A
abertura dos tribunais administrativos, bem como, da própria constituição ao
tema em apreço foi ao longo tempo, discutida e concretizada faseadamente,
superando-se assim, um dos tramas da “infância difícil” do contencioso
Administrativo.
Esta
abertura deu-se, essencialmente devido à evolução da sociedade e à dinamização
das respetivas vivências socioculturais e econômicas, quer no plano interno
como no externo, bem como, ao afastamento do modelo Francês que vislumbrava o
contencioso administrativo como destinado à mera verificação da legalidade de
uma atuação administrativa.
Neste
sentido, com a reforma de ‘84/’85 da CRP, deram-se largos passos no sentido da
transformação do Contencioso Administrativo num processo de partes. Assim sendo,
a interligação entre os direitos litigados, foi salvaguardada, cumprindo-se
então a função subjetiva de proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares,
e a função objetiva de tutela da legalidade e do interesse público.
Indagado
agora sobre “o que é DE
direito” (quid juris), e “o que é O próprio direito” (quid jus) na denominada
Ação popular, é necessário chamar à colação o disposto nos artigos nos artigos 20º
(indiretamente), 52º/3 da CRP e 9º CPTA.
A expressão do latim quid juris, remete para a génese da
solução que está acordo com a norma jurídica, no caso concreto. Assim, quando
se indaga quid juris? O que se está indagando é: qual direito que é aplicável
num determinado caso ou situação. Neste caso, aplicam-se os artigos acima
expostos.
A Constituição, no seu artigo 52º/3, refere “(…) nos casos e
termos previstos na Lei (…)”, consequentemente, o legislador viu-se obrigado a
densificar a matéria da Ação popular, vislumbrando-se primariamente o desfecho
da obrigação na Lei 83/95, de 31 de Agosto.
O artigo acima enunciado, 9º CPTA, contem também ele uma remissão
nesta matéria no seu nr 2.
No que concerne à expressão quid jus refere-se ao “ser do
direito”, ou seja, o que o direito é na sua essência. No fundo, remete para a
própria ideia de direito em causa, de modo que, ao fazer-se a indagação quid
jus? O que se procura saber não é qual o direito (ou norma de direito)
aplicável, mas sim, o quê que o legislador quis proteger ou salvaguardar
com a própria norma, bem como, quem.
Posto isto, e como parte própria da Ação popular temos o: “O
actor popular age sempre no interesse geral da colectividade ou da comunidade a
que pertence ou se encontra inserido, sem que tal meio de tutela judicial
envolva a titularidade de qualquer interesse directo e pessoal.” (Paulo Otero,
“A acção popular: configuração e valor no actual Direito português” in
Separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, III – Lisboa, Dezembro
1999, p. 872). Isto sumariamente, sintetiza o facto de o próprio particular
poder agir na medida dos interesses salvaguardados em causa e confere segundo
os termos do artigo 2º/1/2ª parte CPTA, legitimidade para o impulso da ação “(…)
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos (…)”.
No caso de se tratar de Ação Popular de carácter coletivo, a
lei confere legitimidade às associações e fundações defensoras dos interesses
do artigo 52º/3 da Constituição da República Portuguesa, quando cumpridos os
requisitos do artigo 3º da Lei 83/95 (personalidade jurídica, a inclusão da proteção
desses interesses nos respetivos estatutos ou atribuições e o não-exercício de
qualquer tipo de atividade profissional concorrente com empresas ou
profissionais liberais). A Lei confere também legitimidade às autarquias
locais, no que se refere “(…) aos interesses de que sejam titulares residentes
na área da respetiva circunscrição.”, nos termos do artigo 2º/2 CPTA.
O Ministério Público desempenha também um importante papel na
ação popular. Este, nos termos do artigo 16º/1, tem o papel de fiscalizar a
legalidade e de representar o Estado (quando este for parte na causa), os
ausentes, os menores e demais incapazes. Segundo os trâmites do artigo 16º/3 é conferida
a possibilidade ao Ministério Público de, querendo, “(…) substituir-se ao autor
em caso de desistência da lide, bem como de transacção ou de comportamentos lesivos
dos interesses em causa.”. Poderá ainda, representar pessoas coletivas públicas,
quando devidamente autorizado.
Um dos aspetos mais interessantes nesta matéria é, o facto de
que o juiz é colocado num pedestal superior ao normal, ou seja, é a si
permitido ter iniciativa própria no que toca à recolha de provas, não se
encontrando vinculado à iniciativa das partes (artigo 17º). Para além disso,
pode o mesmo declarar, por iniciativa própria, o efeito suspensivo de certo
recurso em ação popular, mesmo que a Lei não atribua a esse recurso esse efeito
(esta última faculdade pode ser exercida quando o efeito suspensivo evite um
dano irreparável ou de difícil reparação).
Neste seguimento, e concretizando a génese da dita Ação
Popular, a mesma é uma ação judicial que tem como objetivo principal a tutela
de interesses difusos, constituindo como tal um direito fundamental de atuação
política, seja a nível individual ou coletivo. Destina-se portanto, à tutela direta
da legalidade e do interesse público, mas por intermédio de um processo de
partes, que, por sua vez, é estruturado na delimitação em razão das alegações
dos sujeitos processuais sendo o processo regido pelo princípio do
contraditório.
É necessário enfatizar que a Ação em análise pode
subdividir-se em dois âmbitos, segundo os termos do artigo 12 CPTA; a ação
popular administrativa, que deve ser instaurada nos tribunais administrativos, consubstanciando
uma expressão dos litígios emergentes de relações jurídico-administrativos,
litígios este que estão submetidos à reserva de competência dos tribunais
administrativos, e a ação popular civil, a instaurar nos tribunais civis e que
pode revestir qualquer uma das formas prevista no Código de Processo Civil.
No que concerne ao seu objeto, a ação em causa pode assumir
as seguintes modalidade: ação popular preventiva: a que tenha por objetos
prevenir infrações contra certos interesses gerais da coletividade; ação
popular anulatória: a que tenha como fim determinar a cessação de tais infrações;
ação popular repressiva: a que vise a prossecução judicial de certas infrações,
mais especificamente dos seus agentes; ação popular indemnizatória: a que
ressarça os danos resultantes da infração aos referidos interesses difusos; ação
popular substitutiva: aquela que vise a defesa de bens integrantes do património
de entidades públicas.
Quanto aos interesses em causa, é importante clarificar no
que recai o “difusos” e de que maneira estes articulam na própria Ação Popular.
Os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira debruçam-se sobre esta matéria
no sentido de que os interesses em apreço são interesses coletivos, portanto
abrangem toda a comunidade, devendo-se reconhecer aos cidadãos a defesa dos
mesmos, na fração a si considerada como interesse. Face a esta matéria, cito
ainda a seguinte passagem, que clarifica o conceito de interesses difusos:
“o
interesse individual, isto é, o direito subjetivo ou interesse específico de um
indivíduo; o interesse público ou interesse geral, subjetivado como interesse
próprio do Estado e dos demais entes territoriais, regionais e locais; o
interesse difuso, isto é a refracção em cada indivíduo de interesses unitários
da comunidade, global e complexivamente considerada; o interesse colectivo,
isto é, interesse particular comum a certos grupos e categorias.” (Gomes
Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Anotada”, 4ª edição revista,
Almedina, Coimbra, 1º Volume, pp. 696-699).
Por outro lado, há autores como o Professor Teixeira de Sousa,
que defendem que, os interesses em causa são, “interesses que se encontram
dispersos ou disseminados por vários titulares, de marcada difusão social”.
Neste sentido, não discorda dos autores anteriores mas sim, acrescenta que, não
existe suscetibilidade nem qualquer possibilidade de apropriação como próprio deste
interesse em causa. É assim, um interesse com carácter defensável por parte do
cidadão mas que não lhe é exclusivo per si.
Da minha análise face ao tema, tendo a aproximar-me da posição
defendida pelo Professor Teixeira de Sousa, no sentido de que, os interesses
expostos serão sempre interesses da sociedade, bem como, do interessado, não cabendo
a nenhum deles uma quota-parte exata mas sim uma medida legal que permite a
ambos uma elasticidade para qualquer lado, quando se trate de defender a causa.
Quero com isto dizer se o particular intentar ação com o intuito de defender o
interesse que se encontre lesado ou venha a sê-lo por algum motivo, terá
legitimidade para o fazer, bem como, se não o fizer a outra parte pode agir
nesse sentido, não sendo necessariamente a ideia de fração de interesse por
cada um, mas sim, o interesse na complexidade, considerado.
Por último, e atendendo-se ao teor do acórdão do Tribunal da
Relação de Guimarães, processo 110/12.1TBVVD.G1, que versa sobre a matéria
tratada, clarificando os conceitos (quid jus) e preceitos jurídicos (o quid
juris) em causa: “O art. 52.° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa
consagra o direito de petição e ação popular, ao preceituar que é conferido a
todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em
causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo
o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização,
nomeadamente para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial
das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade
de vida, a preservação do ambiente e do património cultural (alínea a) e
assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias
locais (alínea b).
O Decreto-Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, veio concretizar a lei constitucional e definir os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.° 3 do artigo 52.° da Constituição (art.º 1.º n.º 1).” Podendo-se assim concluir que, “A ação popular tem subjacente a faculdade dos particulares poderem defender os interesses públicos, como é o caso, sem que esteja em causa uma relação de natureza administrativa.”
O Decreto-Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, veio concretizar a lei constitucional e definir os casos e termos em que são conferidos e podem ser exercidos o direito de participação popular em procedimentos administrativos e o direito de ação popular para a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações previstas no n.° 3 do artigo 52.° da Constituição (art.º 1.º n.º 1).” Podendo-se assim concluir que, “A ação popular tem subjacente a faculdade dos particulares poderem defender os interesses públicos, como é o caso, sem que esteja em causa uma relação de natureza administrativa.”
Ana Teresa Garcia Milho, subturma 9 Aluna: 23811
Referências Bibliográficas:
PEREIRA DA SILVA, VASCO, O contencioso administrativo no
divã da psicanálise, 2ª edição, Almedina, 2009, pp. 368-369.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República
Anotada”, 4ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1º Volume
OTERO, PAULO- Manual de Direito Administrativo, Volume I,
2013, p.241
Almeida, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
2ª edição, 2016, Almedina
Paulo Otero, “A acção popular: configuração e valor no actual
Direito português” in Separata da Revista da Ordem dos Advogados, ano 59, III
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/412224be2a14889580257b570037a7ba?OpenDocument
(link remissivo para o Acórdão)
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