domingo, 18 de dezembro de 2016

Instituto Jurídico do Decretamento Provisório de Providências Cautelares no Contencioso Administrativo

Instituto Jurídico do Decretamento Provisório de Providências Cautelares no Contencioso Administrativo

O objetivo das providências cautelares em sede do contencioso administrativo é apressar a tramitação processual, dita normal, dos artigos 114.º a 127.º do CPTA, dada a possibilidade desta tramitação normal poder vir a colocar em causa a utilidade da ação. Sempre que se verificarem os requisitos exigidos pelo artigo 120.º - periculum in mora e fumus boni iuris, 120.º/1/1ª parte e 120.º/1/2ª parte do CPTA, respetivamente, - deve haver lugar a uma providência cautelar, se assim for requerida pelo requerente.

O instituto jurídico do decretamento provisório de providências cautelares vem regulado no artigo 131.º do CPTA, prevendo que quando a existência de uma situação de especial urgência o justifique, o tribunal pode conceder, a título meramente provisório, a providência cautelar ainda na pendência do processo cautelar, determinando o decretamento provisório da providência. Estamos, assim, perante uma tutela cautelar de segundo grau, como a apelida Mário Aroso de Almeida[1], destinada, sobretudo, a evitar o periculum in mora que tem de ser demonstrado aquando da providência cautelar requerida. Este decretamento provisório da providência na pendência do processo cautelar, carecerá de decisão, também, relativamente à sua validade, durante a pendência do processo principal. Refere Vieira de Andrade[2] que este regime constitui um aspeto suplementar do regime cautelar, valendo para qualquer providência em situações de especial urgência, salvo quando esteja em causa a suspensão da eficácia de um ato administrativo ou de uma norma regulamentar, como consta dos artigos 128.º e 130.º do CPTA, respetivamente.

Os requisitos para o decretamento provisório de uma providência cautelar têm de ser mais exigentes do que aqueles exigidos para uma providência de primeiro grau. Assim, é exigida uma especial perigosidade para os bens jurídicos de especial urgência, ou seja, um periculum in mora mais agravado[3], que exigirá um mínimo de aparência de direito e até de ponderação prima facie. Mais agravado devido à referência que se deve ter em conta da morosidade do próprio processo cautelar, e não da morosidade do processo principal, por não estar em causa a constituição de uma situação irreversível se nada for feito até ao momento em que venha a ser proferida sentença no processo principal, mas por estar em causa o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito imediatamente, durante a pendência do processo cautelar, e, portanto, antes ainda do momento em que virá a ser decidido o próprio processo cautelar. Assim, o requisito da existência de um periculum in mora, nesta sede, deve ser entendido como um perigo de lesão iminente, e não apenas irreversível[4]

Este mecanismo jurídico consubstancia um incidente no processo cautelar, permitido por lei, com vista a assegurar a providência pretendida pelo requerente. De acordo com o artigo 131.º/1 e 3 do CPTA, em 48 horas existirá uma decisão, em princípio, sem contraditório, e sem lugar a produção de prova. Ainda assim, existe um segundo incidente possível num processo cautelar, denominado incidente de levantamento ou alteração da providência provisoriamente decretada do artigo 131.º/6 do CPTA, onde já existe contraditório e pode ser produzida a prova que o juiz considere ser necessária. Este artigo, porém, só é aplicado mediante a ponderação de interesses que o artigo 120.º/2 do CPTA visa: é necessário balançar os interesses públicos e privados, sendo que, se prevalecerem os interesses públicos, a providência cautelar não pode ter lugar. Esta ponderação deve ser apreciada na própria decisão do processo cautelar. Relativamente a este mecanismo, Vieira de Andrade coloca a questão de se saber qual a consequência pelo facto deste incidente ser levado adiante: conferirá uma decisão definitiva do processo cautelar, ou apenas a revisão necessária da decisão provisória, a vigorar até à decisão cautelar definitiva? Afirma o autor que a lei parece apontar para a figura da decisão provisória revista com base num contraditório pleno (até dos contrainteressados), seja pela formulação textual da norma, seja pelos prazos muito curtos que são dados às partes e ao juiz para decidir[5].

Há que referir, no entanto, que este regime, no período que antecedia a revisão de 2015 do CPTA, era diferente: o artigo 131.º/1 do CPTA estabelecia que o decretamento provisório podia ser pedido quando a providência requerida no processo cautelar se destinasse a tutelar direitos, liberdades e garantias, que de outro modo não pudessem ser exercidos em tempo útil, ou quando o requerente entendesse haver especial urgência. A norma possuía, assim, um âmbito mais reduzido, porquanto apenas seriam de considerar como situações de especial urgência, aquelas que envolvessem direitos, liberdades e garantias, ou direitos análogos, conforme, por exemplo, o acórdão do TCA Sul de 8 de Março de 2007, Proc. nº 2202/06, como refere Aroso de Almeida[6]. Com a revisão de 2015 este regime foi flexibilizado, ampliando o seu âmbito para, simplesmente, uma “existência de uma situação de especial urgência”, abrangendo mais do que direitos, liberdades e garantias e direitos análogos. Deste modo caminha-se em direção a um direito do contencioso administrativo mais abrangente e, consequentemente, mais benéfico para com os particulares.

Bibliografia:

Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016;
Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª edição, 2014.

Miguel Carneiro, subturma 9, nº 23932




[1] Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, p. 429.
[2] Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª edição, 2014, p. 329.
[3] Andrade, A Justiça…, op. cit., p. 330.
[4] Almeida, Manual…, op. cit., p. 432.
[5] Andrade, A Justiça…, op. cit., p. 330.
[6] Almeida, Manual…, op. cit., p. 429.

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