segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Relevância do Interesse Processual no âmbito dos Pressupostos Processuais

 O tema deste comentário vai consistir na breve discussão do Interesse Processual como pressuposto processual. O Código do Processo dos Tribunais Administrativos não o inclui como pressuposto geral, não o equiparando a pressupostos como a legitimidade e a capacidade. A discussão quanto ao interesse processual prende-se com a necessidade de autonomização do mesmo e com o impacto que terá para o processo a possível falta de interesse processual do sujeito ativo.

 Podemos definir o interesse processual, pelo artigo 39º do CPTA, como a “utilidade ou vantagem imediata” que o autor retira para si na providência de uma decisão jurisdicional. Isto significa que, quando pensamos em interesse processual, pensamos no possível benefício que pode recair sobre quem intenta a ação, se a decisão lhe for favorável, sempre que este tenha sido prejudicado, ou possa vir a sê-lo, por atuação da Administração Pública. Contudo, pela descrição aqui feita, o único pressuposto processual que possa ter uma correspondência a esta ideia de benefício direto será o pressuposto da legitimidade, previsto no artigo 55º do CPTA, e considerado exceção dilatória no artigo 89º, nº2, alínea e). Cabe portanto fazer duas clarificações: primeiro, o que é um pressuposto processual? E segundo, porquê distinguir o interesse processual da legitimidade?

 São pressupostos processuais os requisitos, retirados à contrário do artigo 89º, sem os quais a ação não pode ser julgada. São, portanto, elementos essenciais à prossecução de uma decisão judicial. Não fazendo menção a todos, passo agora a explicar o pressuposto que nos é relevante para este comentário: a legitimidade processual. Retiramos do artigo 55º que tem legitimidade qualquer titular de um interesse direto e pessoal, que nasça de uma lesão de interesses legalmente protegidos. Ora esta ideia acaba por ir de encontro à ideia de interesse processual que mencionei anteriormente, pelo que não é de estranhar que durante muitos anos estes “pressupostos” tenham sido considerados como um só. E não é de todo irrelevante que estas regras funcionem de tal modo em sintonia que sejam extremamente complementares, visto que é do interesse de todas as partes que os sujeitos que intentam a ação reúnam tanto o interesse pessoal e direto como a utilidade e proveito da solução desejada. Contudo, e em grande parte é este o âmbito deste comentário, estamos a falar de questões distintas: o interesse processual, apesar de algumas semelhanças decorrerem da sua definição, comporta distinções quanto à legitimidade, sendo que a primeira a mencionar é a de que enquanto a legitimidade é um pressuposto processual, o interesse processual não o é. A questão à qual tentarei responder é a seguinte: deverá o interesse processual ser considerado um pressuposto geral, como o é a legitimidade?

 Em primeiro lugar, fazendo uma distinção inicial entre estas duas regras, a legitimidade é aferida quanto a cada uma das partes, pelo que ambas se encontram oneradas com a demonstração da verificação (ou falta de verificação, mais conveniente para o sujeito passivo) deste pressuposto processual. No que importa ao interesse processual, apenas o sujeito que intenta a ação tem que demonstrar que da solução que busca retira, efetivamente, uma utilidade ou vantagem direta, provando a sua necessidade de tutela judicial. Em segundo lugar, o autor pode ser o titular da relação jurídica controvertida e ter, portanto, legitimidade, mas não ter necessidade de recorrer a ação, estando portanto em falta o interesse processual. Esta demonstração fará total sentido quando pensamos na vertente económica que decorre de fazer trabalhar a “máquina” judicial. Intentar uma ação requer o pagamento de custas, requer despesas necessárias para que a ação se mantenha “viva”. Logicamente que estas custas serão infundadas se a decisão que surgir não tiver qualquer utilidade direta para aquele que inicialmente a propôs, acabando por consistir única e exclusivamente em despesa. Para além desta vertente mais financeira, também não me parece que fará sentido permitir que qualquer ação que cumpra com os requisitos mencionados no 89º se possa manter viva se for claro que da decisão o sujeito ativo não retirará qualquer utilidade ou vantagem, visto que estamos perante processos nos quais o sujeito passivo será sempre a Administração Pública, pelo que sujeitos com vontade de processar não faltarão. Estas situações levantam então a questão principal deste comentário. Tendo em conta que o próprio CPTA não considera o interesse processual como pressuposto, isto significa que a sua falta não só não gera uma exceção dilatória, como o seu preenchimento será irrelevante, excetuando nas ações de simples apreciação, nas quais consubstancia um requisito de validade da procedência da ação. A referência feita no artigo 39º é, portanto, insuficiente para que consideremos o interesse processual como pressuposto geral, valendo apenas para as ações de apreciação. Relativamente a estas, faz sentido que o interesse processual seja um pressuposto para impedir o acesso injustificado aos Tribunais, visto que estas ações, como nos indica o Processo nº 01145/05 de 21 de Fevereiro de 2008, obrigam a “que o autor (a) demonstre o estado actual e objectivo de incerteza do direito que se arroga e que pretende tornar certo com uma declaração judicial, pelo que, sendo o estado de incerteza sobre determinada situação que possibilita a instauração de uma acção de simples apreciação, tem de ser um estado de incerteza objectivo, não podendo ser colocada uma mera questão jurídica, que se reconduz a um problema de interpretação.” Daqui retiramos que o interesse processual, ou falta dele, pode levar a que o Tribunal entenda que não existe razão para que a ação prossiga, se o Autor não conseguir provar que realmente carece de tutela jurídica para demonstrar a existência ou inexistência de determinada situação juridicamente relevante.

 O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva afirma que a insuficiente consagração do interesse processual no CPTA decorre dos “traumas da infância” do Contencioso Administrativo, que fomentavam a ideia de confusão entre interesse e legitimidade processual ao não atribuir a particulares a titularidade de direitos nas relações administrativas de forma a limitar o acesso ao Tribunal, mas que ultrapassados esses mesmos traumas, as referências decorrentes do CPTA reforçam a importância do interesse processual como possível pressuposto geral, e não apenas como pressuposto especial para as ações de simples apreciação. Ora esta posição doutrinária, apesar de não ter correspondência no CPTA, parece-me a mais adequada. Não considero que faça grande sentido que o interesse processual e a legitimidade sejam considerados como um só pressuposto, mas sim devem ser tidos em conta individualmente, ainda que funcionem complementarmente para assegurar que as partes que integram o processo são as que beneficiam da decisão, se esta lhes for favorável. Mais, será de grande vantagem para o funcionamento célere do processo se o Autor demonstrar à partida que só através da ação intentada, e decisão daí proveniente, se verificará a salvaguarda de um interesse juridicamente protegido que sofreu uma lesão por atuação da Administração Pública, garantindo assim que o acesso à justiça através dos Tribunais Administrativos é fundado na necessidade de garantir uma tutela que não será alcançável através de mais nenhum meio.


 Para terminar, parece-me essencial que se dê uma maior importância ao interesse processual em qualquer meio processual e não apenas nos pedidos de simples apreciação, de modo a garantir que as ações que chegam a Tribunal tenham sempre como característica as vantagens diretas que o sujeito poderá retirar da decisão se esta for a desejada, visto que o próprio CPTA estabelece que qualquer pessoa que tenha sido prejudicada por um ato administrativo tem legitimidade para intentar a ação, mas não reforça a ideia de que a ação tem que ter alguma utilidade na decisão que dela se extraia, assim deixando em aberto situações em que o autor tenha realmente cumprido com todos os pressupostos processuais, podendo então apresentar a ação em tribunal, independentemente de existirem meios mais acessíveis através dos quais a parte poderia arranjar a solução desejada.

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