Instituto Jurídico do
Decretamento Provisório de Providências Cautelares no Contencioso
Administrativo
O objetivo das providências
cautelares em sede do contencioso administrativo é apressar a tramitação
processual, dita normal, dos artigos 114.º a 127.º do CPTA, dada a possibilidade
desta tramitação normal poder vir a colocar em causa a utilidade da ação.
Sempre que se verificarem os requisitos exigidos pelo artigo 120.º - periculum in mora e fumus boni iuris, 120.º/1/1ª parte e 120.º/1/2ª parte do CPTA,
respetivamente, - deve haver lugar a uma providência cautelar, se assim for
requerida pelo requerente.
O instituto jurídico do
decretamento provisório de providências cautelares vem regulado no artigo 131.º
do CPTA, prevendo que quando a existência de uma situação de especial urgência
o justifique, o tribunal pode conceder, a título meramente provisório, a providência
cautelar ainda na pendência do processo cautelar, determinando o decretamento
provisório da providência. Estamos, assim, perante uma tutela cautelar de
segundo grau, como a apelida Mário Aroso
de Almeida[1],
destinada, sobretudo, a evitar o periculum
in mora que tem de ser demonstrado aquando da providência cautelar
requerida. Este decretamento provisório da providência na pendência do processo
cautelar, carecerá de decisão, também, relativamente à sua validade, durante a
pendência do processo principal. Refere Vieira
de Andrade[2]
que este regime constitui um aspeto suplementar do regime cautelar, valendo
para qualquer providência em situações de especial urgência, salvo quando
esteja em causa a suspensão da eficácia de um ato administrativo ou de uma
norma regulamentar, como consta dos artigos 128.º e 130.º do CPTA,
respetivamente.
Os requisitos para o decretamento
provisório de uma providência cautelar têm de ser mais exigentes do que aqueles
exigidos para uma providência de primeiro grau. Assim, é exigida uma especial
perigosidade para os bens jurídicos de especial urgência, ou seja, um periculum in mora mais agravado[3],
que exigirá um mínimo de aparência de direito e até de ponderação prima facie. Mais agravado devido à
referência que se deve ter em conta da morosidade do próprio processo cautelar,
e não da morosidade do processo principal, por não estar em causa a
constituição de uma situação irreversível se nada for feito até ao momento em
que venha a ser proferida sentença no processo principal, mas por estar em
causa o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito
imediatamente, durante a pendência do processo cautelar, e, portanto, antes
ainda do momento em que virá a ser decidido o próprio processo cautelar. Assim,
o requisito da existência de um periculum
in mora, nesta sede, deve ser
entendido como um perigo de lesão iminente, e não apenas irreversível[4].
Este mecanismo jurídico consubstancia um incidente no processo cautelar,
permitido por lei, com vista a assegurar a providência pretendida pelo
requerente. De acordo com o artigo 131.º/1 e 3 do CPTA, em 48 horas existirá
uma decisão, em princípio, sem contraditório, e sem lugar a produção de prova.
Ainda assim, existe um segundo incidente possível num processo cautelar,
denominado incidente de levantamento ou alteração da providência
provisoriamente decretada do artigo 131.º/6 do CPTA, onde já existe
contraditório e pode ser produzida a prova que o juiz considere ser necessária.
Este artigo, porém, só é aplicado mediante a ponderação de interesses que o
artigo 120.º/2 do CPTA visa: é necessário balançar os interesses públicos e
privados, sendo que, se prevalecerem os interesses públicos, a providência
cautelar não pode ter lugar. Esta ponderação deve ser apreciada na própria
decisão do processo cautelar. Relativamente a este mecanismo, Vieira de Andrade coloca a questão de se
saber qual a consequência pelo facto deste incidente ser levado adiante: conferirá
uma decisão definitiva do processo cautelar, ou apenas a revisão necessária da
decisão provisória, a vigorar até à decisão cautelar definitiva? Afirma o autor
que a lei parece apontar para a figura da decisão provisória revista com base
num contraditório pleno (até dos contrainteressados), seja pela formulação
textual da norma, seja pelos prazos muito curtos que são dados às partes e ao
juiz para decidir[5].
Há que referir, no entanto, que
este regime, no período que antecedia a revisão de 2015 do CPTA, era diferente:
o artigo 131.º/1 do CPTA estabelecia que o decretamento provisório podia ser
pedido quando a providência requerida no processo cautelar se destinasse a
tutelar direitos, liberdades e garantias, que de outro modo não pudessem ser
exercidos em tempo útil, ou quando o requerente entendesse haver especial
urgência. A norma possuía, assim, um âmbito mais reduzido, porquanto apenas
seriam de considerar como situações de especial urgência, aquelas que
envolvessem direitos, liberdades e garantias, ou direitos análogos, conforme,
por exemplo, o acórdão do TCA Sul de 8 de Março de 2007, Proc. nº 2202/06, como
refere Aroso de Almeida[6].
Com a revisão de 2015 este regime foi flexibilizado, ampliando o seu âmbito para,
simplesmente, uma “existência de uma situação de especial urgência”, abrangendo
mais do que direitos, liberdades e garantias e direitos análogos. Deste modo
caminha-se em direção a um direito do contencioso administrativo mais
abrangente e, consequentemente, mais benéfico para com os particulares.
Bibliografia:
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016;
Andrade, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª
edição, 2014.
Miguel Carneiro, subturma 9, nº 23932
[1] Almeida,
Mário Aroso de, Manual de Processo
Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2016, p. 429.
[2] Andrade,
José Carlos Vieira de, A Justiça
Administrativa (Lições), 3ª edição, 2014, p. 329.
[3] Andrade,
A Justiça…, op. cit., p. 330.
[4]
Almeida, Manual…, op. cit., p. 432.
[5]
Andrade, A Justiça…, op. cit., p.
330.
[6]
Almeida, Manual…, op. cit., p. 429.
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