. cit.

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