domingo, 18 de dezembro de 2016

 A acção administrativa comum e especial

Temos agora um Contencioso cujo objecto é a tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, emitindo sentenças de simples apreciação à impugnação e medidas cautelares. Já não se assiste ao restringimento dos poderes de pronúncia dos tribunais Administrativos, nem tão pouco a concepções objectivistas e promiscuas.
Toda esta nova configuração carece de um Processo Administrativo adequado e, para tal, como de resto sempre se tem verificado no âmbito do Contencioso, e não só, poder-se-ia seguir uma de duas vias, respectivamente referentes ao modelo alemão e francês: tantos meios quanto sentenças ou os mesmos meios para vários pedidos e sentenças. O Código de Processo Administrativo, doravante, CPTA, pendeu para o último modelo.
Espelhando claramente esta opção, o art. 4º CPTA consagra o princípio da livre cumulabilidade de pedidos segundo o qual diferentes pretensões podem ser deduzidas cumulativamente num só processo, existindo uma relação de conexão que o justifique.
Dentro desta lógica, parece fazer pouco sentido que tenham sido efectivamente consagrados dois meios processuais distintos: a acção administrativa comum e a especial. Pois se todos os meios são possíveis, independentemente dos pedidos, mais congruente seria haver um único meio.
Verifica-se no art. 2º CPTA um outro corte com o passado: já não há uma limitação quanto às pretensões passíveis de serem deduzidas.
Porém, uma vez analisados os pedidos e a eles associados os poderes de pronúncia do juiz verifica-se a não coincidência entre estes últimos e os meios processuais respectivos. Posto isto, é premente um critério que nos elucide quanto a qual dos meios recorrer.
A opção legal, extraindo assim entendimento dos arts. 37º e 46º CPTA, aponta para corresponder à acção administrativa comum tudo o que não se encontre especialmente regulado. Na acção administrativa especial, por sua vez, cabem os processos relativos a actos e regulamentos administrativos.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva a dualidade de meios não passaria de um preciosismo que, eventualmente, careceria de um reparo teórico que deixasse claro o corte do actual Contencioso Administrativo com o passado, se não fosse os contra sensos práticos cuja sua aplicação acabam por originar na mente do aplicador.
O que se verifica é que o que o legislador denominou de acção administrativa especial, consubstancia, na prática, a acção administrativa comum, sendo aquela que mais utilidade e aplicabilidade tem.
O Prof. Mário Aroso de Almeida reconhece no art. 39º CPTA uma situação evidente desta realidade: as pretensões meramente declarativas ou de simples apreciação, em termos práticos, estão associadas à impugnação de actos administrativos, cujo meio processual é não a acção administrativa comum mas especial.
O Prof. identifica no art. 37º/2, c) CPTA uma mistura normativa que espelha, por parte do próprio legislador, uma dificuldade de delimitação entre os dois meios processuais que adoptou: estando de fora da acção administrativa comum os actos administrativos e regulamentos, certo é que a referência a acto administrativo aqui surge.
Não obstante o reparo do Professor Mário Aroso de Almeida quanto ao art. 39º CPTA, já no que se prende com o art. 37º/2, c) CPTA faz uma interpretação subsidiária concluindo pela sua correcta formulação: aqui em causa está a intervenção preventiva face à via impugnatória, típica da acção administrativa especial, quando tal não assegure eficazmente a tutela jurisdicional efectiva do particular, como pode suceder em casos em que a prática do acto crie danos irreversíveis.
Tomando agora posição parece certo que a amplitude dos preceitos da acção administrativa especial permitem aplicá-la à maior parte dos casos pelo que mais sentido faria ser essa a acção comum. Por último, atente-se que mesmo na formulação legal quanto ao conteúdo da acção administrativa comum tal é feito numa perspectiva de exclusão do que já seja regulado. É indubitável a troca de identidades destas acções e quase óbvio que os mesmos resultados seriam alcançáveis com a existência de apenas um meio processual pois, do mesmo modo que na acção administrativa comum se pode fazer uma interpretação com vista à função preventiva, também o regime da acção administrativa especial, dada a sua amplitude, o permitiria.

Matthew Fernandes
nº23792


Bibliografia

Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2009

Mário Aroso Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2013





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