O tema deste comentário vai
consistir na breve discussão do Interesse Processual como pressuposto processual. O
Código do Processo dos Tribunais Administrativos não o inclui como pressuposto
geral, não o equiparando a pressupostos como a legitimidade e a capacidade. A
discussão quanto ao interesse processual prende-se com a necessidade de
autonomização do mesmo e com o impacto que terá para o processo a possível
falta de interesse processual do sujeito ativo.
Podemos definir o interesse
processual, pelo artigo 39º do CPTA, como a “utilidade ou vantagem imediata”
que o autor retira para si na providência de uma decisão jurisdicional. Isto
significa que, quando pensamos em interesse processual, pensamos no possível
benefício que pode recair sobre quem intenta a ação, se a decisão lhe for
favorável, sempre que este tenha sido prejudicado, ou possa vir a sê-lo, por
atuação da Administração Pública. Contudo, pela descrição aqui feita, o único
pressuposto processual que possa ter uma correspondência a esta ideia de
benefício direto será o pressuposto da legitimidade, previsto no artigo 55º do
CPTA, e considerado exceção dilatória no artigo 89º, nº2, alínea e). Cabe
portanto fazer duas clarificações: primeiro, o que é um pressuposto processual?
E segundo, porquê distinguir o interesse processual da legitimidade?
São pressupostos processuais os
requisitos, retirados à contrário do artigo 89º, sem os quais a ação não pode
ser julgada. São, portanto, elementos essenciais à prossecução de uma decisão judicial.
Não fazendo menção a todos, passo agora a explicar o pressuposto que nos é relevante
para este comentário: a legitimidade processual. Retiramos do artigo 55º que
tem legitimidade qualquer titular de um interesse direto e pessoal, que nasça
de uma lesão de interesses legalmente protegidos. Ora esta ideia acaba por ir
de encontro à ideia de interesse processual que mencionei anteriormente, pelo
que não é de estranhar que durante muitos anos estes “pressupostos” tenham sido
considerados como um só. E não é de todo irrelevante que estas regras funcionem
de tal modo em sintonia que sejam extremamente complementares, visto que é do
interesse de todas as partes que os sujeitos que intentam a ação reúnam tanto o
interesse pessoal e direto como a utilidade e proveito da solução desejada.
Contudo, e em grande parte é este o âmbito deste comentário, estamos a falar de
questões distintas: o interesse processual, apesar de algumas semelhanças
decorrerem da sua definição, comporta distinções quanto à legitimidade, sendo
que a primeira a mencionar é a de que enquanto a legitimidade é um pressuposto
processual, o interesse processual não o é. A questão à qual tentarei responder
é a seguinte: deverá o interesse processual ser considerado um pressuposto geral,
como o é a legitimidade?
Em primeiro lugar, fazendo uma
distinção inicial entre estas duas regras, a legitimidade é aferida quanto a
cada uma das partes, pelo que ambas se encontram oneradas com a demonstração da
verificação (ou falta de verificação, mais conveniente para o sujeito passivo)
deste pressuposto processual. No que importa ao interesse processual, apenas o
sujeito que intenta a ação tem que demonstrar que da solução que busca retira,
efetivamente, uma utilidade ou vantagem direta, provando a sua necessidade de
tutela judicial. Em segundo lugar, o autor pode ser o titular da relação
jurídica controvertida e ter, portanto, legitimidade, mas não ter necessidade
de recorrer a ação, estando portanto em falta o interesse processual. Esta
demonstração fará total sentido quando pensamos na vertente económica que
decorre de fazer trabalhar a “máquina” judicial. Intentar uma ação requer o
pagamento de custas, requer despesas necessárias para que a ação se mantenha “viva”.
Logicamente que estas custas serão infundadas se a decisão que surgir não tiver
qualquer utilidade direta para aquele que inicialmente a propôs, acabando por
consistir única e exclusivamente em despesa. Para além desta vertente mais
financeira, também não me parece que fará sentido permitir que qualquer ação
que cumpra com os requisitos mencionados no 89º se possa manter viva se for
claro que da decisão o sujeito ativo não retirará qualquer utilidade ou
vantagem, visto que estamos perante processos nos quais o sujeito passivo será
sempre a Administração Pública, pelo que sujeitos com vontade de processar não
faltarão. Estas situações levantam então a questão principal deste comentário. Tendo
em conta que o próprio CPTA não considera o interesse processual como
pressuposto, isto significa que a sua falta não só não gera uma exceção
dilatória, como o seu preenchimento será irrelevante, excetuando nas ações de
simples apreciação, nas quais consubstancia um requisito de validade da procedência
da ação. A referência feita no artigo 39º é, portanto, insuficiente para que
consideremos o interesse processual como pressuposto geral, valendo apenas para
as ações de apreciação. Relativamente a estas, faz sentido que o interesse
processual seja um pressuposto para impedir o acesso injustificado aos
Tribunais, visto que estas ações, como nos indica o Processo nº 01145/05 de 21
de Fevereiro de 2008, obrigam a “que o
autor (a) demonstre o estado actual e objectivo de incerteza do direito que se
arroga e que pretende tornar certo com uma declaração judicial, pelo que, sendo
o estado de incerteza sobre determinada situação que possibilita a instauração
de uma acção de simples apreciação, tem de ser um estado de incerteza
objectivo, não podendo ser colocada uma mera questão jurídica, que se reconduz
a um problema de interpretação.” Daqui retiramos que o interesse
processual, ou falta dele, pode levar a que o Tribunal entenda que não existe
razão para que a ação prossiga, se o Autor não conseguir provar que realmente
carece de tutela jurídica para demonstrar a existência ou inexistência de
determinada situação juridicamente relevante.
O Professor Doutor Vasco Pereira da
Silva afirma que a insuficiente consagração do interesse processual no CPTA
decorre dos “traumas da infância” do Contencioso Administrativo, que fomentavam
a ideia de confusão entre interesse e legitimidade processual ao não atribuir a
particulares a titularidade de direitos nas relações administrativas de forma a
limitar o acesso ao Tribunal, mas que ultrapassados esses mesmos traumas, as
referências decorrentes do CPTA reforçam a importância do interesse processual
como possível pressuposto geral, e não apenas como pressuposto especial para as
ações de simples apreciação. Ora esta posição doutrinária, apesar de não ter
correspondência no CPTA, parece-me a mais adequada. Não considero que faça
grande sentido que o interesse processual e a legitimidade sejam considerados
como um só pressuposto, mas sim devem ser tidos em conta individualmente, ainda
que funcionem complementarmente para assegurar que as partes que integram o
processo são as que beneficiam da decisão, se esta lhes for favorável. Mais,
será de grande vantagem para o funcionamento célere do processo se o Autor
demonstrar à partida que só através da ação intentada, e decisão daí
proveniente, se verificará a salvaguarda de um interesse juridicamente
protegido que sofreu uma lesão por atuação da Administração Pública, garantindo
assim que o acesso à justiça através dos Tribunais Administrativos é fundado na
necessidade de garantir uma tutela que não será alcançável através de mais
nenhum meio.
Para terminar, parece-me
essencial que se dê uma maior importância ao interesse processual em qualquer
meio processual e não apenas nos pedidos de simples apreciação, de modo a
garantir que as ações que chegam a Tribunal tenham sempre como característica as
vantagens diretas que o sujeito poderá retirar da decisão se esta for a
desejada, visto que o próprio CPTA estabelece que qualquer pessoa que tenha
sido prejudicada por um ato administrativo tem legitimidade para intentar a
ação, mas não reforça a ideia de que a ação tem que ter alguma utilidade na
decisão que dela se extraia, assim deixando em aberto situações em que o autor
tenha realmente cumprido com todos os pressupostos processuais, podendo então
apresentar a ação em tribunal, independentemente de existirem meios mais
acessíveis através dos quais a parte poderia arranjar a solução desejada.
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